“Hoje, todo pecuarista precisa também da agricultura, mas nem todo agricultor precisa ser pecuarista”, afirma o engenheiro agrônomo João Hofig de Barros, 32 anos e um dos sucessores na SF Agropecuária. O grupo tem sede em Brasilândia, no Mato Grosso do Sul. A principal atividade local é o cultivo de eucalipto para grandes grupos processadores de celulose, como Suzano e Eldorado Brasil. João é o responsável pelo projeto de implantação do sistema de ILP (integração lavoura-pecuária) nas terras do grupo, uma área de 31 mil hectares dividida em três propriedades.
O projeto da família vai além da ILP. A aposta é na economia circular, juntando produção de grãos, criação de bovinos, suínos e o reaproveitamento dos dejetos. Eles produzem biogás, fonte do biometano usado para gerar eletricidade e para movimentar parte do maquinário agrícola.
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“Na maioria das vezes, as pessoas veem o meio ambiente como problema e ele passou a ser a solução”, diz Fábio Pimentel de Barros, 64 anos, terceira geração de produtores rurais e pai de João. “Na fazenda, nós trabalhamos de olho em três pilares: sustentabilidade, economia e crise energética.”
Na propriedade de Brasilândia, de 18 mil hectares, o grupo tem pecuária bovina desde 1949. Atualmente são 14 mil hectares de pastos, um rebanho de 33 mil bovinos predominantemente da raça nelore. O abate é de 11 mil animais, quase 90% ainda jovens. São cruzados industriais da raça britânica angus, e também das europeias simental e charolês, que vão para o abate com cobiçados zero dentes e pesando 20 arrobas, um produto raro no mercado pelo qual recebem até R$ 20 por arroba de bonificação dos frigoríficos. Ou seja, uma pecuária altamente produtiva e tecnológica.
São abatidos 176 mil suínos por ano, filhos de 5,2 mil matrizes. No ranking 2024, promovido pela Agriness, software de gerenciamento de rebanhos que analisou 1.733 criatórios com 1,512 milhão de fêmeas reprodutoras, a SF Agropecuária ficou em primeiro lugar no estado e em quinto lugar no Brasil entre as maiores granjas de suínos.
Na agricultura são 1,6 mil hectares de soja e mil hectares de sorgo nesta safra, antes ocupados pelo milho. A outra fazenda do grupo fica em Sonora, também no MS, mas quase na divisa com o Mato Grosso, com uma área de 10 mil hectares. Ela é a mais recente das três áreas e vem sendo estruturada para a pecuária. Em Minas Gerais há outros 3 mil hectares dedicados ao café.
O projeto da SF Agropecuária em Brasilândia é o cartão-postal da família e chama a atenção como exemplo de economia circular por um detalhe: fica no Centro-Oeste, enquanto a ideia de circularidade está mais ligada às áreas florestais amazônicas e às granjas do Sul do país. Por isso, a SF Agropecuária pode ser uma referência global.
Dados do The Circularity Gap Report 2023, apresentado pela primeira vez em 2018 no Fórum Anual Mundial, em Davos, na Suíça, mostram que a circularidade global é de apenas 7,2%. Esse é o quinhão que se inclui em um modelo econômico baseado em redução, reutilização, recuperação e reciclagem de matérias-primas e energia. Um relatório da consultoria empresarial Accenture estima que a economia circular poderia gerar US$ 4,5 trilhões até 2030. João e Fábio, seu pai, estão em busca desses valores.
Dejetos com destino
O grande pontapé para a virada da SF Agropecuária começou pela criação de gado, por iniciativa de Sandra Hofig de Barros, esposa de Fábio. A família se dedica à pecuária há sete décadas e seguia o modo tradicional extensivo de criação. Porém, a partir de 2007, com a invasão do eucalipto na porção sul do estado, os pecuaristas tiveram de melhorar a rentabilidade, sob pena de quebrar, ou serem forçados a arrendar ou vender as terras. A pressão ainda existe. O Mato Grosso do Sul deve fechar o ano de 2023 com 1,7 milhão de hectares de eucalipto, do total de 5,5 milhões em todo o país. Brasilândia está entre os quatro maiores municípios produtores, junto com Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo e Água Clara.
“Nós nunca quisemos produzir eucalipto ou sair da fazenda. Ela é nossa vida e vivemos do que produzimos, não temos outra atividade”, diz João. “A Embrapa conseguiu fazer agricultura no Cerrado do Centro-Oeste e fazemos parte disso. Foi em 1989 que plantei os primeiros 500 hectares de soja para experimentar, como estamos fazendo agora na fazenda de Sonora, nesta safra”, complementa seu pai. Nesta safra 2022/23 o rendimento foi de 66 sacas por hectare, 7% acima da média do estado. Do total da área de cultivo, 1.070 hectares são irrigados e a agricultura de precisão faz parte da rotina.
