Nas imediações de Des Moines, a capital do estado de Iowa, no meio-oeste dos EUA, uma fazenda de testes de máquinas agrícolas e um centro de tecnologia e inovação que integram o ISG (Intelligent Solutions Group), são uma espécie de bunker da John Deere, marca que faturou no ano passado US$ 52,6 bilhões (R$ 257,25 bilhões na cotação atual), volume 19% acima de 2021.
As permissões para entrar na fazenda de testes são monitoradas a lupa e fotos de máquinas prontas para o mercado, ou em vias de, somente são possíveis com permissão e monitoramento, sendo proibidas para equipamentos em desenvolvimento. No centro de tecnologia, as regras de confidencialidade são ainda mais draconianas para que informações estratégicas e de valor não vazem.
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“Hoje, temos cerca de 500 mil máquinas conectadas em todo o mundo. Nossa ambição é conectar mais de 1,5 milhão de máquinas até 2026”, diz Heather Richards Van Nest, diretora de sistemas de produção e agricultura de precisão na John Deere para a região três da companhia, área que compreende do México para baixo no mapa do mundo. “Trata-se de conectar todos os clientes, independentemente do sistema de produção agrícola em que se encontrem, sejam grãos, algodão, cana, culturas de alto valor como frutas cítricas ou café, laticínios e pecuária”. Na corrida pela agropecuária digital e robótica, a John Deere não está sozinha, disputando espaço com gigantes do setor como Case, Fendt, Massey Ferguson, New Holland e Valtra. E briga para estar à frente.
No centro de tecnologia da John Deere, localizado em Urbandale e onde trabalham 800 pessoas, é quase impossível entrar no prédio sem notar um arado logo na porta de entrada contrastando com a modernidade da estrutura. Outras peças que caberiam muito bem em um museu estão espalhadas por várias unidades. Neste caso, o arado data de 1874. Os objetos são representações do quanto a empresa investe globalmente, por dia: US$ 1,9 bilhão investidos em Pesquisa & Desenvolvimento em 2022 globalmente, valor 20% acima do ano anterior), ou US$ 5,2 milhões investidos diariamente (R$ 26 milhões).
São, também, uma sinalização de que a empresa familiar mantém a disposição para crescer, assim como ocorria na época de fundador. A John Deere nasceu em 1837 e, reza a lenda, que o primeiro arado feito pelo ferreiro John Deere, saiu de uma lâmina de serra quebrada, polida e afiada.
Na Forbes Global 2000 List 2023: The Top 200, publicada em junho, a Deere&Company – que reúne além da agricultura, equipamentos para construção e silvicultura –, está listada na posição 107, com um valor de mercado de mercado da ordem de US$ 112,92 bilhões, lucro de US$ 8,19 bilhões e ativos na casa de US$ 91,62 bilhões. No ranking, ela está à frente de marcas como as japonesas Honda e Mitsui e de suas famosas conterrâneas Visa, Ford, Airbus, Fedex e IBM.
Van Nest destaca que o estado da arte da pesquisa, e que deve ganhar escala nos próximos anos, está no que ela chama de quarta fase da onda de adoção de tecnologias, a etapa “sensoriar e agir” com soluções autônomas, aplicações de precisão e automação de plantio e de colheita. Na escala, já foram cumpridas as etapas que envolveram a adoção de softwares avançados, centros de operações e as tecnologias de fundamento, que são os hardwares.
“Vamos conectar todas as máquinas novas, as mais antigas e até as de outras cores”, se referindo às outras marcas de máquinas agrícolas. “Mas não é somente isso. Não são somente os tratores conectados, toda a logística, como os caminhões de apoio e transporte estarão também conectados.” Entre as apostas da companhia estão a colheita e a pulverização de precisão, além do avanço dos tratores autônomos nas operações de campo.
Futuro que está na precisão
Empresas como a John Deere são protagonistas de uma mudança em curso na produção de alimentos baseada em machine learning (ou aprendizado de máquina), IA (inteligência artificial), Iot (internet das coisas) e muita ciência agronômica para melhorar o desempenho da atual agricultura de precisão. Essa mudança, no caso do controle de ervas daninhas nas lavouras, está pronta para escalar mercado por meio de máquinas pulverizadoras em que a aplicação do herbicida é feita somente na planta invasora, deixando o pé de milho, soja ou outra cultura, livre do produto químico.
As ervas daninhas competem por água, luz e nutrientes com a cultura, reduzindo o desenvolvimento de plantas, produtividade além de servir de porta de entrada para pragas e doenças, dificultando a implantação e manejo da cultura. No mundo, do total utilizado de agro químicos (ou agrotóxicos), 95% são herbicidas, pesticidas e fungicidas, sendo que os herbicidas respondem por quase metade. Chamada de see & spray, a tecnologia da John Deere embarca sensores para a tomada de decisão na hora certa para atingir seu alvo, dando à operação um status de sustentabilidade infinitamente superior ao que ocorre hoje.
Na comparação com um medicamento humano, por exemplo, embora cada um tenha seu princípio ativo, ele atua em diferentes partes do corpo e não apenas onde está o problema, vindo daí os efeitos colaterais. Na lavoura ocorre o mesmo hoje. Herbicidas são aplicados em plantas sadias e ervas daninhas. Mas a John Deere aposta que os dias estão contados para que sua tecnologia, que hoje é de ponta, se popularize. Isso porque o pacote see & spray pode ser considerado um acessório que já sai de fábrica nos pulverizadores, mas também será possível a compra do kit para máquinas que já estão no campo.
Tiffany Ingersoll, gerente de produto, automação de aplicações e que está na John Deere desde 2011, explica que há 36 câmaras na máquina, como se fosse os olhos humanos conversando com os processadores e avaliando se o que está no foco é uma daninha ou um cultivo. A máquina também vai coletando dados para novos insights. “O que também há de novo é o que chamamos de camada de mapa de pressão de ervas daninhas”, diz ela. “E esperamos que isso mude a agricultura daqui para frente”.
O brasileiro Marcio Neutzling, engenheiro da John Deere que está em Des Moine desde 2019 e hoje é o gerente que supervisiona os estudos sobre pulverização, afirma que a tecnologia reduz o uso de herbicidas em 2/3 e que outras funcionalidades para o aperfeiçoamento da tomada de decisão pela máquina estão no radar das equipes de inovação.
“Também serão incorporadas outras competências, como integração com drones, aplicação também de herbicida, taxa variável, identificação das daninhas pela largura das folhas, e mais o que detectarmos como demanda do produtor”, afirma Neutzling. E mais ele não diz, por exemplo, quando essas novas tecnologias poderão estar à disposição dos produtores. Porém, sobre o stand da planta (número de plantas por metro quadrado) ele quase deixa escapar que essa pode ser uma das próximas inovações.
Vale registrar que a corrida por essa tecnologia foi escalada há poucos anos. Em 2017, por US$ 305 milhões (R$ 1,5 bilhão) a startup de robótica Blue River Technology, sediada no Vale do Silício, nos Estados Unidos. À época, o que ela fazia era construir robôs utilizando a lógica “olhe e pulverize”. De acordo com a empresa, as máquinas já estão em teste final de campo nos EUA e no Brasil, mas os locais da operação também são um segredo.