Os pesquisadores bolivianos estão transformando resíduos florestais – que de outra forma teriam sido queimados –, em biochar ou biocarvão, um produto rico em carbono e útil para os agricultores.
Quando a biomassa (como as aparas de madeira) se decompõe naturalmente, emitem os potentes GEEs (gases de efeito estufa), CO2 e metano. Mas, ao se transformar em biocarvão num ambiente com baixo teor de oxigénio, o carbono é bloqueado numa forma estável que resiste à decomposição, sequestrando-o durante centenas de anos.
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José Fernando Grajeda Cruz, chefe de P&D (pesquisa e desenvolvimento) da Exomad Green, empresa com sede em Concepción, diz que o biochar também tem uma ampla variedade de benefícios que ajudam a mitigar emissões adicionais. A empresa tem atualmente o maior projeto global de produção de biochar, com a remoção de 300 mil toneladas de resíduos, por ano, e a produção de 90 mil toneladas de biochar. (No Brasil, a Embrapa vem pesquisando o biochar há cerca de 20 anos)
“Para a Bolívia, o mais importante seria o fato de que, ao melhorar o rendimento das colheitas, reduziria o desmatamento porque desta forma os habitantes locais não precisariam derrubar mais florestas para compensar a redução do rendimento causado pela degradação do solo”, disse ele.
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O biochar também é reconhecido por sua capacidade de reter água e nutrientes na superfície do solo por longos períodos, beneficiando a agricultura, reduzindo a lixiviação de nutrientes da zona radicular das culturas, melhorando potencialmente o rendimento das lavouras e reduzindo a necessidade de fertilizantes.
Grajeda afirma que a utilização da unidade da empresa para reciclar material que de outra forma seria incinerado, evitará a libertação de 60 mil toneladas de CO2 em 2023, ao mesmo tempo que minimizará os riscos para a saúde e os incêndios florestais. Além da atual unidade, a Exomad Green deve abrir mais duas unidades de processamento do biocarvão, uma até o final deste ano e outra em março de 2024.
“O projeto promete benefícios substanciais para as comunidades locais em Concepción e além, incluindo melhoria da qualidade do ar para mais de 250 mil pessoas e o aumento da produtividade agrícola por meio de biochar distribuído gratuitamente”, diz ele. “O biochar tem a capacidade de reter carbono no solo por milhares de anos.”
Como Grajeda chegou ao biochar
Grajeda cresceu na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra, centro comercial do país. “Sempre fui apaixonado pela terra; a liberdade e as oportunidades que ela oferece me inspiraram a seguir esse caminho”, afirma o pesquisador. Sua trajetória profissional começou com o estudo de engenharia ambiental na Universidade Gabriel Rene Moreno, que também fica em Santa Cruz de la Sierra. Analisava amostras de solo, água e ar, primeiro no laboratório da universidade e depois no CIAT (Centro de Investigação da Agricultura Tropical), criado em 1975 e mantido pelo governo local, como é a Embrapa no Brasil.
Atualmente, Grajeda é o chefe de um laboratório que supervisiona os testes de qualidade do biochar e pesquisa os métodos ideais para aplicar o insumo no solo. “O biochar que produzimos é fornecido gratuitamente às comunidades indígenas locais, e meu papel envolve o desenvolvimento de diretrizes para garantir que seja manejado de forma eficaz em diversas aplicações em solo boliviano”, diz ele, “Me desloco até essas comunidades para ensiná-las como aplicar e manejar o insumo.”
Grajeda afirma que os cientistas do Sul Global trazem uma perspectiva única e prática para os desafios que as suas comunidades enfrentam, sejam elas as alterações climáticas, a degradação dos solos ou a segurança alimentar.
“Minha conexão profunda com as terras e comunidades bolivianas me permite compreender e desenvolver soluções que sejam ao mesmo tempo adaptadas localmente e relevantes globalmente”, diz ele.
Economia de carbono da terra
Stephanie Roe, pesquisadora ambiental da Universidade da Virgínia, nos EUA, e autora principal de um artigo publicado na Nature Climate Change, afirma que novas abordagens na agricultura, silvicultura, zonas úmidas e bioenergia poderiam contribuir de forma viável com cerca de um terço da meta de mitigação do Acordo de Paris até 2050 – equivalente a 15 bilhões de toneladas de equivalente dióxido de carbono (GtCO2e) por ano.
De acordo com a publicação dos pesquisadores, o cultivo de árvores em terras agrícolas poderia não somente proporcionar sombra, mas também outros benefícios, incluindo o potencial de sequestrar um total de quatro GtCO2 até 2030, aproximadamente o equivalente a um ano de todas as emissões da União Europeia.
De acordo com Roe e os seus colegas, existem medidas concretas que as lideranças políticas podem tomar, especialmente aqueles nas nações tropicais em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina, por exemplo, porque uma das maiores oportunidades está na melhoria das práticas de gestão florestal e agro-industrial, ou seja, estruturas em esquemas florestais.
“Precisamos dissipar a ideia de que a produtividade agrícola e a sustentabilidade são mutuamente exclusivas – elas podem, na verdade, trabalhar de mãos dadas”, diz Roe.
* Andrew Wight é colaborador da Forbes EUA vice-presidente da ACPC (Associação Colombiana de Jornalismo Científico)