O salmão é tão popular entre os clientes da butique de carnes ButcherBox, um clube de assinatura de alimentos criada pelo paraguaio naturalizado norte-americano Mike Salguero, 42 anos, que ele foi in loco ver a pesca do peixe. É um verdadeiro espetáculo. Em questão de semanas, toda a variedade pescada no ambiente selvagem, cerca de 70 milhões de salmões, é retirada das águas do Alasca.
Salguero, que mora em Massachusetts e passou dias em um barco de pesca, inspecionou a fábrica onde o salmão é embalado. Ele conferiu a dinâmica de milhares de trabalhadores, que cumprem turnos de até 16 horas em busca do peixe, e acompanhou também a ação dos reguladores que contam os salmões a partir de torres de metal e decidem quanto de pesca pode ocorrer naquele dia para que a prática permaneça sustentável.
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“Isso é uma das coisas que eu realmente sinto ser importante sobre o meu trabalho: entender realmente como tudo funciona,” disse Salguero, fundador e CEO do ButcherBox, à Forbes. “Então, posso chegar às conclusões sobre se este é o melhor caminho possível”, completou. A estimativa é que a ButcherBox venda cerca de 7 mil toneladas de salmão este ano.
Criada em 2015, a ButcherBox cresceu e se tornou um dos maiores vendedores de carne online nos Estados Unidos, incluindo também bovinos, suínos e aves, com vendas de US$ 550 milhões (R$ 2,7 bilhões na cotação atual). Isso acontece em um momento no qual as empresas que trabalham como clubes de assinatura, que pareciam ser a próxima grande tendência, praticamente desapareceram nos EUA.
Os preços das ações de concorrentes, como Blue Apron e Hello Fresh, despencaram. Apenas neste mês, as marcas de alimentos New Age, Tattooed Chef e Do Good Chicken entraram em falência. Mas a assinatura mensal de US$ 169 (R$ 831,50) de Salguero fez duas coisas que seus concorrentes não fizeram: como promoção, ele oferecia bacon grátis (ou asas de frango, ou carne moída) e evitou o investimento de venture capital. Isso porque ele teve uma experiência ruim com investidores em uma startup anterior.
“Naquela ocasião fiquei bastante desiludido com minha experiência,” disse Salguero. “Sentia que era muito contraditório e que não podia construir a empresa do jeito que queria, porque tinha investidores. Então hoje, se tivéssemos aceitado investimento externo, estaríamos fora do negócio”, completou.
A ButcherBox investe muito – até 20% de sua receita – em publicidade nas redes sociais e em suas icônicas promoções. Para evitar gastar ainda mais, a empresa está focada em trazer de volta para o negócio os ex-assinantes ou visitantes de seu site que ainda não se juntaram ao clube. Ao contrário da maioria de seus concorrentes, a ButcherBox tem sido lucrativa desde o início, mas não de forma abundante. A margem do EBITDA anual em 2022 ficou abaixo de 5% – em linha com os lucros muito pequenos do setor de supermercados.
“Nós, constantemente, oscilamos entre se devemos fazer marketing de forma agressiva, daquele tipo de intimidar o concorrente, mesmo que o custo de mercado seja muito alto e o custo de conquistar clientes seja mais alto ainda”, disse Salguero, “ou adotamos a abordagem de não fazer tanto marketing e está tudo bem se não atingirmos o que queríamos, mantendo o que já conquistamos para aumentar nossa lucratividade”, completou.
‘O Mike é um cara inteligente’
A ButcherBox é propositalmente enxuta em termos de ativos. Em contraste com alguns de seus concorrentes, a ButcherBox não cria animais nem os abate. A marca compra carne de um punhado de grandes produtores – incluindo 90% de seus porcos vindos da Niman Ranch, pertencente à Perdue, e carne bovina de animais alimentados com capim, importada da Austrália por meio de uma joint venture com o gigante do agronegócio Cargill, além do frango orgânico e livre de antibióticos, também da Perdue. Para despachar os pedidos, a ButcherBox empacota as escolhas mensais do assinante em caixas com gelo seco e as envia.
“O Mike é um cara inteligente. Ele evitou as armadilhas”, disse Matt Wadiak, um dos cofundadores da Blue Apron, que saiu e criou a Cooks Venture, uma empresa de frango que cria e vende sua produção. “Ele faz uma arbitragem em cima do produto de outra pessoa. E fez tudo como uma organização de marketing”, completou.
