No início de outubro, a engenheira elétrica Laurimar Gonçalves Vendrusculo, que completa 58 anos no próximo dia 20 de julho, pediu ao marido que estacionasse o carro no acostamento da rodovia que liga Sinop, em Mato Grosso, a Brasília, uma viagem de 1.300 quilômetros. O motivo da parada foi checar uma notificação na tela de seu celular, e não dava para esperar.
Às margens da BR-070, Laurimar ficou sabendo, oficialmente, por meio da diretoria da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que estava apta à chefia da unidade Agrossilvipastoril, um complexo de pesquisa agropecuária no coração produtivo da Amazônia Legal. “A gente precisa estar sempre preparada”, diz ela. “Pode-se até não ter nada em mente para onde ir, mas é preciso estar preparada”.
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Na tarde de hoje (6), Laurimar tomou posse em uma cerimônia que faz parte da liturgia institucional do cargo – adiada desde o início do ano por causa da pandemia de Covid-19 –, na qual recebeu pesquisadores, produtores rurais, lideranças, além de seus principais convidados: os 64 funcionários da unidade, da equipe de limpeza ao doutor mais graduado de sua equipe de 22 pesquisadores.
Como ocorreu na semana passada, quando toda sua equipe recebeu uma caravana promovida pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), a AgroBR, que levou embaixadores e adidos comerciais de 11 países para conhecer a unidade. “Faz sentido se estivermos sempre todos juntos”, diz ela. “O Mato Grosso é ótimo, digo sempre às pessoas: venham trabalhar em Mato Grosso.”
Mas o uniforme da Embrapa, que inclui bota e chapéu, não fazia parte dos projetos da engenheira. Muito menos se enfiar em Mato Grosso, em um município a 500 quilômetros ao norte de Cuiabá, já dentro do bioma Amazônia. A Embrapa Agrossilvipastoril é um complexo de 612 hectares, dos quais 540 hectares são ocupados por experimentos na área de sistemas integrados, como por exemplo a ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta); consórcio de forrageiras; cultivo de árvores exóticas como a palma, e também as nativas amazônicas; regeneração florestal; agrofloresta, entre outros. Há, também, 26 laboratórios que recebem de estagiários a doutores de outros centros de pesquisa. Foi inaugurada em 2012, após três anos da instituição, em maio de 2009.
Construindo um caminho
A história que levou Laurimar à chefia geral da unidade foi sua aposta contínua em educação, algo que ela diz trazer de berço. “Sou a segunda filha de uma família de oito irmãos, de condições muito simples para pagar um colégio caro”, afirma. “Mas minha mãe foi atrás dos melhores, prometendo que se eu e minha irmã tivéssemos bolsas seríamos as melhores alunas.”
Hoje, sua irmã Marymar, engenheira agrônoma especializada na área de propriedade intelectual, é doutora em genética molecular na Bayer. Trabalha em um dos centros localizados no estado do Missouri, nos Estados Unidos. Foi ela que levou Laurimar para o agro.
Laurimar é mineira, morava em Belo Horizonte e trabalhava como técnica da Universidade Federal de Minas Gerais, na área de computação. “Minha irmã foi trabalhar em Campinas e um dia me ligou dizendo sobre uma bolsa do CNPQ, voltada para agricultura, na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp”, diz ela. O CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico‚ é uma entidade ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para incentivo à pesquisa no país. Laurimar conta que o mestrado era um desejo, mas que sentiu um certo descrédito dos seus avaliadores para o que ela queria: era qualificada demais para ser bolsista por um ano, nas condições propostas.
Mas ela não teve dúvida e embarcou. Um ano depois, aos 27 anos, a bolsista ingressava na unidade da Embrapa Informática, na época, hoje Embrapa Agropecuária Digital, também em Campinas. Por ter experiência na área computacional, o primeiro projeto foi gerar um inédito banco de dados sobre os solos brasileiros.
“Tive oportunidade de trabalhar com grandes especialistas, com ícones da pesquisa científica. Isso é de um privilégio difícil de mensurar”, afirma. Entre esses ícones está o pesquisador Antonio Ramalho Filho, considerado um dos maiores nomes em avaliação das aptidões agrícolas de solos no país, hoje aposentado, mas ainda na ativa quando solicitado para falar sobre solos. “Trabalhar na Embrapa também é ser diferenciado, porque as possibilidades vão surgindo”, diz Laurimar.
A caminho de Sinop
A ida para Sinop veio das tais escolhas que Laurimar diz serem necessárias. Ela conta como chegou ao Mato Grosso, dando um passo atrás. Entre 2010 e 2014 foi para a Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, fazer seu doutorado na área de conservação de solos. “É um investimento muito caro, a Embrapa bancou a bolsa e as despesas do curso”, diz ela. “Era preciso retribuir ao país a oportunidade que recebi. Dinheiro público retirado da sociedade precisa ser retornado”.
Sinop entra no seu caminho por ser casada com um engenheiro agrônomo nascido no município. Aliás, conta que a sogra sempre dizia que um dia ela trabalharia em Mato Grosso, uma decisão que não estava em seus planos. “Devo dizer que paguei com a língua”, brinca Laurimar. O fato é que morar nos EUA despertou nela uma vontade de fazer extensão rural, algo muito forte nas instituições de pesquisa daquele país. “Iwoa é o Mato Grosso dos Estados Unidos”, afirma.
A pedido, foi removida da unidade de Campinas para ser pesquisadora em Sinop, porque na Embrapa um pesquisador é sempre ligado ao centro para o qual passou em concurso. “Foi em Sinop que completei minha formação de estar com o produtor, de enxergar esses universos particulares, porque minha visão era macro, de universo das possibilidades de pesquisa e interação com a comunidade”.
A chefia geral foi o passo seguinte, há cerca de 10 meses, incentivada por seus pares. Ela, com uma visão macro, poderia impulsionar ainda mais os trabalhos da unidade. A maior parte da equipe de pesquisadores estão, desde a inauguração da unidade, debruçados sobre projetos que estão hoje muito maduros e que precisam de visibilidade.
A Embrapa Agrossilvipastoril é a maior área de pesquisa de sistemas integrados do país. “Temos de ter confiança, mostrar os resultados que vão fazer a diferença na produção agropecuária do país, porque ocupar espaços é um processo”, afirma.
O cargo que assume hoje será exercido pelos próximos dois anos, com possibilidade de chegar a seis anos. Questionada durante a entrevista exclusiva concedida à Forbes, se está preparada, ela diz: “estou preparada para dois anos. Tudo que devo fazer está dentro desse prazo”. Mas se questionada de novo, ela completa: “tudo é possível, porque quem diria que uma engenheira elétrica um dia iria trabalhar com gado, soja, árvores, numa jornada em busca de alimentos cada vez mais sustentáveis?”