Para começar o nosso ano, nada melhor do que falar de perspectivas para a pecuária e também para o preço da carne ao consumidor. Então, vamos partir da economia. Se a gente pegar o Boletim Focus ele tem revisado as projeções, tanto de inflação quanto de taxa de juros, inclusive os juros futuros têm estado mais pressionados para cima. Isso acarreta dois pontos negativos para o produtor. O primeiro é que inflação pressionada acaba desestimulando o consumo de carne bovina. Por quê? Porque mesmo a carne não subindo, com tudo mais pressionado, acaba sobrando menos espaço dentro do orçamento familiar e é muito fácil substituir a carne bovina por carne de frango, ovos, carne suína e etc.
O segundo ponto é própria taxa de juros, que já impacta, porque as projeções futuras já entram nos financiamentos atuais que devem sair no próximo Plano Safra. E juros mais altos acarretam taxas mais altas, tanto para giro quanto para investimento. Então é importante a gente observar esse ponto. Pode ter algum subsídio apresentado no Plano Safra? Talvez, mas pode ser para só um tipo de segmento de produtores. E mesmo assim, no orçamento que foi apresentado até agora parece não haver espaço fiscal para que se ofereça subsídios para financiamento agropecuário. Então vamos aguardar, mas até o momento parece que isso não vai acontecer, não há espaço fiscal para isso. Não está contemplado no orçamento do governo ter algum espaço para subsídio, para as taxas de juros agropecuários.
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Dito isso, vamos entender estas tendências para o ano. Em primeiro lugar, a China, que tem sido muito falada. Apesar das exportações brasileiras levarem apenas, entre aspas – é bastante, mas a impressão que fica às vezes é de que é muito mais – as exportações brasileiras levam aproximadamente 25% a 30% da produção. Sendo que a China, dentro desse desses 30%, leva mais ou menos metade, às vezes um pouco mais. Houve mês no ano passado que a China levou quase 20% da produção brasileira. Ou seja, os 10% restantes eram de todo o resto. Por isso é importante a gente entender para onde vai a China.
Apesar de a China estar saindo da sua política de Covid zero, de estar liberando uma retomada da circulação de pessoas e isso deve reforçar uma atividade econômica, a China, mesmo com a política de Covid zero, importou muito no ano passado. O crescimento da China chamou muito a atenção, foi muito exuberante. Isso traz pra gente que, mesmo com a política de Covid zero, a China já cresceu muito em consumo de carne no ano passado, em importação de carne no Brasil. Neste ano, não espera grandes impactos porque já cresceu muito.
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Então, (o mercado) deve se manter acelerado, mas com dificuldade de ter uma taxa de crescimento muito acima da média. A gente espera que a China desempenhe bem, mas talvez até um pouquinho pior do ano passado, mas não muito. Não estou falando de pior (como queda), mas no sentido de manutenção num patamar, de dificuldade de crescer muito mais do que já cresceu até agora. Porque, de fato, foi exuberante e um desempenho muito bom. Esse é um ponto importante a se tratar a respeito da China. Já tem bastante espaço liberado para esse mercado e fica difícil liberar ainda mais daqui para frente, mesmo com a retomada do comércio porque a China não brecou o seu consumo de carne bovina. Isso, para vocês entenderem o que aconteceu no mercado, no ano passado.
Sobre o mercado doméstico brasileiro, acabamos de falar. A gente vai ter um pouquinho de dificuldade pela pressão inflacionária, que se mostra pelo Boletim Focus, do Banco Central. Isso traz um pouquinho de preocupação e acho que um terceiro ponto importante da gente falar é sobre a oferta. Já falei em outro espaço desta coluna, que nós estamos passando pela fase de baixa do ciclo pecuário, mas vou fazer uma breve recapitulação.
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O que é o ciclo pecuário? É uma retroalimentação direcionada pelos preços do boi gordo que estimula ou desestimula o produtor a produzir. E a gente tem de lembrar que boi não é igual a grãos, que todo ano tem safra. Boi demora para ser produzido. A gente tem um boi que é abatido no Brasil, em média, com 34 a 36 meses de idade. Então, o processo de aumento produtivo, se ele está acontecendo hoje, ele vai ser sentido daqui dois três anos. Vai demorar um pouquinho para a gente sentir os efeitos disso.