O gelo seco usado para preservar as carnes é a única parte do negócio no qual a ButcherBox tem um interesse direto. Em 2020, depois que Salguero viu que a vacina Covid-19 precisaria ser transportada em temperaturas abaixo de zero, ele decidiu comprar máquinas para fazer gelo seco por US$ 2 milhões (R$ 9,8 milhões) cada e montar suas próprias instalações nos estados de Oklahoma e Iowa. A decisão garantiu um suprimento constante, já que os custos de transporte congelado dobraram desde o final de 2020. A ButcherBox produz quase de 25 milhões de quilos de gelo seco, por ano, e até vende parte dele para outras marcas.
Salguero pode tomar decisões como essa porque detém 72% da ButcherBox. Os funcionários detêm o restante. Com base na forma como os concorrentes estão negociando publicamente, a Forbes estima de forma conservadora que a participação de Salguero na ButcherBox esteja em torno de US$ 175 milhões (R$ 861 milhões).
Outra avaliação encomendada pela empresa este ano colocou esta cifra bem mais alta. A ButcherBox foi avaliada em US$ 550 milhões (R$ 2,7 bilhões), o que significa que a parcela de Salguero estaria na faixa de US$ 400 milhões (R$ 1,9 bilhão). “Tenho aumentado minha posição, apesar dos consultores financeiros me dizerem que é uma má ideia,” disse à Forbes, rindo.
Salguero chegou aos Estados Unidos, vindo do Paraguai, com sua mãe divorciada quando tinha quatro meses de idade. Eles se estabeleceram em uma pequena cidade de Massachusetts, perto da Rota 91, chamada Williamsburg. Foi lá que começou, em 2014, o que viria a se tornar a ButcherBox, quando Salguero teve a ideia de comprar carne de fazendeiros que as vendia em um estacionamento.
Na época, Salguero comprava carne para sua esposa, que tem a doença autoimune de Hashimoto, e precisava da garantia de que o produto fosse livre de antibióticos e que viesse de animais alimentados com capim. Foi daí que ele percebeu que era mais barato comprar um animal inteiro e que poderia dividi-lo e repassar também as porções de carne para amigos. Quando a ideia pegou, Salguero decidiu transformá-la em um negócio.
Mas ele já havia se queimado anteriormente. Alguns anos antes, cofundou um negócio semelhante ao Etsy, site de comércio eletrônico que tem como foco itens feitos à mão, produtos usados e material para artesanato, chamado CustomMade.com, que levantou US$ 30 milhões (R$ 147 milhões) em financiamento de venture capital, com investidores incluindo o Google e o First Round Capital. Mas a empresa fracassou e a experiência deixou na boca um gosto amargo.
É por isso que, quando Salguero decidiu transformar a ButcherBox em um negócio, ele se recusou a levantar capital de venture. Em vez disso, investiu US$ 10 mil (R$ 49 mil) de seu próprio bolso e, em 2015, recorreu ao Kickstarter, site de financiamento coletivo. Os clientes rapidamente aderiram, atraídos pela promessa de bacon adicionado ao seu primeiro envio. Salguero buscou arrecadar US$ 25 mil (R$ 123 mil) sem renunciar à sua participação acionária. A campanha atingiu US$ 40 mil (R$ 196 mil) no primeiro dia. Em um mês, a ButcherBox conseguiu US$ 210 mil (R$ 1 milhão).
A oferta do Kickstarter de bacon grátis acabou se tornando a assinatura da ButcherBox. No entanto, sua continuidade foi um tanto equivocada. Como a equipe de Salguero não conseguiu distinguir entre os apoiadores do Kickstarter e os clientes regulares, a ButcherBox manteve a oferta. A confusão eventualmente se transformou em uma oferta de bacon vitalício que milhares de clientes demandavam.
No primeiro ano de vida, a ButcherBox alcançou uma receita de US$ 5 milhões (R$ 24 milhões). As vendas subiram para US$ 33 milhões (R$ 162 milhões) até 2017, à medida que se expandiram para incluir, por exemplo, o salmão pescado no ambiente selvagem. Em seguida, em 2018, a ButcherBox ultrapassou os US$ 105 milhões (R$ 516 milhões).
Expectativas e super construção de um negócio
O nascimento da ButcherBox ocorreu em um momento interessante para a indústria. Em 2017, a Blue Apron, que envia receitas e ingredientes para os clientes, atingiu uma avaliação de US$ 2 bilhões (R$ 9,8 bilhões) e abriu o capital. Então, o mercado dos EUA mudou. A Blue Apron havia investido milhões para controlar a cadeia de alimentos – desenvolvendo contratos de longo prazo com agricultores –, mesmo que isso levasse a perdas na casa dos milhões a cada ano.
