Considerada anteriormente como coisa de ficção científica, a carne cultivada em laboratório pode se tornar realidade em alguns restaurantes dos Estados Unidos já neste ano.
Executivos de empresas do setor se mostram otimistas de que a carne desenvolvida em grandes tanques de aço poderá estar no menu de restaurantes nos próximos meses, após uma companhia conseguir um importante aval regulatório para seguir adiante.
Em uma mostra da confiança destas empresas, algumas delas contrataram grandes chefs como o argentino Francis Mallmann e o espanhol José Andrés para eventualmente disponibilizarem o produto no menu de suas casas.
Mas para chegar ao destino final – as redes de supermercados – a carne de laboratório enfrenta grandes obstáculos, disseram cinco executivos do setor à Reuters.
As empresas precisam atrair mais financiamento para aumentarem a produção, o que tornará os produtos a preços mais acessíveis. Além disso, elas precisam superar a relutância entre consumidores de sequer provar carne cultivada em laboratório.
Esse produto deriva de um conjunto de células de animais que é abastecido com nutrientes e desenvolvido em grandes tanques de aço chamados de biorreatores. A partir daí, ele é processado em algo que se parece e tem gosto semelhante a bifes, por exemplo.
Apenas Cingapura até agora aprovou o produto para venda no varejo. Os EUA devem ser os próximos. A agência reguladora de alimentos e medicamentos FDA afirmou em novembro que um produto de carne cultivada – um peito de frango criado pela Upside Foods, da Califórnia – era seguro para consumo humano.
A Upside agora espera levar o produto para restaurantes este ano e para mercados até 2028, disseram seus executivos. A companhia ainda precisa ser inspecionada pelo USDA FSIS (departamento sanitário dos EUA), que não comentou o assunto.
Abatedouro
Na instalação da Upside em Emeryville, na Califórnia, técnicos com jalecos de laboratório monitoram telas e grandes tanques de água misturada com nutrientes.
A carne é colhida e processada em uma sala que o presidente-executivo, Uma Valeti, chama de “abatedouro”. Lá ela é testada e inspecionada.
A Reuters provou o produto. Tem gosto de carne de frango tradicional quando preparada para a mesa, mas é mais fina e tem um tom de cor mais uniforme quando está crua.
A Upside levou quatro anos antes de receber licença da FDA em novembro, disse Valeti. “É um momento divisor de águas para a indústria”, disse ele.
A também californiana Good Meat pediu licença à FDA para sua carne cultivada. Duas outras companhias, a holandesa Mosa Meat e a israelense Believer Meats, afirmaram que estão em discussões com a agência, disseram executivos à Reuters. A FDA não comentou o assunto, mas afirmou que está discutindo a tecnologia com múltiplas empresas.
O maior desafio à nascente indústria é a oferta de suprimentos para o mix de nutrientes usado na alimentação das células da carne cultivada e para os enormes biorreatores necessários para a produção de grandes volumes do produto, disseram os executivos.
Por ora, a produção é limitada. A instalação da Upside tem capacidade para cerca de 200 toneladas de carne cultivada por ano, uma pequena fração do mercado de carne tradicional, que movimentou 48 bilhões de toneladas apenas nos EUA em 2021, segundo o Instituto Norte-Americano da Carne.
O setor de carne cultivada até agora levantou quase 2 bilhões de dólares em investimentos globalmente, segundo dados do GFI (Good Food Institute), um grupo de pesquisa focado em alternativas à carne convencional.
Mas é preciso centenas de milhões de dólares para a GoodMeat, por exemplo, instalar biorreatores do tamanho que precisa para produzir carne em escala, disse o co-fundador da Good MeatJosh Tetrick.
Os investimentos na indústria têm sido liderados até agora por empresas de capital de risco e grandes empresas de alimentos como a brasileira JBS e as norte-americanas Tyson Foods e Archer-Daniels-Midland.
A carne cultivada reduz o impacto ambiental da pecuária, que é responsável por 14,5% dos gases causadores do efeito estufa, segundo a Organização das Nações Unidas.
A Upside planeja ter seus produtos em mercados nos próximos três a cinco anos, disse Valeti, presidente da empresa.
O restaurateur Andrés, conhecido por seu trabalho em segurança alimentar, afirmou que quer vender carne cultivada por seus benefícios ambientais.
“Podemos ver o que está acontecendo ao nosso redor, em cada país do mundo. Nosso planeta está em crise”, afirmou.