Vender açaí para o mundo, uma das frutas símbolo do bioma Amazônia, tem sido tarefa que liga comunidades, processadores e empresas interessadas em um mercado bilionário baseado no fair trade. Palcos globais não faltam, mas seduzir os asiáticos representa uma mina de ouro da ordem de 4,5 bilhões de pessoas e um potencial inimaginável de negócios. Não por acaso, na ExpoDubai, que começa hoje ( 1º), na mais luxuosa metrópole dos Emirados Árabes Unidos, e vai até março do ano que vem, as empresas estão se organizando para não perder oportunidades.
“Nós estamos juntos com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) e também montamos um stand somente para os nossos produtos”, diz Rafael do Prado Ribeiro, 40 anos, head global da Tropicool e head de negócios da Afrinvest, holding dos sócios Caio Nabuco e Maurício Esteves que há 15 anos exportam produtos brasileiros. “No mundo, a busca por alimentos mais saudáveis, de maior apelo nutricional, já vinha em crescimento demandado por um consumidor que, com a pandemia, vem se tornando ainda mais exigente. O açaí, hoje, é muito aceito nos mercados em que fazemos campanhas de degustação.” Para estar na feira, o investimento da Tropicool foi da ordem de US$ 50 mil, mas a conta ainda não está fechada.
A ExpoDubai é um gigantesco painel global de tecnologia, inovação, design, culturas e ciências humanas que acontece a cada cinco anos. Com o tema “Conectando a mente e criando o futuro”, cerca de 25 milhões de pessoas são esperadas para a edição atual. O pavilhão brasileiro, localizado no setor de sustentabilidade, espera por 3,5 milhões de visitantes e US$ 500 milhões em negócios. No total são três setores, incluindo os chamados oportunidade e mobilidades, nos quais estão empresas e organismos governamentais de 192 países.
Vitrine para a abertura de novos mercados, os exportadores de açaí acreditam que há espaço para o comércio da fruta processada e congelada. Ou, no caso da Tropicool, que desenvolveu tecnologia para estabilizar o purê da fruta, o produto pode ser exportado em caixa TetraPak, com vida de prateleira de 12 meses. No ano passado, o Brasil exportou pouco mais de 6 mil toneladas da fruta processada, geralmente na forma de purê congelado, sendo que o estado do Pará respondeu por 94% dos embarques: 5,9 mil toneladas, por US$ 13,2 milhões. Há uma década, o estado vendia 41 toneladas por ano. A fruta está ganhando o mundo mostrando que o sabor exótico, nutritivo e energético, vem embalado por um forte apelo no fair trade, ou comércio justo, no qual os pilares são as sustentabilidades econômica e ecológica.
“A gente vai sempre na linha do fair trade, buscando investidores que tenham sempre boas práticas, desde a extração da fruta até a comercialização”, afirma Ribeiro. “A marca cresceu com essa questão sustentável, tanto ambiental como social, muito forte por conta do viés de born to be global.” A Tropicool tem parcerias com entidades como a Abrafrutas (Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados), para se aproximar dos produtores; e com instituições, como a ONG SOS Amazônia, onde a cada dez litros processados a empresa planta uma árvore, além de ações de capacitação para o plantio em comunidades produtoras da fruta.
Uma das mais recentes operações ocorreu no Acre, com o plantio de 1.500 árvores em comunidades extrativas de açaí. Além do Brasil, a Tropicool está na Austrália, Catar, Emirados Árabes e México, indo para mais um mercado, o Egito, nos últimos meses. São 45 pontos de venda no exterior e 15 no Brasil. “Estamos em negociação e olhamos muito, também, para mercados já maduros, como EUA, Canadá, e mercados europeus, como Portugal, Espanha e Reino Unido. Também há um grande esforço na China, em parceria com a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) e com a Invest São Paulo.”
Fruta para todos
Georgios Frangulis, CEO da OakBerry, marca que vem sendo impulsionada pela SMZTO, principal fundo brasileiro de private equity especializado em franquias, fundado por José Carlos Semenzato, diz que o cenário internacional para o açaí é diferente do que ocorre no Brasil. Ao contrário do país, em que se criou o estereótipo de produto bom de consumo após um gasto de energia – como exercício físico–, no exterior isso não aconteceu. “Justamente porque a gente sempre tratou o açaí como sendo um potencial substituto para qualquer refeição do dia, de qualquer pessoa que está na rua, ou no shopping, ou no trabalho, e precisa comer algo saudável e rápido. Rapidez como ocorre em qualquer outra rede de fast-food”, afirma Frangulis.
Hoje, a OakBerry tem 400 unidades em 18 países, das quais 70 unidades fora do Brasil, em países como China, Espanha, Peru, Portugal, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Estados Unidos, Austrália, Peru e Qatar. Somente nos Estados Unidos são seis unidades na Califórnia, Flórida e Nova York. “O único continente que ainda não estamos é na África, que está no pipeline para o último trimestre deste ano”, diz Frangulis. A marca, que em 2021 prevê um faturamento de R$ 280 milhões, acredita que 50% do valor já está no mercado externo.
