O paladar da geração Z, que abrange jovens nascidos entre 1995 e 2010, vem influenciando o portfólio de produtos disponíveis no mercado, à medida que essa faixa etária tem cada vez mais poder de decisão sobre o que vai para o seu prato. Esse movimento é visto como uma tendência sem volta, conforme surgem novos hábitos de consumo. Segundo especialistas, há uma demanda crescente por alimentos com origem reconhecida, novas aparências e sabores, em vez dos produtos tradicionais, e a sustentabilidade tornou-se uma exigência.
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“Do ponto de vista do alimento e do sabor, as duas características mais importantes são a segurança na produção e o apelo saudável”, disse Frances Dillard, vice-presidente de marketing da Driscoll’s, uma das maiores produtoras de frutas silvestres nos EUA, as chamadas berries (morangos, mirtilos e amoras) e também gigante no processamento e distribuição de alimentos como café, massas, carnes e vegetais congelados. “Não é necessariamente sobre a saúde, mas a perspectiva de melhorar a qualidade da oferta para o consumidor. Então passamos a oferecer produtos muito menos processados. Além disso, hoje em dia as pessoas realmente se importam com a maneira como os alimentos são produzidos”, afirmou ela no sábado (8), em Austin, no Texas, durante o SXSW (South by Southwest), o maior evento global a reunir festivais de cinema, música, tecnologia, empreendedorismo e inovação — a conferência, que conta entre seus painéis com temas do agro, termina neste sábado (16).
As tendências para atender os anseios das novas gerações estão no centro das atenções da Driscoll’s, que hoje domina um terço da demanda por frutas slvestres nos EUA. Segundo Dillard, a geração Z apresenta drásticas mudanças em relação à anterior (geração X), quando o assunto é comida, exigindo adaptações no âmbito do varejo. A pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos alimentícios, portanto, são prioritários para a empresa. “É uma faixa etária quase do mesmo tamanho dos millennials, mas eles têm algumas características que surpreendem. Temos observado suas preferências, de como compram, onde compram e o que de fato importa para eles”, disse. “Em nosso modelo de negócio, somos donos da genética das sementes que usamos e compramos as frutas dos produtores que as utilizam.” A executiva destaca que a inovação em termos de sabores é uma questão de planejamento a longo prazo e que necessita da ciência para se ajustar ao “mindset do varejo”.
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Jonna Parker, responsável pelas pesquisas na área de alimentos frescos da Circana, consultoria especializada em comportamento do consumidor, com sede em Chicago, Illinois, explica que os jovens dos dias atuais herdaram o ceticismo da geração antecessora, que lutou para ter visões mais realistas sobre a produção mundial e local de alimentos, inclusive no combate à fome. “Essa geração criou seus filhos para serem incrivelmente conscientes do que está na comida deles”, afirmou a especialista.
Segundo Parker, além de um maior interesse dos jovens pela origem dos alimentos e questões socioambientais, a geração mais recente também dá sinais de mudanças no modo como lida com as refeições. “O que é tão interessante sobre consumidores mais jovens é que eles não comem mais como a sociedade americana. Há, de fato, um marco geracional: consumidores mais velhos, de 45 anos ou mais, costumam ter três refeições por dia, enquanto os da geração Z muitas vezes dispensam o almoço”, indicou.
Para ela, o pensamento comum sobre marcas, variedades e exploração parte do princípio de que “muitos de nós estamos acostumados com a loja tradicional”, com deslocamento físico, enquanto as escolhas da geração Z têm sido moldada pelo mundo virtual, onde comprar qualquer coisa por seu celular é parte da vida deles, e isso muda o que vai para as prateleiras de ambos os modelos de negócio. “Muitas pessoas se enganam ao falar da diferença entre os consumidores tradicionais da geração X, baby boomers e os mais jovens porque esperam que eles se tornem pessoas como nós – mas isso não vai acontecer.”
