A fazenda Marupiara, localizada em Paragominas, município paraense de cerca de 100 mil habitantes a 300 quilômetros da capital Belém e do mar, cria gado em 20% de sua área, deixando 80% de floresta nativa intocada. Mas isso é o que manda o Código Florestal Brasileiro, de 2012, e cumprir a lei não é mais que obrigação.
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Porém, ao colocar uma lupa sobre os 4.356 hectares da fazenda de Mauro Lúcio Costa, 59 anos, que comprou a área há 26 anos, ela mostra como a pecuária de um município criado no início dos anos 1960, em um movimento de ocupação do interior o país, pode se reinventar a partir de uma floresta nativa como protagonista do negócio e se tornar referência. E, para que não haja dúvida do empreendimento eficiente, enquanto a média anual de ocupação das pastagens no Pará é de 1,4 bovino por hectare, na Marupiara ela sobe para 10 animais por hectare.
“Na vida, trabalho com princípios e não com regras, porque regra é obrigação. Princípio é lifestyle, é estilo de vida. Meu princípio na pecuária é o da reciprocidade: quanto mais eu cuido da natureza, mais a natureza cuida de mim”, afirma Costa. Ele conta que, ao receber visitas na fazenda, sempre é questionado quanto ao motivo que o leva a “fazer mais do que está no Código Florestal”. “E eu respondo: porque o código é regra, é para te deixar na legalidade.”
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Resultado da sincronicidade homem-natureza-pecuária, no ano passado a produtividade do rebanho da fazenda Marupiara foi de 969 quilos por hectare, o equivalente a mais de seis vezes a média brasileira, que é cerca de 150 quilos por hectare.
O lifestyle que começa na floresta de Costa passa por uma parceria com o Museu Emílio Goeldi, com sede em Belém, onde, desde sua fundação, em 1866, como primeiro parque zoobotânico do país, seus pesquisadores estudam cientificamente os sistemas naturais e socioculturais da Amazônia. “Eu queria entender qual a riqueza da floresta”, afirma Costa. “Muita gente entende que a riqueza da floresta está na madeira. Não é verdade. A riqueza da floresta se chama biodiversidade.”
Os pesquisadores do museu frequentam a fazenda Marupiara há 13 anos, com a mais recente visita tendo sido realizada em agosto e coordenada pelo geógrafo Jorge Gavina Pereira, doutor em biodiversidade da Amazônia Legal, atualmente pesquisador da Cocte (Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia) do Emílio Goeldi.
“Há outros pesquisadores – por exemplo, um que vai só para estudar os morcegos, porque eu preciso entender o impacto que estou causando”, diz Costa. “Entender o que acontece traz muita credibilidade. O legal da biodiversidade é que ela não pode ser uma inconsequência contada em verso e prosa só por mim. Ela tem de ser validada por quem a entende.”
Em parceria com cinco vizinhos, juntando todas as áreas de reserva legal de mata nativa, o atual maciço florestal contínuo e monitorado ao redor da reserva da Murupiara é de cerca de 25 mil hectares. “Se trabalhar errado, ao longo do tempo a biodiversidade vai sumindo, vai se degradando”, afirma Costa, que, no caso de sua fazenda, percebe o contrário: ela vem aumentando.
“Desde 2012, fazemos o que chamam de enriquecimento de reserva legal, plantando árvores dentro das florestas. Plantamos nas Apps [áreas de preservação permanente], porque a ideia é entender o que a floresta tem de biodiversidade que pode ser estendida às pastagens”, explica.
A área de produção da fazenda é de cerca de 870 hectares, dos quais as pastagens para o gado ocupam 340 hectares. Nessa área, também já foram plantadas árvores nativas, um total de 36 mil mudas em corredores de pastos que têm 100 hectares cada. “Elas começaram a ser catalogadas, mas olhe só a reciprocidade da natureza: enquanto eu plantava nos corredores uma árvore de cinco em cinco metros, a natureza ia lá e plantava de cinco em cinco centímetros na sequência, com suas sementes. O trabalho de plantio que a natureza fez não tem ser humano que consegue fazer igual. Hoje, tenho corredores de árvores formados nas pastagens que eu nunca plantei, o serviço foi da natureza.”
Floresta é a resposta
O estado do Pará, de 1,25 milhão de quilômetros quadrados, ou 14,6% do território brasileiro, está integralmente inserido no bioma amazônico. É como ter duas Franças, incluindo a ilha da Córsega. O Pará detém o segundo maior rebanho bovino do país, com 24,7 milhões de animais, atrás apenas de Mato Grosso. As áreas de pastagens ocupam o equivalente a 15,5% do território, com um abate anual da ordem de 2 milhões de bovinos.
A tecnificação da criação tem evoluído, com maior uso de rotação de pastos, adubação e melhoria genética, mas os produtores ainda guardam na memória o final dos anos 2000, quando o estado foi classificado entre os maiores desmatadores do país pelo governo federal. Muitos de seus municípios entraram em uma lista negra e sofreram severas sanções.
O município de Paragominas, que se diz “colonizado pela pata do boi”, estava entre os maiores desmatadores, mas também foi o primeiro a sair da lista. Questionado sobre o que resta daquela época, Costa para de falar e pensa por alguns segundos: “Acho que restam as experiências. Foi um aprendizado, um momento de explosão em que ficou tudo destroçado e tivemos que correr para salvar o que restava e reconstruir”.
Entre 2009 e 2015, Costa foi presidente do sindicato rural de Paragominas e um dos nomes do movimento seguinte, o dos municípios verdes. Curiosamente, ele conta que nunca se viu como um ambientalista, mas como a voz de um produtor que precisava ganhar o sustento por meio da pecuária. “Fiquei com a fama de ambientalista, porque, para produzir, a questão central está no meio ambiente, onde estou inserido – e é daí que vem a minha pecuária por princípios.”
Atualmente, sua bandeira é a da rastreabilidade do rebanho: saber, registrar e monitorar toda a vida de um animal, do nascimento ao abate, demanda cada vez mais forte no mercado comprador de carne. Em meados de novembro, ele era uma das principais vozes no evento Diálogo Boi na Linha, promovido em Marabá, a 390 quilômetros de Paragominas, pelo Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), ONG criada em 1995, com sede em Piracicaba (SP), e que atua na promoção de práticas sustentáveis nas cadeias produtivas da pecuária e da agricultura. “Na Marupiara, a gente identifica os animais desde 2002.
A rastreabilidade é fundamental como ferramenta de gestão de uma propriedade. Mas nossa cultura diz que seu uso é obrigatório, e isso é ruim. Quando a rastreabilidade for também um princípio para o criador, ela passa a ser lifestyle”, diz ele. Costa relaciona o boi da floresta biodiversidade com uma garrafa de vinho que pode custar “até US$ 100 mil porque tem gente que paga por ela”. E completa: “Lógico que vou fazer uma carne macia, suculenta e gostosa, mas, se ela tem biodiversidade, ela conta uma história para o consumidor. É isso que queremos”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 114 da Revista Forbes, acessada por aplicativo (android e iOS)