A Justiça Federal de São Paulo decidiu tornar réus gigantes da indústria de suco de laranja concentrado do Brasil, maior produtor e exportador da bebida, em uma ação movida pelo Ministério Público Federal que cobra dos envolvidos o pagamento de R$ 12,7 bilhões em reparação de danos causados por um esquema de cartel que teria vigorado entre 1999 e 2006.
A procuradora da República Karen Kahn confirmou à Reuters a decisão da Justiça de ter aceitado o pedido inicial da ação apresentada contra empresas que respondem por grande parte da produção e exportação global de suco de laranja, como Citrosuco, Cutrale e LDC (Louis Dreyfus Company).
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As denúncias sobre cartel, que focaram a combinação de preços da fruta entre indústrias, o que prejudicou citricultores, já foram objeto de processo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Em 2016, o órgão antitruste concluiu acordo para pagamento de R$ 301 milhões pelas empresas envolvidas.
Já a ação judicial foi movida pelo MPF este ano, após mais de 20 anos do registro das primeiras denúncias, diante do risco de prescrição do caso no Brasil, que tem paralelo com um processo na Justiça do Reino Unido, onde citricultores processam a Cutrale.
A decisão da Justiça Federal, que está sob sigilo, ainda envolve a Cargill, que vendeu operações para Cutrale e Citrosuco, em negócio anunciado em 2004, e a Citrovita (do grupo Votorantim), que se fundiu com a Citrosuco, em acordo aprovado por reguladores em 2011.
O valor da ação supera a receita anual da indústria com exportações de suco de laranja, que já chegou a ultrapassar US$ 2 bilhões nos seus melhores anos. Na temporada 2021/22, o faturamento somou US$ 1,62 bilhão.
O MPF, que avalia contestar o sigilo judicial imposto ao processo, estabeleceu em cerca de R$ 8,5 bilhões a indenização por danos financeiros e R$ 4,2 bilhões por dano moral coletivo.
No processo, há ainda citação de ex-dirigente da extinta Abecitrus (Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos), além de nomes como o empresário José Luís Cutrale Junior.
Quantificação de danos
O MPF moveu a ação civil pública no mês passado para cobrar a bilionária reparação de 16 envolvidos por terem, segundo o órgão, exercido ilegalmente o domínio de quase 80% da produção nacional e excluído cerca de 75% das pequenas e médias empresas do segmento somente em São Paulo, maior Estado produtor, além de outras regiões do país.
A ação teve como base um procedimento conduzido pelo Cade sobre práticas de concorrência predatória e abuso do poder econômico em detrimento dos produtores rurais.
No processo, o MPF destacou que o objetivo do cartel era a obtenção da queda vertiginosa dos preços de compra da fruta como forma de eliminar a concorrência do segmento produtor, causando prejuízos e até a falência de dezenas de pequenos e médios citricultores do país e afetando os consumidores.
À Reuters, a procuradora disse que a ação movida pelo MPF parte da premissa que o cartel já existiu, após a conclusão do processo administrativo conduzido pelo Cade, e que o caso agora envolve a quantificação dos danos e prejuízos para os setores da economia.
Segundo ela, houve a criação de uma cultura predatória da atividade econômica dos concorrentes, refugando empresas que não aderiram ao cartel.
Apesar do valor bilionário, a ação tem como base cálculos feitos levando-se em conta prejuízos apenas no início da cadeia produtiva.
A procuradora disse ainda que está em análise do MPF se os danos se mantêm até os dias de hoje.
“Não dá para se descartar, considerando-se que eles realmente engoliram todo o processo produtivo, o próprio Cade diz que eles acabaram dominando 80% do mercado do produtor e não houve notícia dessa reversão”, ressaltou.
A multinacional do setor agrícola Louis Dreyfus Company, uma das maiores do setor e que atua também no processamento e negociação de grãos, afirmou que não foi oficialmente notificada pela ação.
A Dreyfus disse ainda que “cumpre todas as leis e regulamentos aplicáveis nos países em que opera e informa que avaliará qualquer ação quando formalmente notificada, tomando as medidas cabíveis oportunamente”.
A Citrosuco, que passou a responder por 20% do mercado global de suco de laranja e cerca de 40% da exportação brasileira após fusão com a Citrovita, informou à Reuters que não foi notificada sobre a ação pública e, por essa razão, “não irá se manifestar”.
A Cutrale, outra gigante da trinca do setor formada por Citrosuco e Dreyfus, também não comentou imediatamente.
A CitrusBR, associação de exportadores que reúne Citrosuco, Dreyfus e Cutrale, fundada em 2009, não é parte do processo judicial, e preferiu não comentar o assunto.
A Cargill disse que, no momento, não comentaria o tema.
Flávio Viegas, presidente da Associtrus, que representa os produtores independentes de laranja, também optou por não comentar o assunto, citando questões relacionadas ao processo na Justiça britânica.
Não há eventual prisão para envolvidos em processo de natureza cível em caso de condenação.