A aprovação de uma lei pelo Parlamento da União Europeia contra importações de produtos ligados ao desmatamento não respeita o código florestal do Brasil, que prevê desflorestamento legal de parte das propriedades rurais, reagiu uma importante associação do agronegócio brasileiro, cujo setor também acredita ser capaz de cumprir as linhas gerais da nova norma, ainda que discorde da sua eficácia para evitar derrubadas de matas.
O Parlamento Europeu aprovou uma lei contra desmatamento nesta quarta-feira (19) que exigirá verificação de que produtos como café, carne bovina, soja, cacau, óleo de palma, borracha, madeira e carvão vegetal não foram produzidos em terras desmatadas após 2020. A norma também deve se aplicar a produtos derivados, como couro, chocolate e móveis.
A UE é a maior compradora de farelo de soja do Brasil, tradicionalmente respondendo por cerca de 60% das exportações totais de derivado de soja. Mas também é importante importadora do grão bruto da oleaginosa e de milho, além de responder por metade do café brasileiro exportado.
O bloco europeu também demanda bons volumes de carnes — especialmente de cortes nobres e mais caros –, e outros produtos agrícolas nacionais.
O presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, chamou a atenção para o fato de a legislação europeia buscar se sobrepor à brasileira, e que os europeus adotaram uma postura de “regradores”, sem consultar os países fornecedores.
“Não se esqueça que o código florestal permite que muitas áreas sejam desmatadas, vai ter um conflito, eles não estão respeitando a lei nacional”, afirmou Carvalho à Reuters.
Dependendo da região, a lei brasileira permite a utilização de 80% da propriedade para a agropecuária, deixando o restante como reserva ambiental. Na região amazônica, por outro lado, o código florestal prevê que 80% da mata de uma propriedade seja mantida em pé.
No bioma amazônico, contudo, as principais tradings que operam no Brasil já têm uma política de “desmatamento zero” desde 2008, pois são signatárias da chamada Moratória da Soja, que impede compra do grão de áreas desmatadas nessa região após aquela data. O programa é uma iniciativa da associação Abiove, que preferiu não comentar por ora a aprovação da nova lei.
Em relação a outras áreas, incluindo o Cerrado brasileiro, companhias multinacionais do agronegócio têm prazos mais longos do que 2020 para aquisição de soja e milho cultivadas em áreas desmatadas. As maiores empresas preveem eliminar todo o desflorestamento de suas cadeias produtivas a partir de 2025 ou 2030.
Carvalho, da Abag, concordou que o Brasil tem grandes áreas agricultáveis disponíveis, muitas delas desmatadas há décadas que hoje são terras degradadas, que poderiam ser melhor utilizadas pela agropecuária, em tese respeitando o prazo dado pela lei europeia sem grandes problemas.
Paralelamente, o governo do Brasil tem trabalhado em programas que incentivem o uso de terras degradadas pela a agricultura, uma forma de evitar novos desmatamentos. O novo Plano Safra reservará mais crédito e com melhores condições de juros a agricultores que passarem a adotar práticas de agricultura sustentável.
O desmatamento é responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas globais, e a lei aprovada pelo Parlamento visa abordar a contribuição da UE para isso, segundo os europeus.
“Os consumidores europeus agora podem ter certeza de que não serão mais cúmplices involuntários do desmatamento“, defendeu o negociador do Parlamento sobre a lei, Christophe Hansen.
A lei, aprovada após um acordo entre negociadores no ano passado, não visa nenhum país em particular, mas enfrenta resistência em outras nações. A Indonésia e a Malásia, os maiores exportadores mundiais de óleo de palma, acusaram a UE de bloquear o acesso ao mercado de seu produto.
Pelo lado brasileiro, a Abag disse que está conversando com o Itamaraty para avaliar como o Brasil poderá se colocar em relação à lei aprovada pelos europeus, mas espera que alguns Estados do bloco, que ainda precisam confirmar a aprovação do Parlamento, rejeitem a legislação como ela está colocada.
Quando a lei for aprovada pelos Estados, as grandes empresas terão 18 meses para cumpri-la, e as empresas menores, 24 meses.
As companhias que não cumprirem podem enfrentar multas de até 4% do faturamento de uma empresa em um Estado-membro da UE.
Café e carne
A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) não viu com surpresa a aprovação da lei, considerando o acordo anterior, e disse que o setor já faz monitoramento de desmatamento desde 2009.
“A nossa produção para a Europa já é segregada, os bois são 100% rastreados”, disse o diretor de Sustentabilidade da Abiec, Fernando Sampaio, ponderando que as empresas agora buscam realizar o monitoramento dos fornecedores indiretos.
“Dá pra fazer, vai ter custo, mas é possível de atender os europeus, estamos preparados… o trabalho que vamos ter é estender o monitoramento para fornecedores indiretos”, disse.
Sampaio considerou, contudo, que a lei europeia é “excludente” e não resolve as causas do desmatamento, que são diversas. Segundo ele, a ideia do setor é que houvesse um programa mais “includente”, que pudesse levar a todos as melhores práticas.
Atualmente, há 1.400 fazendas brasileiras que fornecem gado para exportação de carne ao mercado europeu, segundo a diretora executiva da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, Luiza Bruscato. Ela acredita que estas fazendas, que são fornecedores diretos dos frigoríficos, já estão em processo de adequação e podem atender aos novos requisitos exigidos no prazo de até 18 meses. “O problema é avançar na cadeia… para os fornecedores indiretos, desde o nascimento do bezerro”, afirmou.
A UE, que compra mais cortes nobres de bovinos, está entre as três origens com maiores faturamento para a exportação brasileira, atrás de China e EUA, embora responda por uma parcela menor dos embarques em volumes.
Já o setor de café recebeu com certa tranquilidade a lei europeia, afirmando que a produção do país já é rastreável, além de ser realizada de maneira geral em áreas consolidadas, sem grande pressão por desmatamento.
Segundo o diretor-geral do conselho de exportadores Cecafé, Marcos Matos, o setor trabalha para mostrar que 100% da origem é sustentável e rastreável.