Ao contrário do que o produtor de boi esperava, os preços pecuários não subiram no segundo semestre de 2022. Mas para a gente entender porque que ele esperava isso e porque hoje se sente frustrado, é interessante entendermos também como funciona a sazonalidade do mercado pecuário, que inclusive ajuda a pautar os preços da carne no atacado e varejo.
No Brasil, nós temos um regime de chuvas que favorece ou desfavorece o crescimento das pastagens. Elas chegam no Brasil Central a partir de outubro, ganham força entre novembro e dezembro e já são capazes de produzir pastagem com bastante material a partir de fevereiro ou março. Portanto, a gente pode dizer que a maior abundância de capim acontece no primeiro semestre dos anos. Maior abundância de capim significa facilidade para engordar o boi, principalmente a pasto.
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Nesse período nós temos uma quantidade maior de animais aptos a serem abatidos para a produção de carne do que no segundo semestres. Afinal de contas, a partir de maio, junho, e principalmente julho e agosto, nós temos o período seco e aí não tem chuvas. E com a falta delas, queda das temperaturas e também queda no número de horas que são ensolaradas ao longo do dia nós temos uma produção de capim muito menor. Justamente no segundo semestre que a gente vê mais incêndios florestais e acidentes nesse sentido.
Dito isso, já deu para entender que no segundo semestre é mais difícil produzir boi a pasto e no primeiro semestre é mais fácil produzir boi a pasto. Como muitos produtores no Brasil não têm condições estruturais e financeiras para colocar esses animais nos confinamentos, que são aqueles lugares onde se suplementa de maneira intensiva um animal para que ele engorde a base de milho ou silagem, a gente entende que uma menor porção dos produtores conseguem entregar bois no segundo semestre. Portanto, isso reflete de maneira negativa sobre a oferta de animais terminados e aptos ao abate. Também reflete sobre a oferta de carne no varejo.
Basicamente, pensando em sazonalidade média, nós temos um primeiro semestre com mais abundância de gado, carne e preços menos pressionados para cima. Já o segundo semestre é marcado por menos oferta, menos animais terminados e uma pressão de valores de preços para a carne para cima.
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O que fez de 2022 um ano diferente? Essa é a grande pergunta que a gente se faz. Nós tivemos uma absorção maior de carne pelo mercado doméstico, afinal de contas nos últimos meses vimos um cenário macroeconômico deflacionário, uma recuperação no nível de emprego no Brasil, distribuição de auxílio emergencial e também vimos a campanha eleitoral, que querendo ou não acaba distribuindo dinheiro e traz um aumento de disponibilidade monetária na economia. Tudo isso acabou reforçando o consumo de carne bovina no Brasil. O que atrapalhou, em primeiro lugar, é que nós vivemos a fase de alta de ciclo pecuário entre 2020 e 2021, que sistematicamente, de maneira global, é a falta de gado disponível para o abate. Isso é cíclico e acontece de tempos em tempos. O contrário, por exemplo, aconteceu entre 2016 e 2017, que foram anos muito ruins para a pecuária.
Se você não conhece muito da pecuária, não é grande e profundo conhecedor, você deve lembrar que em 2017 tivemos a operação “Carne Fraca” e o “Joesley Day” que acabaram levando as cotações para baixo. Isso desanima o produtor, o que faz com que ele pare de investir na atividade. Com isso, ele acaba destinando as vacas que deveriam servir como ventres livres para o abate, ele não tem interesse em manter aquela produção. Com esse abate, a consequência é que existem menos fêmeas disponíveis para a produção de bezerros. Esses animais deixarão de ser produzidos e nós sentiremos lá na frente os efeitos disso na falta de animais terminados e disponíveis para serem abatidos e processados.
Foi justamente isso que caiu entre 2020 e 2021. É claro que veio a China também para ser a grande cereja do bolo, mas o grande motivo da pressão positiva de preços foi a crise entre 2016 e 2017, que desanimou o produtor. Demorou alguns anos para acontecer, mas isso é cíclico e acontece desde que o Brasil se tornou grande produtor de gado.
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Há uma série histórica bem antiga de preços que é do IEA (Instituto de Economia Agrícola) e mostra preços do boi gordo desde 1954. Se vocês deflacionarem essa série e corrigirem ela pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) ou qualquer indicador que tenha correlação com a atividade pecuária e a produção, vocês que esses preços sempre se comportam em ciclos e a fase alta deste ciclo caiu justamente entre 2020 e 2021.
Dito isso, o preço do boi subiu de uma maneira muito vertiginosa e agressiva, o varejo não conseguiu repassar essa alta de preços para o consumidor na mesma medida em que o boi gordo subiu — isso não quer dizer que o preço ao varejo não tenha subido, ele subiu bastante, mas ele ainda não subiu tanto quanto o boi gordo. Agora nós estamos vivendo justamente o oposto.
Vamos voltar para 2020/21 e tratar esse biênio como se fosse o passado. Como esses dois anos foram anos de alta muito forte de preços, os investimentos e o interesse na fêmea como ventre disponível para produção de bezerros cresce. O pecuarista então fez o processo contrário, ele começou a reter fêmeas no rebanho e a gente pode observar isso muito claramente através dos números de abate que são disponibilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). A gente vê que houve uma retenção de fêmeas no rebanho e que essa retenção foi recorde histórico. É exatamente por isso que agora nós estamos vendo o preço do bezerro cair, principalmente em termos reais. Ou seja, nós estamos produzindo mais bezerros e estamos produzindo mais animais terminados.
Tanto é que nós exportamos mais em 2022, nós produzimos mais carne e isso fez com que mais carne estivesse disponível no mercado doméstico brasileiro. Então mesmo com uma absorção de carne maior por parte do brasileiro, principalmente em decorrência dos indicadores macroeconômicos e considerando as exportações mais aceleradas, nós tivemos uma oferta de carne maior. Também é claro que a falta de repasse da queda do boi gordo ao consumidor final no varejo acabou influenciando e ainda dificultando que o consumo fosse maior.
O varejo, para recompor aquelas margens que ele perdeu lá em 2020 e 2021, não repassou a baixa do boi gordo e nem a baixa da carcaça casada no atacado. Isso deixa o consumo doméstico, ainda que um pouco maior, aquém do que ele poderia ter reagido perante essas melhoras macroeconômicas que nós estamos visualizando nos dados disponibilizados e que tem correlação com o consumo de carne bovina.
É exatamente por esse motivo que a sazonalidade esse ano não foi respeitada. Nós tivemos exportações mais fortes sim, mas quando pegamos o abate de animais no Brasil, transforma isso em produção de carne e subtrai dessa conta as exportações, o que sobra no mercado doméstico é maior do que no ano passado e no ano retrasado. Ou seja, nós temos uma disponibilidade maior de carne no mercado doméstico que não deixa o preço do boi gordo subir.
Isso é típico comportamento de fase de baixa de ciclo pecuária. Por sinal, um dado curioso, é o primeiro ano eleitoral da história em que o preço do boi não sobe no segundo semestre. Exatamente pelo aumento de oferta e da maior retenção de fêmeas no rebanho bovino brasileiro, desde que se tem notícias.
Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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