A indagação sobre o porquê de a carne bovina não estar caindo nos açougues e mercados do país pegou pressão nos últimos dias. E a realidade dos números é exatamente essa que vocês sentem por aí. O preço da carne bovina no varejo não parou de subir desde outubro de 2019, que foi o início da fase alta do ciclo pecuário atual.
Obviamente, é um momento de instabilidade, promoções e quando sobra um pouco mais do produtos as escalas se desequilibram, mas nos últimos 33 meses foram 28 meses de alta e sete de baixa. Ou seja, 79% das vezes o preço da carne bovina no varejo subiu. E o mesmo aconteceu com o boi, especialmente nos últimos meses.
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Entretanto, antes de explicar o que está acontecendo agora nestes últimos meses, nós temos que voltar um pouco mais ainda no passado. Historicamente os três elos da cadeia pecuária andam juntos e tem uma boa relação. Ou seja, o preço do boi gordo, da carcaça casada no atacado e da carne bovina no varejo partem da mesma matéria-prima, do mesmo sistema de produção e tendem a trilhar caminhos parecidos. Parece óbvio, mas historicamente os aumentos de preço são repassados e nem sempre a queda do boi gordo é repassada ao varejo. Em uma minoria de vezes ela é repassada.
Para explicar essa dinâmica e porquê ela acontece, é importante a gente voltar um pouquinho mais no tempo. A partir de maio de 2020, o mercado interno sofreu alterações bruscas em pelo menos três coisas que impactaram:
- Fase de retenção de fêmeas, com menor abate e menor produção de carne. Menos oferta de gado generalizado para além das fêmeas.
- Pandemia, que trouxe queda produtiva e consequentemente perda de poder de compra da população brasileira
- Aceleração da importação chinesa.Esse movimento está bem forte e muito possivelmente vamos bater recorde de exportações agora em agosto.
Com esses fatores, vimos os elos da cadeia se descolarem de maneira nunca vista. Ou seja, enquanto o boi gordo e a carcaça casada no atacado subiram de maneira bem pujante, sustentados pela oferta escassa e um complemento desse movimento da demanda chinesa, que veio forte, os varejistas tinham dificuldade em passar esse aumento na mesma velocidade e na mesma proporção para o varejo. Afinal, a população brasileira viu o seu rendimento médio cair e reduziu ainda mais o consumo de carne bovina. Para se ter uma ideia da forma e da evolução dos preços, desde janeiro de 2019 a agosto de 2021, os preços do boi gordo variaram 107%, a carcaça casada 89% e o varejo 73%. O varejo ficou para trás e foi perdendo margem nesse movimento. E agora os varejistas evitam abaixar o preço da carne para recompor as margens desse produto, que foram espremidas durante esses 24 meses, pelo menos.
Além disso, qualquer movimento de alta para o boi impacta o risco operacional novamente, se eles voltarem e darem um passo para trás. Ou seja, ainda que estejamos vendo uma desvalorização do boi gordo e da carcaça no atacado neste momento, a carne bovina no varejo ainda não normalizou as altas nos últimos dois anos. Dessa forma, a tendência natural é que eles caminhem mais próximos a partir de agora e esse ajuste está acontecendo justamente durante o ano de 2022.
A recuperação econômica traduzida pelo PIB (produto interno bruto), desemprego, inflação e recuperação sugere que a firmeza das cotações da carne no varejo para recompor a margem perdida no passado deve acontecer. Diante disso, a gente acredita que o processo natural para os preços da carne bovina no varejo ainda será de sustentação, mas com promoções se tornando mais frequentes à medida que o custo da matéria-prima, que é o boi gordo e a carcaça casada, cai. E isso deve continuar acontecendo, porque agora viramos o ciclo pecuário e estamos em fase de baixa, em que há uma abundância maior de oferta, uma disponibilidade maior da oferta de gado internamente e isso deve abastecer as gôndolas.
Agora, a gente deve reduzir essa incidência de altas, o mercado ainda deve ficar estável, mas manter mais estabilidade do que altas. Mantendo os preços e recuperando a margem enquanto o boi deve cair, principalmente em preços reais.
Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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