A aplicação de uma taxa de câmbio preferencial para vendas externas de soja na Argentina, anunciada nesta semana, reduziu a competitividade do grão brasileiro e já pressiona os prêmios de exportação do produto do Brasil.
Mas analistas ouvidos pela Reuters avaliam que esses efeitos não devem se estender por muito tempo, considerando que o chamado câmbio “dólar soja” está previsto para vigorar em setembro, como forma de o país vizinho impulsionar a geração de divisas visando lidar com a crise econômica.
A Argentina é o maior exportador de óleo e farelo de soja no mundo, e o terceiro principal fornecedor global de soja em grão –mercado liderado pelo Brasil.
Até a semana passada os agricultores limitavam vendas de mercadorias como soja devido à incerteza econômica no país e especulações sobre o valor da moeda local, mas com o anúncio câmbio preferencial os negócios com a oleaginosa argentina aumentaram quase cinco vezes.
Para a analista da consultoria AgRural Daniele Siqueira, o primeiro impacto sobre o mercado, já sentido neste início, foi a pressão negativa sobre as cotações na bolsa de Chicago e sobre os prêmios de exportação no Brasil, tanto na soja em grãos como nos subprodutos da oleaginosa.
“O nosso preço FOB aqui no Brasil recuou de 621 dólares para 609 dólares por tonelada”, disse a especialista sobre o valor de embarque da soja.
Ela afirmou que ainda não foi identificada uma redução, de fato, no fechamento de negócios de exportação no mercado brasileiro, porém, a semana com feriados nos Estados Unidos e Brasil nas últimas segunda (5) e quarta-feira (7), respectivamente, dificulta a análise. “Teremos uma ideia melhor na semana que vem”, disse.
“Mas, sim, a expectativa é de que a Argentina tome um pouco de mercado do Brasil com o aumento da comercialização por lá, estimulada pelo câmbio especial”, estimou a analista.
Necessitado de divisas, o governo argentino anunciou que os produtores e exportadores de soja poderão, até o final de setembro, exportar a tonelada do grão usando uma taxa de câmbio de 200 pesos por dólar americano, contra 141 pesos antes da medida, o que gerou uma disparada nas vendas.
Limite
O sócio-diretor da consultoria Cogo, Carlos Cogo, concordou que esse estímulo do governo argentino pode levar os produtores do país a desovarem estoques que estavam retidos e elevar a oferta atual disponível no mercado global de soja.
No entanto, ele destacou que a Argentina vem de uma quebra de safra e não conta com excedentes tão elevados, que possam manter o mercado pressionado por muito tempo.
De acordo com os últimos dados oficiais, até 31 de agosto, antes do anúncio do novo câmbio, os produtores argentinos haviam vendido 52,3% das 44 milhões de toneladas de soja 2021/22, ante 62,8% registrados na mesma data do ano passado, quando a produção havia sido de 46 milhões de toneladas.
Segundo Cogo, estes pouco mais de 50% da colheita disponíveis para negociação são para vendas tanto internamente (para produção de farelo/óleo) quanto para as exportações do grão.
Este patamar limita a pressão dos embarques argentinos sobre os preços globais da oleaginosa e do Brasil.
“Talvez somente para o curto e médio prazo, bem antes do final do ano”, afirmou ele em relação ao período que pode durar o impacto da Argentina sobre os preços externos da soja.
“No curtíssimo prazo, piora para nós”, acrescentou o analista da Céleres Enilson Nogueira.
“(Mas) vejo que a perda de competitividade brasileira é limitada porque não se sabe até quando essa medida fica em vigor –se for somente setembro, impacto é momentâneo”, comentou.
Ele ainda lembrou que o Brasil já está caminhando para o fim da janela de exportação da safra de soja, o que também minimiza o efeito negativo com a maior concorrência argentina.
As exportações brasileiras de janeiro a setembro são projetadas em 71,1 milhões de toneladas, sendo 3,9 milhões neste mês, segundo dados de embarques da associação de exportadores Anec. Esse volume está próximo da estimativa de embarques totais do Brasil no ano completo de 2022, de 77,2 milhões de toneladas, segundo previsão da estatal Conab atualizada na véspera.
Questionada se a indústria da soja via com alguma preocupação a medida da Argentina, a associação brasileira do setor Abiove disse que está avaliando este movimento e ainda não tem como responder.
Já o diretor geral da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), Sérgio Mendes, disse à Reuters em nota que Brasil e Argentina, “juntos, atendem de forma equilibrada a demanda mundial de soja e derivados”, evitando fazer comentários específicos.