A HelloFresh, sua concorrente de kits de refeições, abriu o capital no mesmo ano e alimentou uma corrida para ver quem poderia conquistar mais do mercado dos EUA. Os investidores esperavam que as refeições por assinatura perturbassem a indústria de supermercados e, por um tempo, parecia que poderiam conseguir. Mas a Blue Apron deu muitas coisas de graça e se perdeu nas complexidades logísticas do negócio de agricultura e distribuição de alimentos.
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“Para mim, está evidente que quando os kits de refeições começaram a decolar, as expectativas cresceram exponencialmente e todos eles cresceram muito rapidamente,” diz Daniel Kurnos, que responde na Blue Apron como diretor executivo da Benchmark Co. “A Blue Apron, em particular, construiu capacidade demais e nunca percebeu. Eles esperavam que o negócio crescesse exponencialmente e isso não aconteceu.”
As ações da Blue Apron e da HelloFresh refletem uma indústria em dificuldades. A Blue Apron perdeu mais de 99% de seu valor desde sua abertura de capital, enquanto a HelloFresh, embora tenha se tornado lucrativa, ainda negocia 76% abaixo de sua máxima histórica em agosto de 2021.
Enquanto isso, a ButcherBox afirma que está concentrada em acumular recursos para atravessar tempos econômicos incertos. Esse dinheiro também poderia ser usado para adquirir empresas com dificuldades, para expandir os negócios da ButcherBox. “Muitas dessas empresas receberam financiamento após a Covid, com números realmente bons, e agora a realidade se impôs,” disse Salguero. “Vai haver muitas oportunidades no mundo das aquisições, e temos muito a oferecer nesse sentido.”
Carne de qualidade superior
Por causa da escala, a ButcherBox conseguiu exigir carne de qualidade superior dos produtores rurais. Mas um rápido crescimento sempre pode criar novos problemas. Por exemplo, a carne suína da ButcherBox, proveniente da Niman Ranch desde 2017. Em 2020, a demanda por essa carne mais que dobrou e a Niman não tinha oferta suficiente. Em vez de buscar carne de qualidade inferior, a ButcherBox colocou novas assinaturas em pausa para poder atender aos pedidos existentes. A pausa deu à Niman o tempo necessário para se atualizar.
“Teria sido muito fácil para Salguero e a ButcherBox, tanto no início quanto ao longo do caminho, comprometerem os valores da empresa” disse Chris Oliverio, gerente geral da Niman Ranch, à Forbes. “Mas, ele escolhe o ‘não’ difícil em vez do sim fácil. Muitas empresas fizeram concessões.”
Agora, a ButcherBox utiliza sua icônica promoção de bacon vitalício – bem como variações semelhantes como carne moída vitalícia, asinhas de frango por um ano, salmão por três meses – para atrair novos clientes e manter aqueles que já são clientes ou estão inativos. “Estamos lidando com um cliente cada vez mais volúvel e cada vez mais difícil de conquistar,” disse Salguero.
O crescimento de assinantes tem se estabilizado, mas os já existentes estão gastando mais em cada caixa que pedem – mais de US$ 200 (R$ 980) em média. Os pedidos vêm aumentando, à medida que a ButcherBox oferece mais opções além das suas 115 ofertas. Os nuggets de frango, lançados em abril de 2022, são a adição mais bem-sucedida, com os clientes comprando mais de 12 milhões de nuggets. A recente expansão da ButcherBox, para sua linha própria de comida para animais de estimação, tem sido outra maneira de aumentar os pedidos dos clientes sem alterar o custo de cada caixa.
O maior desafio pela frente, segundo Salguero, é como compensar os funcionários que desejam vender ações, por causa da mais recente avaliação da ButcherBox, sem comprometer o controle do executivo sobre o negócio que criou. É por isso que a ButcherBox ofereceu três ofertas para comprar ou vender ações.
No futuro, Salguero disse que pode criar um modelo de participação nos lucros, para que mais controle permaneça com ele, como acontece em muitos dos maiores negócios de alimentos dos Estados Unidos, que tendem a ser empresas de capital fechado e administrados por famílias. Exemplos incluem a fabricante de mozzallera Leprino Foods, a Trident Seafoods, e os principais produtores de carne, como Perdue, e gigantes do agronegócio, como a Cargill. “Estamos em uma posição muito única e não quero mudar isso”, disse Salguero. “Mas não estou dizendo que nunca venderia ou levantaria dinheiro. Tudo é possível.”
(tradução: Forbes Agro)