Para ele, há uma exigência com a sustentabilidade da cadeia que vai além do fair trade. O rastreamento do produto é fundamental para mostrar clareza dos processos, aos consumidores, de uma cadeia sensível do ponto de vista socioambiental e também sustentável do ponto de vista econômico. “A gente terceiriza 100%, da produção ao abastecimento, ficando com a propriedade intelectual do negócio”, afirma Frangulis. “Agora, todas as empresas que a gente trabalha estão preparadas, principalmente no açaí, uma commodity que precisa gerar subsistência em um sourcing sustentável. Todo o bioma da floresta tem de ser preservado, porque é dessa forma que as palmeiras se tornam mais produtivas.”
Na OakBerry, a fruta certificada vem de cooperativas de populações ribeirinhas do Pará, Amapá ou próximas à floresta Amazônica, que colhem, preparam e entregam o produto às fábricas de polpa para ser processado e se transformar no sorbet, o produto final comercializado pela empresa. “Por isso, temos todas as certificações de orgânico nos Estados Unidos, na Europa e um compliance muito forte para, justamente, ter certeza de que tudo está saindo de uma forma sustentável e não o contrário.”
No caso da Tropicool, as certificações são para Kosher, Halal, Ecocert, mais produtos veganos e glúten free. Ribeiro destaca que a complexidade da cadeia precisa estar no foco do negócio. No caso da SOS Amazônia essa importância dos processos passa pela mensuração de vendas e de retorno consistentes. “Nós temos famílias que estão sendo apoiadas por meio da parceria. O açaí, que é uma árvore nativa, começa a ser visto como uma possibilidade de plantio nas áreas pequenas destes produtores rurais. Precisa de visão de longo prazo, porque uma planta demora seis anos para dar fruto”, afirma. “Sinceramente, eu acho que a nossa mensagem é tão positiva na questão de sustentabilidade e reflorestamento. Estamos nos posicionando de uma maneira muito orientada nesse sentido.”
Porteira aberta para os negócios
A mensagem para os mercados pode render bons frutos. Não à toa, a Tropicool tem como sócio, com 50% do negócio, os sheiks Mohammed Al Thani e Ahmed, membros da família real do Catar e de Sharjah. “O que a gente enxerga é isso: são muitos os mercados em que se pode atuar”, diz Ribeiro. O executivo, que tem uma intensa agenda de viagens internacionais, já foi por sete anos head de promoção comercial da Apex Brasil. Ele acredita que o mercado internacional para o açaí é um caminho sem volta e que as empresas podem trabalhar em cenários diversos, em busca dos negócios. “Se vou a um mercado não tão maduro do ponto de vista de negócio, levo um pacote onde haja percepção de valor, e a gente investe para ter isso”, diz Ribeiro. “A estratégia da Tropicool é começar a operação pela exportação e, à medida que ela vai tomando volumes importantes, a gente começa a planejar a internacionalização da empresa nesses mercados.”
Frangulis, da Oakberry, diz que, como exportador, a percepção é que em todas as grandes cidades do mundo (qualquer cidade com mais de 100 mil habitantes na Europa é uma grande cidade), a cultura de consumo tem se tornado cada vez mais parecida. “A gente percebe que o consumo na Arábia Saudita, em Lisboa e em Miami são cada vez mais parecidos, que vêm justamente da formação de opinião e cultura global formada nos Estados Unidos”, diz ele. “Na verdade, acho que a Europa cria uma cultura, mas quem consolida a cultura de consumo global, falando de alimentação, são de fato os americanos. “Veja que no caso das cafeterias, a Europa tem diversas redes, mas as que têm mais sucesso hoje são aquelas inspiradas na Starbucks. Então, no fim do dia, os Estados Unidos são a maior referência para formar essa cultura de consumo global.”
Não por acaso, embora a marca venha de uma abertura de nove unidades em Portugal, oito na Espanha, duas em Malta, mais dez unidades em fase de implantação, entre elas uma em Dusseldorf, na Alemanha, os olhos estão voltados para a Ásia e Oriente Médio, regiões em que modelos americanos de redes e franquias prosperam. No caso dos países árabes, como nos demais mercados em que a marca se instalou, Frangulis considera que a operação já pode ser considerada robusta. “Eu diria que as operações estão bem em todos os países, exceto na China”, diz ele. A marca abriu uma loja em Xangai, em 2019, cerca de 15 dias antes das fronteiras serem fechadas por causa da pandemia de Covid-19. “Fomos forçados a segurar a expansão. A gente precisa esperar o mundo voltar, mas a gente já está super satisfeito com a performance, porque teremos o retorno muito importante de um público consumidor fiel.”
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