Então, vou fazer uma breve recapitulação para vocês entenderem o que eu quero dizer. Em anos de baixa, de preços em baixa em que a margem do produtor está pressionada, está dificultada, ele se sente desestimulado a produzir. E ele faz o quê? Ele sente menos necessidade de manter as fêmeas na propriedade – o preço do bezerro não tá valendo muita coisa. Então, ele usa o abate de fêmeas, que majoritariamente servem à reprodução, como tentativa de manter o seu caixa, porque o bovino tem uma liquidez muito interessante frente a outros ativos e outras commodities. Então, pegue o que aconteceu (nos anos) 2016, 2017, 2018. (Os anos) de 2017 e 2018 foram emblemáticos.
Vocês devem se lembrar que em 2017 a gente viu aí a Operação Carne Fraca, o “Joesley day”, que foram eventos que levaram a arroba do boi para baixo e ainda era uma fase de baixa. Então, o preço do boi, naquele ano, caiu mais ou menos 25%. E o produtor tinha comprado o bezerro caro, em 2015. Aquilo trouxe um efeito deletério para as margens e ele se sentiu desestimulado, precisava fazer caixa, “e fui vendendo tudo, vou vender tudo, inclusive minhas fêmeas”. Quando se vende essas fêmeas para os frigoríficos, o que acontece é que diminui a disponibilidade de ventres livres para produção de bezerros. Então, basicamente, na sequência – e essa sequência demora mais ou menos uns três anos para acontecer – a gente vai visualizar a falta desses bezerros e a falta dos animais terminados que seriam formados por esses bezerros. Justamente o que foi 2020 e 2021.
Então em 2020 2021, a gente sentiu falta daqueles animais que deveriam ter vindo das fêmeas abatidas em 2017 durante a crise. Só que em 2020 e 2021, como os preços estavam subindo, exuberantes e chamando muita atenção em manchete de jornal falando do preço da carne etc, a gente visualizou o pecuarista retendo essas fêmeas, voltando a se interessar por essas fêmeas. E agora eles aumentaram, a classe produtora aumentou a capacidade produtiva.
E o que está acontecendo agora? O preço do boi gordo está justamente caindo, variando abaixo da inflação; está difícil pagar as contas novamente e nós estamos vivenciando um ano de fase de baixa. Então, em 2022, o que nós visualizamos foi um ano assim de baixa, pressionado, em que o bezerro sofreu muito. A gente viu o valor nominal do bezerro cair, ficar bem largado como a gente diz no jargão do mercado. Esse bezerro, ele tem que virar alguma coisa, né? Ele não é abatido, esse bezerro é passado para frente e agora ele começa a aparecer como animal terminado.
Ou seja, tem oferta para aparecer em 2023, o que deve manter o preço do boi gordo pressionado, grande risco de preços que deve pairar sobre a cabeça do produtor ao longo do ano e a carne bovina no varejo deve se manter controlada. Ela não vai apresentar risco inflacionário. O risco de inflação não vai advir da questão da carne, como aconteceu no ano retrasado, em 2020. Então, nós não vamos visualizar uma pressão inflacionária advinda, que chegue por conta de uma influência da carne na cesta básica, da participação da carne cesta básica. Isso é importante vocês entenderem que a carne não deve se manter pressionada no varejo, muito pelo contrário, deve manter o seu preço porque o valor da matéria-prima baixou. Mesmo com as exportações em alta, ela baixou.
Fica esse desafio para o produtor que, ao mesmo tempo em que vai vivenciar um momento amargo com o boi gordo, com a comercialização do gordo, muito possivelmente vai visualizar, ou já está visualizando, uma grande oportunidade de comprar reposição de prazo longo de terminação, como vacas prenhes, matrizes e bezerros, para entrega, mais ou menos, ali em 2025. Essa produção será terminada em 2025, quando a gente, muito possivelmente, vai retomar a fase de alta do boi gordo. Quem conseguir comprar mais gado agora e lotar mais a sua fazenda com esse gado mais barato, vai ter um estoque de arrobas maior para vender lá na frente.
* Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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