Novos tipos de análise dos talhões, com maior precisão no manejo das pragas e na hora do plantio, IA (inteligência artificial) e ChatGPTs exclusivos para consultas sobre a produção agrícola são tendências na caixa de ferramentas das maiores empresas do agro. Entre elas, três gigantes — a Basf, Bayer e Syngenta, que faturaram juntas R$ 336,4 bilhões no setor, globalmente, em 2023 — levaram à 29ª Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), encerrada sexta-feira (3) em Ribeirão Preto (SP), uma série de novidades que, garantem, vão elevar a produtividade do campo na próxima safra. Para essas companhias, o que vale num evento de inovações é fundamentar conceitos com potencial de revolucionar as cadeias de alimentos, fibras e bioenergia.
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Multinacional de origem alemã que movimenta por ano mais de dez bilhões de euros (R$ 50,5 bilhões) em vendas para o setor rural, a Basf atualizou seu pacote tecnológico para o monitoramento das lavouras com três lançamentos. Agora, as tecnologias incluem a identificação de ervas daninhas nos canaviais prontos para colheita e faz análises de terreno destinadas à gestão nutricional da plantação e semeadura em taxa variável, ou seja, que indica onde se deve colocar mais ou menos sementes (mais quando o solo é menos produtivo e vice-versa). O custo é de R$ 1 por hectare, na licença padrão de pelo menos 4 mil hectares contratados.
Almir Silva, o diretor de soluções digitais da Basf, explicou à Forbes Agro que o xarvio Field Manager reúne todas as opções de IA oferecidas pela companhia. A plataforma foi criada em 2016 (em 2019, lançou o primeiro serviço de mapeamento de plantas daninhas) com a sobreposição de mapas de satélite (powerzones), que agora são elaborados em até 48 horas via drones, de fazenda em fazenda.
“Não basta gerar os mapas, mas integrá-los à operação”, diz Silva. “Através deles, entregamos ao produtor a possibilidade de colocar os dados na máquina agrícola, e ela segue o que o programa orienta, aplicando os insumos na dose certa somente nos locais onde precisa.” Atualmente, o xarvio atende 11 milhões de hectares de diversas culturas no Brasil, com 12 mil clientes que recebem o suporte técnico de equipes distribuídas por região.
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O aumento de produtividade esperado é de 2,2% na soja, 5,4% no milho e 2,4% no algodão. Na cana-de-açúcar, a otimização de insumos pode chegar a até 90%.
A Basf investe anualmente 950 milhões de euros (cerca de R$ 5 bilhões) em pesquisa e desenvolvimento, propiciando uma economia de 60% nos insumos. “A agricultura 4.0 já é uma realidade. E passa por isso: como tratar, não mais a fazenda como um todo, mas em nível de talhão. O que recomendar, plantar e aplicar para ter uma gestão muito mais precisa. É o futuro”, diz Silva, destacando que antes os produtores buscavam máquinas de ponta, hoje eles buscam as melhores ferramentas digitais. “Todo nosso investimento em P&D permitiu nos tornarmos uma empresa de soluções agrícolas, que envolvem vários produtos, serviços e tecnologias que, combinados entre si, entregam hoje esse valor para o cliente.”
Graças à escalada tecnológica, a produção de grãos no Brasil cresceu 300% entre 1997 e 2020, enquanto a área plantada avançou 60%, estima a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Produzir mais, sem o aumento concomitante do espaço, isto é, investir em produtividade, é uma das diretrizes da agropecuária brasileira, o que está em linha com o alerta da FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) de que é preciso aumentar algo entre 60% e 70% a oferta mundial de comida para atender à população de 2050, que será quase o dobro da atual. O Brasil, considerado o “celeiro do mundo”, responderá por 8% do fornecimento de alimentos nesse contexto.
Os investimentos em IA no agronegócio, que incluem agricultura de precisão, previsão de safras, detecção de pragas e doenças e outras ferramentas, como o rastreamento e precificação, serão na ordem de US$ 4,7 bilhões (R$ 23,5 bilhões) por ano até 2028, segundo estudo publicado em março pela consultoria europeia Statista.
No setor rural brasileiro, 84% dos agricultores já utilizavam pelo menos um tipo de solução digital até 2020, revelaram naquele ano a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e o Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais), embora somente 37% dos imóveis rurais do país tenham cobertura 4G em toda área de uso agropecuário, segundo a ConectarAgro.
Tecnologia além da porteira
Sheik Feroz, diretor de informação e digital da Syngenta, destaca ainda a importância de tecnologias adjacentes à atividade rural, fora da porteira. “Há muita empatia pelas fotos das lavouras (mapeamento dos talhões) via satélites, drones ou até mesmo mais perto da terra, mas há outras tecnologias que estão acontecendo no campo e ao redor do campo, como as finanças, com as fintechs, assim como novos tipos de inteligência artificial”, afirma o engenheiro indiano sediado na Basileia (Suíça).
A multinacional chinesa de origem suíça, com faturamento de US$ 32,2 bilhões (R$ 163,2 bilhões) em 2023, levou quatro novas soluções à Agrishow, tecnologias que agora fazem parte da sua plataforma Cropwise. Além de dois novos tipos de varredura que permitem a modelagem de dados, big data e análises preditivas sobre a incidência de anomalias e nematoides nas lavouras, a partir da sobreposição de informações obtidas nas safras anteriores, a Syngenta também está apostando no Balance, solução logística que oferece um maior controle sobre custos de produção, que promete eficiência a processos como compras, finanças e estoques.