A suinocultura chegou em 1991, como mais uma etapa da intensificação da fazenda. Um dos desafios era claro, logo de início: o que fazer com o chorume, nome dado ao resíduo do dejetos dos suínos, um líquido escuro que resulta da decomposição do esterco e que polui solo e águas se não for manejado.
A solução foi um biodigestor. Com ele, a fazenda passou a produzir biogás que primeiro foi convertido em bioeletricidade e agora em biometano. Em março, após investir R$ 2 milhões na construção de uma estação de purificação do biometano, a fazenda começou a operar o primeiro trator totalmente movido a esse biocombustível.
A máquina, comprada da multinacional New Holland Agriculture, que pertence ao grupo italiano CNH Industrial, custa cerca de R$ 1 milhão e há apenas 200 operando em todo o mundo. Além do trator, a fazenda já possui um caminhão híbrido, movido a biogás, e utilizado para a entrega de suínos ao frigorífico. “Com o biometano, estamos economizando 40% em relação ao preço do óleo diesel”, afirma Fábio.
Para Flávio Mazetto, diretor de marketing de produto da New Holland na América Latina, todo o esforço da implantação da tecnologia do biometano visa a construção de fazendas energeticamente independentes. E mais, ele visa a um modelo replicável também às médias fazendas do país, que representam uma grande parte dos 5 milhões de propriedades rurais brasileiras. “O biometano está em todas as pautas de descarbonização e vai crescer no agro”, espera Mazetto.
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O trator comprado pela SF Agropecuária é uma máquina de 180 cavalos que consome 10 metros cúbicos (m3) de biometano, por hora, ao custo de R$ 1 real por metro. Para comparar, mil litros de óleo diesel equivalem a cerca de 1,15 mil m3 de biometano. O tanque de biometano do trator leva a uma autonomia de cerca de 8 horas. Uma usina como a da SF Agropecuária produz 50 m3 de biogás por hora, que se transformam em 30 m3 de biometano. O retorno de investimento ocorre entre dois e quatro anos.
A economia circular proposta em Brasilândia não para aí. Os resíduos secos que sobram do esterco dos suínos e do confinamento bovino viram fertilizantes para as pastagens. “Até o final do ano, também vamos utilizar o lodo que se forma no fundo do biodigestor como fertilizante”, diz Fábio, que espera por mais tecnologias verdes.
Na propriedade, há mais 12 tratores, todos movidos a diesel. A potência média é de 330 cavalos para puxar plantadeiras de até 28 linhas. “Quero ver tratores de biometano de maior potência”, diz ele. “Hoje temos excedente de biometano e podemos avançar mais no uso de máquinas sustentáveis”. A New Holland informou que já existem protótipos para 2024. E, claro, o produtor espera faturar no futuro com créditos de carbono.
O potencial do biometano em propriedades rurais é imenso. O Brasil possui cerca de mil plantas de biogás, a maior parte em usinas de cana- -de-açúcar e aterros sanitários. Quase todo o biogás gera eletricidade. “O gás que substitui o diesel é três vezes mais vantajoso”, diz Fábio.
Por conta dos resultados, a SF Agropecuária tem se tornado um local de peregrinação para os devotos dos modelos circulares. Chegam a ser 100 visitantes por dia, e não só da região. No fim de abril, além de um grupo de canadenses. Pedro recebeu Eduardo Mota, de 36 anos. Ele é produtor em Pernambuco, mas a maior parte dos negócios está em Luís Eduardo Magalhães, município baiano a 1,5 mil quilômetros de Brasilândia. Mota é do grupo Mauriceia Alimentos, com sede em Nazaré da Mata (PE), e que pertence ao empresário Marcondes Farias.
“Temos um potencial grande de geração de biogás na Bahia, onde criamos e abatemos frangos”, diz Mota. “São 195 galpões que alojam 6 milhões de aves e a cama dos frangos pode ser a fonte do biogás. Hoje, a gente vende a cama como adubo para lavouras de soja de milho.” Para o biogás, o destino seria a frota própria de 400 caminhões utilizados na entrega dos produtos.
“Estamos interessados no gás para substituir o diesel, que é onde está a vantagem. Já temos estudos mostrando que a cama, junto com três lagoas de tratamento de água, mais os resíduos do abatedouro, seriam suficientes para produzir 15 mil m3 de biogás por hora”, afirma Mota. “O projeto é ir em frente, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa com a troca do diesel. Vim até a SF Agropecuária para ver onde tudo se encaixa.”
- Reportagem publicada na edição 106 da Revista Forbes, que também pode ser acessada online ou impressa.