O agrônomo João Paulo Dantas é um dos Under30 2023, escolhido pela Forbes Brasil para compor sua lista de talentos em várias áreas, entre elas o agro. Tinha 29 anos quando a edição foi fechada em dezembro, e apagou a vela dos 30 no dia 10 de janeiro. É um caso de talento precoce, vindo de uma realidade bastante dura. “Foi o destino que me moldou”, diz ele, em uma conversa exclusiva com a ForbesAgro, logo depois do anúncio de que estaria na lista dos jovens talentos.
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Hoje, Dantas tem uma consultoria sediada em Sorriso (MT), município que faz parte do maior polo produtor de grãos do Brasil. Também é cofundador da DataFarm em 2018, plataforma de processamento de dados e análise de solo que atualmente abrange quatro milhões de hectares de soja, milho e algodão.
O empreendedor relembra que, em sua carreira, contou com a ajuda de pessoas fundamentais para que chegasse até aqui. “Eles fizeram muita diferença na minha formação profissional”, conta, em referência aos mentores. Entre eles está Elizana Paranhos, ou melhor, a Gija – como o agro a conhece – de Capão Bonito (SP), a produtora rural vencedora em uma das edições do Desafio de Produtividade, promovido pelo CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil), e que escolheu Dantas como seu consultor, uma demanda dos organizadores do prêmio. Gija faz parte do FMA (Forbes MulherAgro), grupo de lideranças femininas, entre produtoras e executivas, criado pela Forbes em 2023. Confira os detalhes dessa história:
Como tem sido a presença de mentores, em uma trajetória precoce como a sua? Tive vários na minha vida, em diferentes fases. Admiro a área científica, professores como o Tsuioshi Yamada (pesquisador do IPNI, International Plant Nutrition Institute). O Durval Dourado Neto, que hoje é reitor da USP, de Piracicaba. O meu orientador de mestrado, o Godofredo Cesar Vitti, também foi um grande mentor que me fez enxergar novos horizontes.
E o Bernardo van Raij, que faleceu ano passado, pesquisador do IEC (Instituto Agronômico de Campinas). Eles fizeram muita diferença na minha formação profissional. Na vida pessoal, obviamente minha família, mas logo que me formei conheci a Elizana Paranhos, aos 19 anos. Foi a primeira oportunidade que tive de realmente trabalhar e colocar o meu conhecimento no campo. Eles mudaram minha vida.
Pode contar um pouco dessa trajetória? Sou filho de pequenos agricultores familiares que produzem hortaliças orgânicas no interior de São Paulo. Queria ser piloto da Força Aérea. Estudei em escola pública, na zona rural, onde, infelizmente, a qualidade do ensino não se compara ao privado. Foi o destino que me moldou. Não deu certo ser piloto e acabei na agronomia, que era o sonho do meu pai. Aos 19 anos, arrumei o meu primeiro emprego numa empresa de fertilizantes. Com 20 anos, já formado, entrei numa distribuidora de insumos.
Foi quando conheci a Elizana. A empresa fez uma parceria com ela, que eu propus. Ganhamos o prêmio do Cesb (Comitê Estratégico de Soja do Brasil), num campeonato bem respeitado. Na safra 2013/2014, tivemos a maior produtividade de soja do país para a época. Pra ter ideia, a média do Brasil é 56 sacas, e a área que inscrevemos para o prêmio fez 122,9 sacas de soja por hectare, duas vezes e meia a média nacional. Na época foi um recorde no prêmio do Cesb e a partir dali ganhei visibilidade.
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Tempos depois, fui fazer uma palestra no Congresso Brasileiro de Soja, em Florianópolis (SC), em que a Bayer era um dos patrocinadores. Foi a partir daí, em 2015, que me tornei consultor por quatro anos do projeto UAI (União dos Agrônomos Independentes) sobre processos de sucessão familiar. Estive em 14 estados, em propriedades onde o filho estava assumindo o negócio. Foi a partir dali que minha carreira deslanchou.
Mas já em 2016 pensava em uma plataforma. Hoje é muito comum ver startups do agro. Naquela época não era. Com um colega, começamos a desenvolver a DataFarm, hoje entre as mais importantes plataformas de processamento de dados de agricultura no Brasil. Lembro que em 2017, a gente já tinha um MVP (Minimum Viable Product) na mão e lançamos a DataFarm em 2018, no Congresso Brasileiro de Soja, em Goiânia (GO). Foi a mesma época em que finalizei meu mestrado e fui para o mercado em busca de novos horizontes.
O que é empreender, na sua visão? É quando se consegue colocar as habilidades em um negócio, transformando aquilo que você tem de melhor em um meio de ganhar dinheiro.
Quando começou, qual foi a maior dificuldade? Fazer a tecnologia rodar. Muitas empresas vendem ideias, por exemplo, um pitch de uma startup. Mas quando você fala ‘vamos pegar e fazer um MVP’, a pessoa não tem um produto. O maior desafio é pegar a ideia, transformar em produto e fazer rodar no campo. Acho que esse primeiro passo é fundamental. Quem conhece startup, sabe: é fazer o MVP dar certo.
Qual é o seu principal desafio atualmente? É a expansão. Hoje, esse é o maior desafio justamente por causa da qualidade do negócio. Temos três pilares: análise de solo, software e consultoria. Dos três, o que mais gosto é consultoria, é estar no campo com meus clientes. E acredito ter hoje uma consultoria muito consolidada. Só que, para quadruplicar o volume diário de atendimentos, há uma dificuldade muito grande que é o capital humano, achar pessoas capacitadas e formá-las para crescer com qualidade.
