Na sexta-feira (3), às 9 da noite, chegaram no Brasil os resultados das contraprovas de laboratório internacional que atestaram dois casos atípicos de encefalopatia espongiforme bovina, doença conhecida também como “mal da vaca louca” porque o animal tem sintomas de descoordenação, agressividade, parecendo que a vaca ficou louca.
Muitas manchetes sensacionalistas saíram na mídia, inclusive na grande mídia, dizendo que o Brasil “constata casos de vaca louca”. Acredito ser muito perigoso a gente não explicar logo nas manchetes que a encefalopatia espongiforme bovina na sua versão clássica é uma zoonose. Ou seja, ela acomete o animal e se ingerida a carne desse animal acomete também o homem. É uma doença gravíssima. Mas o Brasil nunca teve casos clássicos dessa doença, sendo um país considerado pela OIE (Organização Internacional de Saúde Animal) de risco insignificante.
O caso brasíleiro é atípico. Mas o que é um caso atípico? O caso atípico é uma degeneração do tecido nervoso do animal por decorrência da idade que pode ser comparado, a grosso modo, com o mal de Alzheimer no ser humano. Então, o que acontece é uma degeneração do tecido nervoso do animal por idade, é uma questão genética. É bem importante diferenciar que esses casos no Brasil não foram por contaminação, diferentemente do que aconteceu na Europa há cerca de uma década. Nos Estados Unidos já houve casos também da forma clássica. Não é o caso do Brasil. Então, novamente, é muito perigoso a gente divulgar esse tipo de notícia e correr o risco de prejudicar o setor pecuário de maneira bastante injusta.
Mas por que demorou tanto para esse caso brasileiro ser esclarecido? Vale lembrar que depois dos animais identificados foi realizado aqui no Brasil um exame laboratorial. Como o país tem acordos comerciais com clientes internacionais, precisamos provar novamente, produzir uma contraprova em um laboratório credenciado internacional. Precisamos pegar um material desse animal, mandar a esse laboratório lá fora e esse laboratório é que produz a contraprova. Essa contraprova serve para o país redigir um ofício e enviá-lo aos clientes internacionais. Durante esse procedimento, todas as exportações têm de ser suspensas. Porque até que se prove que o caso da doença é atípico não pode correr o risco de enviar para fora um produto contaminado.
O ofício foi enviado aos clientes internacionais que darão o aval e a partir daí eles continuam com os trâmites de importação “porque não era nada demais”. Depois dessa autorização é que se retoma as exportações. Nesse processo todo, desde o início, entre diagnóstico, contraprova, missão de ofício, aceitação e retomada das exportações, em 2019 quando houve um caso parecido foram 25 dias. Agora, a gente projeta os mesmos 25 dias, faltando então agora cerca de 10 a 15 dias para que tudo volte ao normal. Um tempo menor ou maior vai depender da habilidade diplomática para voltarmos o quanto antes.
Hoje, o país recebeu a notícia de suspensão de certificação por parte da Rússia e Egito. Isso é absolutamente normal. Enquanto isso, sabemos que há 150 mil toneladas de carne prontas para serem embarcadas. Essa carne fica, então, esperando a retomada das exportações para serem embarcadas de novo.
Mercado com demanda em alta
Daqui para a frente, a gente espera que seja um processo rápido e que na sequência o mercado internacional volte com apetite, porque nós temos agora, sazonalmente, o período de maior potencial de exportações para carne bovina brasileira. Se a gente traçar uma curva sazonal das exportações brasileiras, o período que mais exporta é outubro e novembro, inclusive para a China, mas também para outros mercados.
Nós também já temos uma sinalização de embarques de agosto que mostram o Brasil entrando para substituir a Argentina no mercado externo. Lembrando que o governo argentino limitou as exportações de carne bovina para tentar conter o preço doméstico desse produto e pressionar menos a inflação. Isso é uma medida populista que deve se manter, pelo menos, até as eleições argentinas.
E aí vem a pergunta: quem entra para competir nesse ínterim? São outros países também, mas principalmente o Brasil. Por exemplo: o Uruguai é um grande competidor, mas hoje o Uruguai está com um boi mais caro que no Brasil, quando a gente transforma essas arrobas em dólares. Então, o Brasil entra como principal substituto da Argentina nesse caso. E quando a gente olha os números de agosto, o Brasil já abocanhou uma parte desses embarques para a China que deveriam ter saído da Argentina.
Então, enquanto vigora essa suspensão por conta do caso atípico de encefalopatia espongiforme bovina, o mercado internacional já sente falta da carne brasileira. É importante lembrar disso: que vão sentir falta, o que deve fazer acelerar esse tempo de espera até que tudo volte ao normal. Lá fora, o governo brasileiro está fazendo um bom trabalho, conversando com os clientes desde o início.
Então, por que deu tanta confusão, me perguntaram. Por que o mercado ficou mais nervoso agora do que em 2019? Em primeiro lugar, hoje, o país está dependendo mais das exportações do que dependia em 2019. Naquele ano o Brasil exportava, mais ou menos, 20% do que produzia. Hoje, o país exporta 30% da carne que produz, então a dependência é maior. Além disso, atualmente o mercado doméstico está mais baqueado do que em 2019.
Em terceiro lugar, mas também importante, há outro detalhe. Em 2019, já de cara, sabíamos qual era o perfil do animal que estava sendo investigado – era um animal velho. Quando rapidamente a gente sabe a idade de um animal aumentam as chances de que seja um caso atípico. Mas, dessa vez, de imediato nós estávamos completamente às cegas em relação ao perfil do animal. Isso gerou muita especulação, de notícias de propriedades no Brasil sendo investigadas, outras tiveram denúncias por estar usando proteína animal no arraçoamento dos ruminantes e isso é proibido porque favorece o acometimento desse tipo de doença na forma clássica. Houve muito burburinho e muita insegurança por conta disso, o que já foi esclarecido. Agora, estamos em vias de retomada. Daqui para a frente é esperar as respostas internacionais e devemos retomar muito em breve à normalidade.
Lygia Pimentel, CEO da AgriFatto, é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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