A rede de origem francesa Carrefour terá um novo tipo de gôndola em suas lojas no Brasil, especialmente suprida de produtos com origem indígena, quilombola e da agricultura familiar. São rótulos que estarão nas prateleiras do grupo, como os chocolates da Na’Kau, embalada com a imagem da produtora extrativista Meire Castro, 59, que há 18 anos trabalha com cacau; as castanhas-do-Brasil da Pi’y, coletadas pelo povo Kayapó na floresta amazônica; ou geleias da Deveras, feitas de várias frutas pela chef Carla Pernambuco, culinarista e pesquisadora.
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Até 2026, o Carrefour colocará em 50 das suas 115 unidades no país os produtos de 25 empresas que processam matérias-primas de nove municípios da Amazônia e um do Mato Grosso, incluindo o açaí, babaçu, cogumelos, cumaru e pimentas como a cumari, entre outros. O programa Floresta Faz Bem, anunciado na sexta-feira (19) durante o Dia dos Povos Indígenas, começou a funcionar de forma experimental em duas lojas em São Paulo e em breve estará também em Brasília. Em 2023, o Carrefour faturou R$ 115 bilhões no país.
“O projeto é muito similar ao que aconteceu com o orgânico e produtos de origem vegana. Conforme o cliente entende o que está à sua frente, vamos expandindo a linha de produtos e os volumes negociados com os fornecedores”, diz José Rafael Vasquez, CEO do Carrefour Varejo. De acordo com o executivo, com o tempo os produtos poderão ganhar espaço nas prateleiras gerais, concorrendo com os demais. Para ele, mais do que visibilidade e reputação, o projeto representa um nicho importante para os negócios.
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Não por acaso, o ministro Paulo Teixeira, do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), foi convidado para o lançamento em São Paulo e aceitou o convite. “A agricultura familiar tem produtos maravilhosos. O grande problema é como vendê-los, como levá-los ao mercado. O Carrefour está dando um bom exemplo e nós esperamos que as demais redes de supermercados possam também adotar”, disse ele, num dos hipermercados da rede, na zona oeste da cidade. “O consumidor que está preocupado com a Amazônia, com o futuro do planeta, com o clima, tem agora uma gôndola de produtos da floresta, produtos certificados, produtos sustentáveis”, declarou após degustar chocolates recheados de cupuaçu e café robusta.
De acordo com o ministro, a varejista inaugurou uma nova forma de apoio à agricultura familiar, que se soma a outras quatro modalidades públicas de subsídio: o programa de aquisição de alimentos; a alimentação escolar; as compras de alimentos para órgãos públicos, institutos e universidades federais; e a compra de plantas medicinais e fitoterápicas. O PPA (Programa de Aquisição de Alimentos), por exemplo, em 2023 contou com um orçamento de R$ 750 milhões para estimular a agricultura familiar e garantir a nutrição de 20 milhões de pessoas em situação de insegurança no país, tarefa que é uma das atribuições da pasta.
Ligando os pontos entre campo e varejo
A empresária paulistana Letícia Feddersen, 52 anos, é uma das fornecedoras do Floresta Faz Bem. Ela criou, junto com o marido Peter Feddersen, em 2018, a marca Soul Brasil, que apoia 30 produtores de comunidades indígenas ou quilombolas, sendo 10 na Amazônia. A marca produz 75 itens, entre eles chutneys em diversos sabores e que são o carro-chefe do cardápio, misturando pastas de manga com temperos indígenas, além de pimentas desconhecidas para o grande público urbano, mas que brotam em quintais nas casas dos moradores da floresta amazônica. O Brasil, diz ela, é “um berço de pimenta”, citando algumas variedades que comercializa, como a fidalgo, murupi e bode.
Letícia já fornece especiarias para empórios e o Sam’s Club, mas aposta no Carrefour terá as maiores vendas por conta do tamanho da rede e o potencial de crescimento do programa. “Hoje, trabalhamos com oito ingredientes da Amazônia. Estamos lançando agora o cupuaçu de Rondônia. Isso pode parecer básico, mas trazer um cupuaçu congelado de Rondônia para São Paulo é difícil, por causa da logística”, diz ela. “Costumo dizer que o Brasil não é só sabor, mas é saber. É isso que a gente quer passar. Os sabores da biodiversidade, mas também os saberes, as histórias. É isso que encanta.”
Outro exemplo de produto que concorrerá nas prateleiras é o shake desenvolvido pela marca Mazô Maná, produzido com 14 ingredientes amazônicos, entre eles o cacau, o cajá e o cumaru, sendo os dois últimos componentes pouco utilizados na indústria alimentícia tradicional. O shake vem sendo elaborado há dois anos, com pesquisas em 70 comunidades amazônicas, pelo empresário Marcelo Salazar, que trabalha há 25 anos na região e tem escritório em Altamira (PA).
A publicitária Sabrina Aimee, gerente de marketing da companhia, afirma que o shake de proteína – uma promessa para os frequentadores de academias – é um concorrente de peso para o whey protein convencional e que os ingredientes são um novo atrativo para esse mercado. “Hoje, temos mais de 227 espécies de plantas que podem ser produzidas em larga escala pelos povos originários”, indica Sabrina, citando um estudo publicado na revista Science em 2013 para mostrar que mais de duas centenas de tipos de árvores representam cerca de 50% da cobertura vegetal na Amazônia, entre 16 mil espécies existentes. “A Mazô Maná tem como missão divulgar esses ingredientes, essas frutas riquíssimas em nutrientes, minerais e vitaminas.”
As vantagens para seduzir consumidores estão na ponta da língua, com o camu-camu, um fruto exponencialmente mais dotado de vitamina C do que a acerola e a laranja. “O shake pode ser um lanche saudável, uma boa opção para o café da manhã, um pós-treino. São 19 gramas de proteínas, é um alimento proteico e, além disso, super completo com fibras, minerais, tudo isso plant-based e cultivado pelos povos da floresta”, diz Sabrina.