Quais são os seus planos de investimento? Não temos nenhum investidor-anjo, nunca pegamos dinheiro do mercado e sempre conseguimos manter a empresa com os próprios fluxos de entrada. Hoje, o nosso maior foco, na DataFarm (onde Dantas tem um assento no conselho), é a questão do crédito de carbono. Quando se fala na escalabilidade de um player, como a John Deere (cliente da DataFarm), aí está a nossa estratégia de crescimento.
Escolhi trilhar a consultoria e por isso criei outra empresa, a JPS Dantas. Mas uso a DataFarm como ferramenta para levar informação e tecnologia ao produtor, porque ele precisa de um acompanhamento. É na consultoria que quero crescer agora, visando solo, nutrição e manejo de fertilidade como um todo. O crescimento da minha consultoria, de forma sustentável, é o desafio atual. E na DataFarm, a construção desse mercado de crédito de carbono.
Daqui a cinco anos, acha que terá atingido alguns desses objetivos? Tenho muita esperança no mercado de crédito de carbono, porque o mercado está desenhado para isso na questão da sustentabilidade.
Quais conselhos daria a alguém que está nessa batalha de criar uma startup? Primeiro ponto é não se acomodar. Tive várias oportunidades de trabalho quando ganhei o desafio do Cesb, em 2014, mas preferi criar a minha própria empresa.
Quando fundei o DataFarm, éramos quatro pessoas, sendo eu o único solteiro — o restante dos sócios eram casados. Fui o cara que topou ir para o Centro-Oeste, no Mato Grosso, abrir filial e desenvolver o negócio. Na época, estava muito bem morando em Piracicaba, numa cidade grande, perto do aeroporto, de tudo. Mas falei: vou para o Mato Grosso porque o agronegócio é muito grande lá e eu quero desenvolver a empresa lá. Não conhecia ninguém, só alguns clientes. Existe uma diferença muito grande entre ambição e realmente fazer as coisas.
Quais são as três atitudes que um jovem empreendedor precisa tomar? Tomar a iniciativa de fundar o próprio negócio — a mudança CLT para PJ é a maior dificuldade. Essa coragem, acho que é o principal ponto. O segundo ponto é acreditar naquilo que vende. E claro, também querer comprar aquilo que você vende. Não adianta eu colocar um produto no mercado se não sou cliente do meu próprio produto. E o terceiro ponto, que é algo que me motiva até hoje, é sempre se atualizar. Não existe um produto perfeito que não precisa ser melhorado.
Qual livro recomendaria para empreendedores? Recomendo um livro do Tiago Brunet que mudou a minha vida no sentido de como trabalhar com pessoas, não só clientes, mas também funcionários. “Especialistas em Pessoas” é o nome do livro. Foi uma grande virada de chave para mim. Tem um apelo bíblico e ensinamentos milenares. Para mim, faz sentido até hoje. (Em tempo, Dantas também é escritor e já publicou um livro técnico)
Como você lida com a saúde mental e o estresse? Vou contar um caso. Durante a pandemia, passei pelo processo, não vou dizer de depressão, mas de ansiedade muito grande. Morei em Porto Alegre durante dois anos na pandemia, e foi uma dificuldade muito grande aquele lockdown. Fiquei seis meses sem ver meus pais e aquilo mexeu muito comigo e tive que criar alguns escapes. Acho que o esporte ajudou mudou. Gosto de tênis, academia e corrida. Do meu livro, também acabei escrevendo boa parte durante a pandemia. Se você não está bem mentalmente, não consegue produzir e ter alta performance.
Como observa hoje o setor rural no Brasil? É uma potência. A locomotiva do Brasil é o agronegócio. O país é bem dependente do agro. Vejo o setor como muito sustentável porque as pessoas precisam comer todo dia. E se vestir — as roupas têm uma durabilidade, precisam ser trocadas e, para isso, de algodão. São coisas essenciais para a vida humana e sem o agronegócio não existe vida na Terra. Quero tomar um vinho, uma cerveja, é agronegócio. Cosméticos, também. Hoje você pega o milho, ele gera 50 produtos. O chiclete é feito à base de milho. Os combustíveis mais renováveis do mundo são o etanol e biodiesel. O setor tem um poder gigantesco e uma responsabilidade muito grande.
Qual nota daria para o ESG no agro brasileiro, considerando o ambiental, social e governança? Nota nove, porque não daria 10 para algo que tem coisas para melhorar. Mas os produtores, hoje, no Brasil, cultivam em torno de 7% da área territorial. O Mato Grosso, que é o maior estado produtor, cultiva apenas 20% — 80% tem que preservar porque é bioma amazônico. O produtor brasileiro preserva muito bem.
Entra nessa conta de não expandir em área, mas produzir mais? Exatamente. O produtor brasileiro pensa muito na verticalização do negócio. Porque é muito caro comprar uma terra. O produtor quer aumentar a produtividade na área que já tem. E isso, de forma indireta, é preservar. Outro ponto é a questão de carbono. Temos uma ciclagem de carbono muito grande. Mais de 95% da safra brasileira é sobre o plantio direto, sem revolvimento do solo. Isso ajuda a preservar as nascentes e a matéria orgânica, evita erosão e aumenta o sequestro de carbono na atmosfera, o que reduz o aquecimento global.
Quais pautas são prioritárias para o setor? A conectividade. Se a gente tivesse mais, isso tudo o que falei poderia ser melhor. Mas isso não é algo que o produtor pode resolver. É o mercado que tem que ajudar o produtor nisso.