Ainda que a importação de cacau pelo Brasil seja algo trivial, a chegada à Bahia do navio Pichon, carregado com o produto da Costa do Marfim, promete ser o estopim para o início de protestos contra a importação de amêndoas do país africano, maior produtor global.
Produtores brasileiros alegam que o cacau marfinense traz riscos fitossanitários para lavouras nacionais, em momento em que buscam apoio do novo governo para suas posições. Eles ainda têm reforçado comentários de que a produção brasileira seria suficiente para atender a demanda local.
Já a indústria processadora de cacau no Brasil, que reúne multinacionais como Barry Callebaut e Cargill, rejeita os riscos fitossanitários apontados. Além disso, afirma que importações são necessárias para atender o mercado brasileiro — o quinto maior em vendas de chocolate do mundo.
O navio Pichon, carregado com cerca de 10 mil toneladas de amêndoas, estava previsto chegar ao porto de Ilhéus (BA) hoje (17), conforme a ANPC (Associação Nacional dos Produtores de Cacau). Sistema de monitoramento da Refinitiv indicava a embarcação próxima do porto baiano.
“A intenção nossa é impedir de fato o descarregamento do cacau“, disse a presidente da ANPC, Vanuza Barroso, acrescentando à Reuters que produtores ainda estão se organizando para planejar como isso poderia ser feito.
Bloqueios na rodovia BR-101, para evitar o transporte do cacau importado, também não estão descartados, acrescentou ela. A região da Bahia onde a associação quer realizar a manifestação concentra a indústria processadora de cacau no Brasil.
Uma reunião dos associados da ANPC no final de semana foi convocada para decidir detalhes da manifestação, disse Barroso, que considera que a indústria tentará descarregar rapidamente o produto.
Pragas
Se as queixas contra a importação do cacau da Costa do Marfim não são de hoje, produtores brasileiros querem, com o novo governo, sensibilizar autoridades sobre a questão. Eles já tiveram uma audiência em janeiro com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, sobre o assunto — o ministério não respondeu pedidos de comentários da Reuters.
Segundo a ANPC, o produto importado poderia trazer junto ervas daninhas da Costa do Marfim como a Striga, que não existe no Brasil, e insetos, entre outras pragas.
Barroso lembrou que uma instrução normativa anterior do governo indicava em 2020 o risco de pragas, antes de isso ser revisto em uma nova IN, sem obedecer critérios técnicos, segundo ela.
A produtora disse que na instrução mais recente o risco das pragas foi omitido, apesar de elas continuarem existindo nos cacauais africanos. “O Brasil está arriscando a registrar doenças da Costa do Marfim que não existem aqui.”
Para Barroso, a indústria tem interesse no cacau importado por uma questão de custos e pelo fato de utilizar o regime de “drawback” para reexportar o produto processado sem pagar impostos.
Posição da indústria
O Brasil importou 11 mil toneladas de amêndoas de cacau em 2022, versus 59,8 mil toneladas em 2021, segundo dados da AIPC (Associação da Indústria Processadora de Cacau), que reúne gigantes como Barry Callebaut, Cargill e ofi.
Já as importações de derivados de cacau pelo país atingiram 36 mil toneladas, versus exportações de 47,9 mil toneladas no ano anterior.
De acordo com a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi, se o Brasil tivesse produção de 300 mil toneladas de cacau ao ano, como afirmam os produtores, importaria poucos derivados. “Para que a indústria teria o custo de importação?”
Outra entidade do setor, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas, vai na mesma linha. “A Abicab é a favor do livre comércio e sabe-se que a produção nacional de cacau não é autossuficiente, sendo assim necessária a importação de cacau de outras origens”, disse a entidade em nota.
Ainda segundo Losi, da AIPC, análises realizadas inclusive pelo Ministério da Agricultura não apontaram riscos fitossanitários como os alegados pelos produtores nas importações da Costa do Marfim, importante fornecedor brasileiro.
“Não existe dado novo que justifique essa preocupação do produtor”, disse.
Ela explicou que o cacau importado já passa por um beneficiamento inicial, sendo seco e fermentado, o que “já elimina boa parte das pragas”.
Para a executiva da AIPC, desde que a instrução normativa foi publicada em março de 2021, não houve qualquer registro de problemas nos carregamentos importados da Costa do Marfim.
Ela disse ainda que o cacau marfinense que chega ao Brasil é de alta qualidade, geralmente de tipo 1 e 2, e nunca houve qualquer desclassificação.
“Hoje a gente se preocupa não com o que vem da Costa do Marfim, a preocupação é com a monilíase do cacau, uma praga que está no Equador, eles convivem bem com ela, mas aqui não estamos preparados, ela é pior do que a vassoura de bruxa”, disse Losi.
A vassoura de bruxa foi uma das responsáveis pela derrocada da produção do Brasil há algumas décadas, quando o país estava entre os maiores produtores mundiais de cacau.
Hoje a produção nacional é inferior à 5% do total produzido no mundo, com os países da África respondendo por cerca de 70% da colheita global, segundo a AIPC.
A moagem de amêndoas de cacau no Brasil aumentou 0,8% em 2022 para cerca de 226 mil toneladas, enquanto o recebimento do produto brasileiro pelas indústrias somou 205,8 mil toneladas no ano passado, segundo a AIPC, que representa empresas que respondem por 95% do processamento do cacau no país.