A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou nesta quarta-feira (23) projeto que estabelece, entre outras coisas, um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, polêmico tema que vinha sendo discutido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e divide, de um lado, indígenas e o governo Lula e, do outro, representantes do agronegócio e a bancada ruralista no Congresso Nacional.
Aprovada por 13 votos a 3 no colegiado, a proposta segue agora para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse que trabalha pela ampliação do debate e para que o projeto também seja analisado pelas comissões de Direitos Humanos e Meio Ambiente da Casa.
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“As chances são boas. É um pedido razoável. Se se está tratando na Comissão de Agricultura, que é uma comissão que é já declaradamente favorável ao PL (projeto de lei). É justo que tramite também em outra que tem outro ponto de vista”, argumentou a ministra em entrevista à Reuters.
Segundo ela, caberá ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidir se distribui a proposta a outras comissões. Ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caberá a tarefa de avaliar a sanção da medida. Questionada sobre a possibilidade de um veto, Guajajara respondeu “realmente eu não sei”.
À revelia
Pelo texto aprovado nesta quarta na comissão, fica fixada a promulgação da Constituição Federal como linha de corte para as demarcações de terras indígenas. Só poderão ser demarcados aqueles territórios em que ficar provada a ocupação da área pelos indígenas até a promulgação da Carta, em 5 de outubro de 1988.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em junho, apoiado pela bancada ruralista e pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e à revelia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A movimentação da proposta provocou manifestações dentro e fora do país. Astros de Hollywood como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo chegaram a se manifestar nas redes sociais contra a aprovação do texto pela Câmara.
O tema também é analisado pelo STF, mas no começo de junho, o ministro André Mendonça pediu vista no julgamento, adiando uma decisão final sobre o assunto e conferindo mais tempo ao Congresso — de maioria conservadora e com bastante influência do setor agropecuário — para debatê-lo.
A votação da proposta nesta quarta-feira na comissão do Senado ocorreu logo após audiência pública em que líderes indígenas criticaram o projeto.
Alertas
De acordo com a Agência Senado, lideranças indígenas alertaram para outros trechos do projeto que também seriam prejudiciais. O coordenador-executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Kléber Karipuna, cita como um problema a exigência de “caracterização física de um indígena para se determinar se aquele povo deve ser reconhecido“.
“Isso é danoso para o processo de reconhecimento dos povos indígenas no Brasil como um todo“, afirmou, apontando ainda, o que considera ser uma mentira no projeto, segundo a qual “os povos indígenas são impedidos de produzir em seus territórios”.
O presidente da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti, Nambikwara e Manoki, do Mato Grosso, Arnaldo Zunizakae, criticou a falta de apoio a produtores indígenas.
“A lei não proíbe plantar, mas também não temos acesso ao crédito. Precisamos discutir melhor a forma de licenciamento de empreendimentos feitos pelos indígenas dentro dos seus territórios”, disse, na audiência pública, de acordo com a Agência Senado.
Dados do Mapa da Violência contra os Povos Indígenas produzido pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) em 2021 apontam que das 1.393 terras indígenas no Brasil 437 foram registradas ou homologadas.
Segurança
A relatora da proposta na Comissão de Agricultura do Senado, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), ponderou que o projeto trará mais segurança jurídica e não deve rever territórios já demarcados.
“Entendo que precisamos trabalhar juntos para atingir o objetivo que é satisfazer todas as partes envolvidas. O texto aprovado na CRA está coerente, preserva as condicionantes, a segurança jurídica e, na CCJ, o projeto deve ser analisado também pelo seu mérito”, defendeu.
O vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado, Zequinha Marinho (Podemos-PA), apontou para a importância do direito de propriedade para combater o conflito no campo.
“Nós precisamos dar segurança jurídica ao Brasil, escolher o melhor caminho para garantir o direito de propriedade. Somos todos irmãos e não podemos ficar no jogo um contra o outro”, disse.