O Brasil realizou seu primeiro embarque de café carbono neutro, cujo processo de produção permite maior sequestro do que emissões de gases de efeito estufa, e novas exportações do produto mais sustentável e valorizado estão a caminho, afirmam à Reuters representantes da cooperativa monteCCer, que liderou a iniciativa.
O embarque de 600 sacas de 30 quilos do produto – uma medida diferente da tradicional saca de 60 kg do grão “commoditizado” – foi feito em outubro junto à Volcafe, braço comercial de café da ED&F Man, uma das maiores tradings mundiais de commodities, para atender clientes no Japão.
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A trading pagou um prêmio equivalente a R$ 100 por saca de 60 kg do café neutro em carbono, valor que é o dobro do diferencial pago por produtos de qualidade e que tem certificados ambientais e sociais, disseram líderes da monteCCer, com sede em Monte Carmelo, no Cerrado Mineiro.
“Trabalhamos para a descomoditização do café”, disse o diretor superintendente da monteCCer, Regis Damasio Salles, explicando que essa não é uma jornada fácil, mas compensa pelo valor adicional recebido e também por preparar o negócio para as gerações futuras de cafeicultores.
A neutralização do carbono é realizada por meio do sequestro de gás carbônico pelas árvores, mas também pela redução de fertilizantes nitrogenados, maior uso de compostos orgânicos, uso de defensivos biológicos, racionalização da irrigação, entre outros processos.
O interesse da indústria torrefadora nesse produto ainda com oferta restrita é grande, pois proporciona uma forte compensação das emissões na ponta.
O café torrado produzido com grãos carbono neutro permite, por exemplo, uma redução de mais de 80% nas emissões de gases de efeito estufa, na comparação com balanço registrado no processo de fabricação com um produto tradicional.
“Temos (outros) cinco negócios engatilhados”, acrescentou Salles, ressaltando que a cooperativa negocia com uma grande rede de cafeteria dos EUA, além de compradores europeus. Ele não revelou nomes.
O diretor da monteCCer comentou que tudo começou em 2018, quando fazendas de cooperados que estavam completando dez anos de certificações por boas práticas decidiram dar um passo além.
Foi então realizado o chamado “inventário da sustentabilidade”, com supervisão do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), no qual foram analisados itens como solo, uso de defensivos e fertilizantes, de recursos hídricos, emissão de gases, a fauna e a flora.
O trabalho apontou que 34 fazendas, no balanço das emissões, mais sequestram do que liberam gases de efeitos estufa, considerando itens que mais emitem, como uso de fertilizante, calcário, combustíveis fósseis (óleo diesel) e trabalhos de poda na lavoura.
Ele ressaltou que a medição, chancelada pela companhia global Preferred by Nature, foi feita apenas dentro da porteira, sem considerar Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal, o que indica que o sequestro de carbono da propriedade pode ser maior.
Os participantes da iniciativa buscam reduzir o uso de fertilizantes nitrogenados, os maiores emissores, usando materiais orgânicos e melhorando a cobertura vegetal das lavouras, entre outras iniciativas.
“Como nas nossas lavouras a maioria da irrigação é por gotejamento, isso evita a volatização do nitrogênio, no gotejo é mínima a volatilização, diferentemente da irrigação por aspersão”, explicou o presidente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado e da cooperativa monteCCer, Francisco Sérgio de Assis.
“Hoje estamos em processo de racionalização de tudo”, completou, dizendo que as iniciativas incluem o uso de defensivos biológicos e economia de água e energia.
POTENCIAL
O setor avalia que o caminho para obter um café carbono neutro foi facilitado entre os integrantes da cooperativa pelas boas práticas já adotadas há muitos anos, e acredita que o potencial do Cerrado Mineiro na oferta desse produto mais sustentável é enorme.
Atualmente, as 34 fazendas com certificação neutra em carbono produzem em média 160 mil sacas de café por ano, um volume ainda pequeno perto das milhões de sacas exportadas todos os meses pelo Brasil.
Mas os integrantes da cooperativa dizem que boa parte do Cerrado Mineiro, que cultiva 230 mil hectares (ou mais de 15% da área brasileira de café arábica), poderia partir para a iniciativa mais sustentável, pois já dispõe de alguma certificação ambiental ou social.
“O Cerrado Mineiro é a região com maior área de café certificado do mundo, a certificação se aproxima de 90 mil hectares”, ressaltou Assis.
“Na nossa federação, somos 55 municípios, temos sete cooperativas, já estamos fazendo um trabalho de intercooperação no sentido de melhora das práticas sociais e ambientais. Esse carbono zero já é uma prática a ser seguida pelas coirmãs.”
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e o Conselho Nacional do Café (CNC), órgão que representa as cooperativas, também estão envolvidos em projetos para expandir a iniciativa a áreas como Sul de Minas e Zona da Mata. (Com Reuters)