O Brasil exporta aproximadamente 30% de toda sua produção de carne bovina. É o segundo maior produtor e o primeiro maior exportador do mundo, portanto é um grande agente de combate à fome em nível global. Entre 2020 e 2022, os preços do boi subiram 62%, o atacado 40% e o varejo 54%. E aqui cabe um parênteses importantíssimo, no mesmo período, os custos de produção subiram impressionantes 95%. E aí, sempre que o preço de um produto importante para a cesta básica sobe muito, é comum algum político populista cair no discurso da regulação de mercado. Afinal, se o produto subisse, bastaria suspender ou limitar as exportações para que uma parte da demanda fosse aplacada e assim os preços domésticos cairiam, tornando- se mais acessíveis à população. Mas será que isso funciona na prática?
A história nos diz que não e vou explicar. Para isso, é importante partirmos do ponto de vista que a carne bovina é uma commodity. Isso significa que é um produto amplamente produzido, facilmente intercambiável e com baixo valor agregado, cujos preços do valor da cadeia impactam diretamente o equilíbrio entre oferta e demanda. Dito isto, conseguimos tirar aqui a nossa primeira conclusão: para que os preços caíssem de maneira espontânea, é preciso sempre aumentar a oferta de determinado produto, considerando ainda uma demanda estável ou até mesmo em alta. Portanto, para que os preços da carne bovina baixem, é necessário que a produção brasileira aumente. E isso demora, por causa do próprio ciclo biológico do bovino.
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Seguindo o raciocínio, para que a produção de carne aumente, é preciso que a atividade pecuária seja rentável. Se ela for interessante, sob o ponto de vista da rentabilidade, mais pessoas estarão interessadas em produzir, elevando a oferta. Por outro lado, se os preços caírem e a atividade dar prejuízo ou muito pouco lucro, os produtores deixarão a pecuária para se dedicar a outras coisas.
Já falamos na coluna sobre uma característica do comportamento dos preços da cadeia pecuária. Eles se movimentam ciclicamente através de um processo de retroalimentação estimulada pelos preços. A gente chama isso de ciclo pecuário, ou seja, quando os preços sobem, os pecuaristas investem na propriedade e retém fêmeas nas propriedades para a reprodução. Após dois ou três anos de estímulo positivo e generalizado, repetindo esse processo, há mais bezerros e a produção de carne aumenta, causando efeito oposto: desânimo generalizado, queda de investimentos e desinteresse nas fêmeas, que são abatidas e deixam de servir de ventre para produção de bezerros que depois se tornam animais terminados e carne. Com a crise, a produção cai e os preços voltam a subir, dando início a um novo ciclo. Esse processo existe e é observado em qualquer série histórica de preços do boi que você pegar para analisar.
Outro ponto importante sobre isso é que a pecuária é uma atividade plurianual, ou seja, o boi não nasce e já é abatido no mesmo ano. Em média, o animal demora 3,3 anos para completar o seu ciclo, o que significa que os efeitos do ciclo pecuário são lentos e demoram a ser sentidos, mas são determinantes e potenciais sobre os preços da carne na cadeia, inclusive no varejo. Por isso, caso houvesse uma limitação ou um bloqueio às exportações, em um primeiro momento os preços do boi gordo parariam de subir ou até mesmo caíriam, mas como as exportações fazem parte da composição do preço do boi e da sua remuneração ao produtor, esse efeito negativo sobre as margens seria sucedido por uma queda de investimentos e, consequentemente, uma redução da produção. E aí é legal a gente lembrar que quando a oferta cai, os preços sobem. E dada a demora da produção pecuária, naqueles 3,3 anos que eu comentei, a alta de preços ao varejo duraria mais e seria ainda mais aguda. Por isso, a regulação da produção, historicamente, produz a alta de preços no longo prazo e não o contrário.
Entre 2019 e 2021, a pecuária brasileira estava em fase de alta de ciclo, ou seja, tinha menos carne para oferecer devido a redução do rebanho disponível para abate naquele momento. E, de fato, os preços subiram. Ao mesmo tempo, a Ásia se viu às portas de uma crise produtiva de proteína animal com a chegada da PSA (peste suína africana), que dizimou o rebanho suíno naquele continente e levou a um aumento de demanda para outras proteínas que pudessem substituir a carne suína. A carne bovina era uma delas,e também a de mais lenta resposta dada a dinâmica biológica dos bovinos, que demoram mais a ser abatidos do que peixes, frangos e suínos, por exemplo.
A alta de preços observada entre esse período já está derrubando os preços do boi gordo no Brasil. Só em 2022 já foram 12% de queda dos preços. Porém ainda há uma pedra no sapato do consumidor que deseja comer mais carne. Lembram-se de que o boi subiu 62% e o varejo 54%? O varejo não conseguiu repassar toda a alta do consumidor e, por isso, agora evita passar a baixa para recompor as suas margens que ficaram para trás ao longo do tempo. De toda forma, a pressão altista sobre a carne bovina no varejo já está se dissipando diante dos preços pecuários em queda, e o ajuste produtivo está sendo feito e regulado pelo próprio mercado. Por isso, reduzir preços na canetada ou através da proibição da comercialização é um desestímulo direto à produção, por isso nunca foi um caminho para ampliar o consumo. Nunca em qualquer momento da história e em nenhum lugar do mundo. O efeito invariavelmente é o inverso do que se propaga, os produtores são desestimulados a produzir, liquidam os seus rebanhos e o preço sobe irremediavelmente pela falta do produto.
Como exemplo clássico desse processo, podemos citar a Argentina, que limitou as exportações e levou os produtores a liquidarem os seus rebanhos pela queda do retorno da atividade. Em seguida, a população viu os preços internos da carne explodir, a inflação pegou e o governo então ampliou a limitação do volume exportado, o que fez o processo se repetir. Ao longo dos anos, esse processo fez o consumo per capita do país, que era o mais alto do mundo, cair de 68 quilos a 41 quilos por habitante ao ano. Que fique a lição para que não condenemos um setor que emprega muito e gera muitos impostos ao país a um longo inverno como dos nossos hermanos.
Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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