O agricultor pode gerenciar, com ela, aspectos agronômicos, administrativos e financeiros num único programa, do início ao fim da safra. “Nossas tecnologias contemplam todo o ciclo agrícola, da decisão de plantar ao almoço”, diz Feroz. “Todas as indicações, até agora, são de que há uma grande demanda e esperamos que essas novas soluções alcancem os agricultores muito rapidamente.”
Os oráculos das fazendas
Já em 2023, discutia-se na Agrishow qual seria a utilidade do ChatGPT (transformador pré-treinado generativo, na sigla em inglês) para o agronegócio. Essa espécie de IA, vale lembrar, que imita a linguagem humana natural e desenvolve conteúdo com potencial criativo ilimitado, passou a ser oferecida ao público em escala global em 2022 pelo laboratório americano OpenIA, que hoje fatura US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) por ano, esperando dobrar esse número no ano que vem. Atualmente, o site recebe mais de 1,6 bilhão de visitas diárias.
Tendo isso em vista, a Bayer fechou uma parceria com a Microsoft para desenvolver o primeiro ChatGPT do agro. A empresa de origem alemã, há mais de 100 anos no Brasil e que faturou 23,3 bilhões de euros no setor (R$ 127,2 bilhões, sem incluir os produtos farmacêuticos) em 2023, fez uma demonstração na feira do que será o AgroCopilot, uma IA para consultas amplas e exclusivas sobre qualquer assunto relacionado às safras.
A tecnologia será parte da plataforma que as companhias estão desenvolvendo juntas, a Adma, alimentada com informações de dezenas de fabricantes de máquinas agrícolas (a princípio, são 50 parcerias nessa área), fornecedoras de insumos e produtores rurais.
A Bayer investe 6,5 bilhões de euros (R$ 35,5 bilhões) por ano em P&D. “Por que a gente se juntou à Microsoft? Porque temos um conhecimento muito grande de agricultura, que ela não tem. E a Microsoft tem o know-how digital, de inteligência artificial, de novos produtos. Nessa junção, estamos montando uma plataforma onde todas as empresas do agro podem se conectar”, explica o agrônomo Guilherme Belardo, head de soluções em data e nuvem para América Latina da Bayer.
“Através dos dados, os agricultores poderão fazer perguntas como se fosse num ChatGPT. Antes, se eles quisessem fazer uma análise — saber qual é o melhor híbrido daquela safra, qual a melhor variedade, que produziu mais dentro da área dele — teriam que olhar nos mapas e verificar: aqui produziu mais, aqui produziu menos. Agora, com essa ferramenta, ele digitará qual foi o melhor híbrido e variedade na safra de 2023 e já terá uma resposta”, diz ele.
A Syngenta informou, na Agrishow, que vem desenvolvendo uma tecnologia parecida, mas está mais atrasada em relação à proposta da Bayer. No stand da companhia, havia apenas um teaser sobre esse outro “Google” do agronegócio, que se chamará IA CropWise e deverá ser lançado ainda este ano.
Por que o manejo do carbono entra na lida
As tecnologias que aceleram a remoção de GEEs (gases de efeito estufa) estão baseadas em dois conceitos: CCS (captura e armazenamento de carbono, na sigla em inglês), destinadas aos poluentes já emitidos na atmosfera; e a CCUS (captura com utilização do carbono), que prevê o uso do carbono já capturado como combustível, por exemplo.
A Bayer, com o seu PRO Carbon prevê incrementos de 11% na produtividade ao intensificar a adoção de práticas conservacionistas e um aumento médio de 16% no sequestro de carbono no solo. A expectativa da empresa para a safra de 2024/25, é alcançar 1 milhão de hectares entre produtores participantes, fornecendo a mensuração da pegada de carbono para os cultivos da soja e milho de cada um deles.
A ferramenta auxilia na construção de planos de manejo para sequestro de carbono no solo e redução de CO2 na atmosfera, personalizando a lavoura em fatores como a quantidade de espécies plantadas, dias de solo descoberto e rotação da palhada. A solução recomenda seis mixes de cobertura vegetal, englobando 17 variedades alinhadas às características de cada bioma do país.
“O PRO Carbon fornecerá uma visão mais gerencial das propriedades e apoiará os consultores e agricultores a partir do próximo semestre”, diz Fábio Passos, líder do negócio de carbono da Bayer para a América Latina, em coletiva na Agrishow. “Parcerias dentro da cadeia de valor do agronegócio terão um papel crucial para ajudarem as soluções de agricultura regenerativa a ganharem escala.” De acordo com ele, a base de dados da tecnologia foi desenvolvida com mais de 300 mil coletas de informações, numa base de 1,9 mil produtores, ao longo dos últimos três anos.
Para Sheik Feroz, que além de diretor da Syngenta, também faz parte da diretoria do AgGateway, uma ONG global fundada em 2005 nos Estados Unidos para promover a tecnologia da informação na agricultura, a questão da sustentabilidade deve ser uma espécie de bússola para o desenvolvimento de soluções entre todas as empresas do agronegócio na esfera digital.
“As tecnologias são boas, certo? Mas a pergunta é o que podemos fazer com elas. E é aí que temos que falar muito sobre agricultura regenerativa, sobre sustentabilidade. Porque, no final, o foco é a terra, olhando para a saúde do solo como uma estratégia importante.”