Com a chegada do fim do ano de 2022, o setor do agronegócio se movimenta para definir algumas de suas safras mais importantes. Entre outubro e janeiro, diferentes estados realizam o plantio de milho primeira safra e da soja. Além disso, também é o período que marca a colheita do trigo. Essa janela de três meses é importante para análises de perspectivas para os grãos na virada para 2023.
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Para entender esse fim de ano e conhecer possíveis movimentos realizados por produtores e o mercado, a Forbes conversou com César de Castro Alves, consultor de agronegócio do banco de investimentos Itaú BBA e mestre em economia aplicada pela Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”) da USP (Universidade de São Paulo). A instituição financeira atende produtores rurais com faturamento a partir de R$ 6 milhões e projetou no começo deste ano alta na carteira de empréstimos agrícolas para R$ 72 bilhões até o final de 2022, ante R$ 60 bilhões no ano anterior.
Confira as seis principais tendências, segundo o especialista:
Avanço da safra positivo
A segunda estimativa para a safra de grãos em 2022/23, publicada pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) no último dia 9, indica um volume de produção de 313 milhões de toneladas, aumento de 15,5% se comparado com o resultado obtido no último ciclo, o que representa quase 42 milhões de toneladas a mais. O crescimento é resultado da elevação na área plantada da soja e do avanço da agricultura em áreas de pastagens degradadas. “A gente está observando com bons olhos o avanço da safra. Neste momento decisivo das plantações, o Centro-Oeste está indo relativamente bem e a gente acredita que não tem nenhuma luz acendendo”, afirma Alves.
Em relação ao que pode ocorrer com o clima, o executivo faz um alerta. “Vale lembrar que no ano passado estava tudo bonito nessa época, mas começou a dar problema no final de novembro e em dezembro começou a ficar mais claro, então ainda temos que acompanhar. Se tudo correr bem, a gente vai ter uma boa safra de soja, 154 milhões de toneladas é bastante coisa. A gente tem uma bela recuperação do ano passado, principalmente se a colheita da soja vier acompanhada de um plantio bom dessa safrinha”, diz.
Mais do La Niña, que pode mudar cenário
Desde 2019, o fenômeno natural La Niña, resultado do resfriamento anômalo das águas do Pacífico, tem causado chuvas irregulares e oscilações de temperatura nas regiões Norte, Nordeste e Sul do Brasil. A expectativa é que o fenômeno ocorra até o verão de 2023, segundo levantamento de agosto do sistema composto por FAEP (Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) e Senar (PR) (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Paraná).
“Pelo terceiro ano consecutivo, o plantio de soja está acontecendo junto de La Niña e isso traz alguma preocupação. Os mapas de previsão de chuvas não são muito tranquilos e estão indicando chuvas abaixo da média para o Rio Grande do Sul, Paraguai e áreas mais sensíveis do Sul. Mas isso não necessariamente quer dizer que a safra vai quebrar. Temos que ficar de olho no quão abaixo da média essas chuvas realmente serão’, diz Alves.
Chuvas em MT definirão safrinha e acomodação de preços
Um levantamento do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) para o mês de novembro indica que no MATOPIBA (região que abrange os estados do MA, TO, PI e BA) haverá chuvas acima da média, superiores a 200 milímetros.
“Existem alguns problemas pontuais, com um pouco de atraso de plantio, em algumas áreas de Mato Grosso, mas nada que gere muita preocupação”, diz Alves. “Normalmente, o desafio é a colheita da soja na chuva. Às vezes, você tem um bom desenvolvimento da cultura até a soja ficar pronta para ir para o caminhão, mas aí o atraso da colheita, com muita chuva, acaba atrasando o plantio da safrinha e as coisas apertam um pouco a janela. Não tem nada disso no radar, por enquanto, e a gente acha que é possível ter uma boa primeira safra de soja e milho. Se isso acontecer, é possível que haja espaço para alguma acomodação dos preços de grãos.”
Comercialização atrasada
Em novembro, a consultoria Safras & Mercado divulgou que a comercialização antecipada da safra de soja chegou a 20,6% da produção prevista, menos que os 30,6% observados em igual período do ano passado e abaixo da média dos últimos cinco anos (34,2%). Esse atraso atípico, causado pela espera de produtores por preços melhores, pode acarretar em uma série de dificuldades no próximo ano.
“O que nos preocupa é que estamos vendo uma comercialização, tanto de milho quanto de soja, muito atrasada nesse ano. Os preços caíram um pouco e os produtores estão, de certa forma, capitalizados e comercializam pouco”, analisa Alves. “Então, inevitavelmente, no começo desse próximo ano, talvez, os produtores rurais mais capitalizados possam colher a soja e não entregá-la imediatamente. É de se esperar uma certa concentração de vendas e isso normalmente vai acompanhado de uma pressão grande. Com muita gente querendo vender ao mesmo tempo, pode aparecer alguma dificuldade logística ou também de preço.”
Apreciação cambial pode atrapalhar
Outro fator importante para o produtor ficar de olho no começo do próximo ano é uma possível apreciação cambial. Neste fenômeno econômico, o governo valoriza a moeda ao preço das estrangeiras, fazendo com que precisem pagar mais pelo real, acarretando em uma possível desvalorização do dólar em comparação à moeda brasileira. Historicamente, a elevação do dólar tende a favorecer o agronegócio, aumentando a receita das exportações convertidas em reais.
Para Alves, essa é uma variável importante que no próximo período pode colaborar para preços mais baixos para as commodities. “Por enquanto a gente está vivendo uma baita incerteza, mas certamente a partir da virada do ano as coisas tendem a estar um pouco mais claras. Acho que o mercado vai reagir bem se o Brasil não der nenhum cavalinho de pau na frente macro. Tememos um pouco essa venda muito concentrada de grãos com alguma possibilidade de câmbio mais apreciado.”
Compressão de margens de produção
Para o setor de grãos, já se torna mais claro que 2022 foi um ano de compressão das margens de lucro. Devido à guerra na Ucrânia e a alta no preço de fertilizantes, que chegou ao preço médio de US$ 0,79 (R$ 4,25) por quilo em junho, muitos produtores investiram mais do que o esperado em adubos. Em agosto, por exemplo, o valor negociado chegou a US$ 0,72 (R$ 3,88) por quilo, que, apesar de mais baixo do que o registrado em junho, significa um aumento de 96,6% acima da média observada em agosto de 2021.
“Vai haver uma compressão das margens de produção do milho e soja. Isso vale para os grãos em geral, mas é um pouco pior para o algodão”, explica Alves. “Por conta deste custo alto, principalmente para a soja e para a safra de verão, a margem deve ficar mais próxima de 45% e 50%, longe desses fortes números de 60% em margem Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização).”