As chamadas finanças verdes abrangem a oferta de crédito destinado ao desenvolvimento sustentável, inclusive na luta contra as mudanças climáticas. Incluem, também, o financiamento de projetos e negócios voltados para as energias renováveis, eficiência energética, preservação da biodiversidade, gerenciamento sustentável de recursos naturais e redução da poluição. Na Europa, o mercado financeiro francês tem colocado foco nessa demanda, de olho nas regulações ainda necessárias.
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Para Maud Caillaux, co-fundadora do Green-Got, um banco sediado em Nanterre, na França, que promete entregar impactos positivos no mundo a partir do dinheiro depositado em suas contas correntes, o comportamento do consumidor é a chave: “As finanças sustentáveis têm um apelo real e forte no mercado, como mostra nosso crescimento de dois dígitos. Nos dias atuais, as pessoas desejam que o dinheiro não financie mais bombas climáticas, mas o futuro e valores”.
O banco tem atualmente 540,3 milhões de euros (R$ 2,9 bilhões na cotação atual), em sua carteira de crédito verde, o que significa 26 mil toneladas de CO2 estocadas ou evitadas. O entusiasmo do mercado ainda é comedido, mas satisfatório, tendo em vista os avanços já obtidos na área ambiental. “No que diz respeito à transição para as emissões zero de carbono, ainda há muito progresso a ser feito, mas agora, pelo menos, temos informações suficientes para saber onde investir. Dizer o contrário seria uma desculpa para a inação. Estamos vendo, no setor financeiro, os dados se tornarem cada vez mais claros, e os ‘rótulos’ dos produtos também. A demanda por produtos financeiros verdes está mais forte do que nunca”, observa Caillaux.
Fanny Picard, pioneira nesse tipo de financiamento na França e fundadora da Alter Equity, um fundo que reúne investidores especializados em negócios sustentáveis, tem visão semelhante. Na sua opinião, os novos modelos de financiamento não estão longe de — preparados para isso — enfrentar o desafio da transição para o net zero: “Os valores a serem trabalhados são consideráveis, mas não inatingíveis. O custo anual adicional de um cenário de neutralidade climática até 2050 é estimado entre US$ 3,5 trilhões (R$ 19 trilhões) e US$ 6 trilhões (R$ 32,7 trilhões) por ano até 2050. Para atingir esse objetivo, é necessário criar um vínculo de confiança e ação entre o órgão regulador, emissores, investidores ou gestores de ativos, além de consumidores”.
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Para tomar medidas mais significativas, Picard pede regras mais precisas: “O órgão regulador deve criar uma estrutura que permita que todos tenham acesso a informações transparentes e padronizadas e exigir práticas que emitam menos.” Ela também alerta para um desafio essencial, que é mudar o perfil da demanda, um fator decisivo para possibilitar as mudanças que vêm sendo exigidas às instituições financeiras: “Se os consumidores não exigirem produtos e serviços mais responsáveis, as empresas não mudarão suas ofertas nesse sentido, incluindo os gerentes, que podem promover a oferta de produtos financeiros realmente responsáveis.”
Nessa mudança de parâmetros, a medição dos impactos ainda preocupa especialistas. Uma recente pesquisa internacional revelou que grande parte dos fundos verdes ainda é insustentável. Para evitar armadilhas, a Alter desenvolveu uma metodologia junto à Carbone 4, uma consultoria especializada em questões de energia e clima, segundo a qual as metodologias adotadas pelos bancos serão mais rigorosas e passarão por várias modificações nos próximos anos.
Títulos verdes são pilar da economia
Entre os primeiros instrumentos a serem ajustados estão os títulos verdes (green bounds), que se tornaram a ferramenta preferida dos investidores profissionais. Esses títulos de dívida são emitidos por empresas e órgãos governamentais para financiar projetos com impacto positivo. Com uma classificação média de AA- (qualidade muito alta, no jargão financeiro), combinam a solidez financeira com impacto ambiental positivo e mensurável, oferecendo transparência e rendimentos comparáveis às ações convencionais.
O mercado verde é estimado atualmente em cerca de US$ 1,4 trilhão (R$ 6,9 trilhões), com uma diversidade crescente de emissores e investidores. Além disso, iniciativas governamentais como as do Japão, União Europeia e Estados Unidos estão estimulando essas iniciativas, capitaneadas pela Europa. No entanto, critérios ainda precisam ser refinados para tornar esses títulos, que ainda estão em sua “infância”, mais transparentes e fáceis de se entender.
Em 23 de outubro de 2023, após várias etapas de negociação, o Conselho Europeu adotou um regulamento para estabelecer um padrão para os títulos verdes europeus, conhecidos como EuGBs, com o objetivo de padronizar os critérios para os emissores desses títulos e promover o financiamento sustentável. Alinhados com a taxonomia da UE para atividades sustentáveis, os green bounds financiarão projetos nas áreas de tecnologia, energia e meio ambiente.
Iniciativas com foco no clima
A demanda está crescendo, e os bancos estão diversificando suas ofertas. A França acaba de adotar o Peac (Plano de Economia do Porvir Climático, na sigla em francês), criado pela Green Industry Act de 11 de outubro — decretos que prevêem uma série de medidas em benefício do clima e que vêm sendo promulgados desde junho de 2023.
O Peac é uma nova poupança destinada a jovens com menos de 21 anos que, isenta de impostos e encargos, foi concebida para prepará-los à vida profissional e, ao mesmo tempo, financiar a transição energética. É como se fosse uma conta bancária ou contrato de capitalização, com um limite máximo de 22,9 mil euros (R$ 124,5 mil), por contribuinte, baseada na caderneta Livret A (modalidade bancária francesa com taxa de apenas 3%). O lançamento está previsto para este primeiro semestre de 2024.
E os bancos franceses não se limitaram ao Peac. Agora, também estão oferecendo uma ampla gama de produtos de poupança e investimento para ajudar o meio ambiente e ao clima, bem como empréstimos específicos para melhorias no setor de energia. Iniciativas como essa são complementadas por programas de educação financeira com objetivo de conscientizar público e empresas sobre as formas de reduzir a pegada ecológica.
Outros exemplos incluem a estratégia do banco holandês ABN-AMRO, que se destaca no setor com operações que financiam projetos neutros em carbono, e a Lumo, plataforma do Société Générale, um dos maiores bancos da França, que permite correntistas e empresas investirem na transição ecológica por meio do financiamento coletivo. A Lumo já conta com 32 mil investidores e acumula 176 milhões de euros (R$ 957,4 milhões). Entre os fundos na Europa voltados às finanças verdes, vários ultrapassaram a marca de 1 bilhão de euros (R$ 5,4 bilhões), incluindo o Nationale Nederlanden, Robeco, Caixa Bank, Candriam, Axa, Handelsbanken, Amundi, Degroof Fund Management Company, Blackrock, Vontobel, BNP Paribas, Eurizon Capital, Danske Invest, DNB Asset Management, ASR Vermogensbeheer, Storebrand, Mirova, iShares, Nordea e Haalbar.
Iniciativas como essas devem continuar a remodelar significativamente os padrões financeiros europeus e, quem sabe, permitir uma transição mais rápida para a neutralidade de carbono — se forem bem articuladas com a indústria e alcançarem padrões internacionais rapidamente.
*Michael Miguères, colaborador da Forbes France, é também fundador da agência Alcé Communication, em Paris, e presidente do Institut pour le Progrès, também na capital francesa, que reúne interessados na vida pública e política do país