Parker diz que no seu dia a dia adora a função de webscraping, uma técnica para extrair informações da internet de forma estruturada nas seções de comentários, o que tem levado, na história do marketing, um levantamento de dados nunca visto neste setor. Ela alerta que a principal característica da Gen Z, criada pela Gen X, é o ceticismo filosófico, ou seja, desconfiar de tudo. E que, enquanto a Gen X falava sobre isso, a Gen Z está colocando em prática esse ceticismo. “Eles criaram esses filhos para serem incrivelmente conscientes do que vai na comida deles”, diz Parker. “Então, eles estão mais informados e acho que nesta geração, nós subestimamos a quantidade de sabedoria que eles têm e como eles querem saber ainda mais.” Uma das consequências já em curso e de fato perceptível nas gôndolas é uma tendência forte para produtos menos processados nessas escolhas do dia a dia.
Criada em 2001, a Grapery, é uma fazenda no vale de San Joaquin, no sul da Califórnia, que tenta se moldar ao paladar da geração Z, entregando um portfólio variado, com formas e cores incomuns para clientes do próprio país e Canadá. Por exemplo, uvas em forma cilíndrica e não oval, como forma de atrair uma geração “novidadeira”. Jim Beagle, sócio e CEO da companhia desde 2008, disse que a proposta de alimentos com forte apelo visual, inclusive no marketing, se alia bem às demandas das novas gerações: “o que fazemos realmente ajuda as pessoas a escolherem comidas mais saudáveis”.
Beagle afirma que uma das questões mais abordadas em relação a esse tipo de fruta é se elas são geneticamente modificadas, método repudiado por boa parte dos jovens oriundos dos anos 1990. Ele diz que prefere não entrar nessa polêmica, mas que, no caso das uvas – e de muitos outros alimentos – as formas variadas e sabores inusitados vêm de técnicas do melhoramento genético por meio de cruzamentos de plantas. Um exemplo são as uvas sem sementes ou mais doces, que boa parte do público jovem acredita que se injeta açúcar nas frutas. Beagle diz que é preciso dialogar com essa geração sobre todos os assuntos e conta sobre um encontro com esse público. “Era realmente uma audiência da geração Z e foi a conversa mais inteligente, consciente em termos de consumo e respeitosa sobre GMOs que eu já vi. Essa geração tem um jeito melhor de pensar sobre isso do que as outras.”
Dillard, da Driscoll, diz que a criação de linhas de produtos pensando em um público mais crítico tem empurrado a empresa para linhas que ela considera inovadoras e apelativas em termos nutritivos e visuais. Um exemplo é a Sweetest Batch, também com frutas de diversos tipos, cores e sabores. “Durante a Covid, as pessoas ficaram em casa e surgiu uma tendência por aperitivos. Os berries (frutas vermelhas) se tornaram, nesse processo, um grande item de venda”, afirma. A fazenda havia lançado um ano antes, em 2019, um berry rosado, hoje tão relevante nas prateleiras dos EUA quanto o tahine e um composto de cebola. “Estamos vendo que as pessoas dessa geração realmente querem provar sabores mais exóticos.”
De acordo com Parker, da consultoria Circana, não é fácil criar novas modas alimentícias ou simplesmente se adaptar às demandas que ainda estão sendo decifradas pelo mercado. Segundo ela, nos EUA, 80% dos novos alimentos falham e apenas 5% dos produtos lançados em 2023 ainda estão nas prateleiras. No caso dos estadunidenses, a especialista faz uma análise mais ampla, em termos econômicos, do contexto em que são feitas as inovações: “o valor dos alimentos, num ambiente inflacionário, tem um peso relevante em tudo que fazemos. O custo da comida e bebidas no varejo, antes de entrarmos na questão da variedade, é importante”, também, para esta geração.
No caso da realidade dos Estados Unidos, a consultora de mercado lembra que o custo da alimentação no país subiu 34% desde 2019 — ao mesmo tempo, os salários subiram 18% no período. “É preciso levar em consideração como a geração Z e até mesmo os millennials (nascidos entre 1980 e início dos 1990) chegaram a essa idade durante uma recessão. Primeiro, houve um ataque terrorista (11 de setembro de 2001), depois uma crise econômica (iniciada por uma bolha imobiliária, seguida de um efeito dominó na economia, em 2008) e, agora, a inflação após o Covid (2020 em diante).”