“Hoje é o nosso terceiro dia de catástrofe. O que sei agora é que temos de chegar no governo federal, porque a política agrícola é federal, e pedirmos o alongamento das dívidas dos produtores, tanto dos financiamentos de máquinas e equipamentos, como de custeio. E ainda tentar fazer com que esse produtor volte no ano que vem, na próxima safra”, disse à Forbes o médico veterinário Gedeão Pereira, da Estância Santa Maria, em Bagé (RS).
Ontem, sexta-feira (3), até o final do dia, Gedeão esperava por qualquer janela sem chuvas para colher o restante do arroz e da soja ainda na lavoura e tentar voltar a Porto Alegre ainda neste domingo (5). Porque, além de produtor, ele é o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), uma das 27 federações que compõem a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
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Nas áreas com precipitações de 500 milímetros de chuvas, com muitas acima de 600 milímetros, as lavouras estão totalmente perdidas. Nas regiões em que a chuva foi menos intensa, de 200 milímetros a 300 milímetros, os pés de soja começaram a se levantar depois do pico das tempestades. “Todos os produtores esperam abrir uma janela de tempo bom para poder colher, porque senão vai perder também. Porque se o tempo não secar, o grão encharca, incha dentro da vagem, estoura e aí não há como colher”, afirma Gedeão. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado (Emater-RS) informou que ainda restam para colher 1,6 milhão de hectares, o equivalente a 24% da área cultivada.
As perdas até agora são incalculáveis, porque a calamidade que atinge o Rio Grande do Sul desde 1º de maio, com chuvas intensas a partir do dia 26 de abril, segundo o Climatempo, não são iguais para todo o estado. A catástrofe ocorre do centro do estado para cima, uma região altamente produtiva em soja, milho, hortifrutis, uvas para vinhos, além de uma forte agroindústria de aves, suínos e leite. “Essa região muito produtiva está passando por grande dificuldade por falta de logística. Porque as estradas foram danificadas. Caíram pontes, aterros e barreiras”, diz Gedeão. “O primeiro estágio é salvar as pessoas que estão sem alimento e sem logística. Faltam rações para aves, suínos e vacas de leite porque as granjas não conseguem receber os suprimentos.”
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Segundo o presidente-executivo da Organização Avícola do Rio Grande do Sul, José Eduardo Santos, 12 indústrias paralisaram ou reduziram os abates para lidar com os desdobramentos das chuvas torrenciais. “Devido à dificuldade de acesso a algumas regiões, algumas granjas estão no seu limite de suprimento, de farelo de soja e milho”, afirmou ele.
Para Gedeão, que salienta não ser um especialista em vitivinicultura, nas regiões como as de Bento Gonçalves e Caxias do Sul, que estão muito afetadas, de imediato não é este setor que ganha atenção, porque a safra das uvas viníferas já foi colhida. A atenção imediata está nos hortifrutis porque, de quiabo a framboesas, das famosas bergamotas à cenoura, são cultivadas cerca de 50 culturas na região, sem contar as uvas de mesa, além da fruta para o vinho. “Toda alface, couve, cenoura que se come no Rio Grande do Sul vem dessa região”, diz ele.
Em todo o Rio Grande do Sul, segundo a Emater/RS, a fruticultura e a olericultura (cultivo de legumes e verduras) têm um papel estratégico para o abastecimento e segurança alimentar no estado, principalmente pelo valor agregado por hectare nas pequenas propriedades, responsável pela maior parte da produção e com alta ocupação de mão de obra. De acordo com um estudo da Emater de 2023, a geração de renda na fruticultura era de R$ 47,4 mil por hectare e na olericultura de R$ 85,7 mil por hectare. “O estado vai ter de comprar de outros lugares, enquanto apoia esses produtores”, diz Gedeão.
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Do meio do estado para baixo, na visão do presidente da Farsul, os danos são um pouco menos intensos, mas não menos preocupantes. Lavouras de soja e arroz também estão comprometidas. “Essas lavouras foram fortemente afetadas, incluindo o litoral com muita plantação debaixo d’água. De qualquer maneira, se podemos falar de algum consolo, é que a colheita já passou dos 50%, tanto de arroz quanto de soja”, diz ele. “O que foi colhido está em segurança com as traders porque, via de regra, os silos estão em regiões muito bem protegidas, sem problemas de alagamento.” Gedeão se refere às imagens que circulam nas redes sociais de um silo debaixo d’água, no município de Agudo, na região próxima a Santa Maria, como uma questão muito pontual.
Mesmo sem um quadro claro da magnitude das perdas econômicas nas lavouras, Gedeão diz que a partir de agora o foco, o governo federal precisa estar junto com o estado para recuperar a infraestrutura, dando pelo menos uma condição mínima de trafegabilidade. “Muitas pontes, aterros e barreiras se romperam e perdemos o acesso às localidades. Então, é preciso agir muito rapidamente, mas neste momento há dificuldade de prever quanto tempo vai se levar para recuperar toda a infraestrutura.
“Isso agrava também a crise dos produtores, porque nós já viemos de duas frustrações de safra. O Brasil perdeu 30 milhões de toneladas de grãos por falta de chuva, por seca, e agora está perdendo pelo outro lado. É uma coisa maluca, são dois extremos”, diz Gedeão. “Se esse quadro se prolongar ainda mais, os produtores terão que entrar junto ao sistema financeiro, ao Ministério da Agricultura, ao governo, para que o Conselho Monetário Nacional aprove rolar a dívida desses produtores. Não dá para esperar muito porque é uma dívida que tem que ser paga agora em junho.”
O presidente da Farsul espera que isso ocorra pelo caminho de diálogos já aberto com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Temos com ele um diálogo muito positivo. Há duas semanas estivemos em Brasília para falar sobre o próximo Plano Safra, quando ele recebeu o novo plano agrícola proposto pela CNA”, afirma, entidade da qual Gedeão é um dos vice-presidentes para ser lançado. “Temos de caminhar, arrumar soluções, dentro do plano agrícola, principalmente para aqueles produtores que estão altamente afetados.” O Plano Safra 2024/25 em geral é apresentado entre maio e junho e começa a valer a partir de 1° de julho.
Serviço: O boletim das 18h desta sexta-feira (3), da Defesa Civil do RS, contabilizava 265 municípios afetados, 8.168 pessoas em abrigos, 24.080 desalojados, 351.639 afetados, 74 feridos, 68 desaparecidos e 39 óbitos. A Forbes Brasil está na campanha de doações por meio do SOS Rio Grande do Sul (para outras informações sobre como você pode ajudar, entre em contato com as organizações de auxílio reconhecidas)
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