Os consumidores estão se rebelando, cada vez mais, contra sistemas alimentares que julgam causar algum mal. Eles exigem alimentos mais saudáveis, que curem o planeta e sejam benéficos para os trabalhadores, além de serem mais gentis com os animais. Os setores progressistas da indústria alimentícia responderam na mesma moeda, com uma série de novas cadeias de abastecimento e rubricas de produção sob o título “regenerativo”.
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Um dos líderes do movimento nos EUA é a ROC (Certificação Orgânica Regenerativa, na sigla em inglês), com três selos que incentivam a melhoria contínua dos meios de produção. Lançado em 2017, os fundadores entenderam que o orgânico estava entre os padrões mais populares e confiáveis.
A ROC tem hoje mais de 2,3 milhões de hectares cultivados em cerca de 50 mil fazendas, 370 culturas, 118 marcas e mais de 800 produtos. Marcas certificadas como a Simpli, GoodSam e Lundberg Family Farms continuam a acumular prêmios e elogios da indústria, enquanto organizações aliadas, como a Mad Agriculture, comprometeram mais de US$ 50 milhões (R$ 257,5 milhões, na cotação atual) em financiamento para ampliar tais práticas.
Confira a entrevista com Elizabeth Whitlow, diretora executiva da ROA (Aliança Orgânica Regenerativa, na sigla original), sobre o que está impulsionando essas tendências.
O que é a ROC?
A ROA foi criada em 2017, liderada pelas marcas Patagonia, Dr. Bronner’s e The Rodale Institute. Todas essas organizações já trabalham com orgânicos há muito tempo, faz parte do seu DNA. São organizações que realmente questionam os pressupostos do “business as usual”. Elas queriam continuar a apoiar os produtos orgânicos, mas viram muitas oportunidades de realmente promover um sistema agrícola que fosse mais abrangente e holístico.
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A ideia é que os compradores possam ter a certeza imediata de que tudo o que compram terá um impacto positivo em todos os níveis: ambiental, ético e social. E assim as fazendas e produtos ROC atendem aos mais altos padrões nesses três pilares. Isto é, saúde do solo, bem-estar animal e justiça social no trabalho. O ROC é uma organização sem fins lucrativos e que supervisiona o padrão. Trabalhamos com certificadores terceirizados e credenciados. Exigimos produtos orgânicos como base e trabalhamos a partir daí.
A palavra “R”, de regenerativo, parece que está sendo usada em demasia ultimamente. Por que?
Regenerativo se tornou uma palavra da moda. É um termo de marketing muito popular e tudo que seja um termo de marketing popular está sujeito à lavagem verde (greenwashing). Você vê algumas grandes corporações embarcando e querendo reivindicar regeneração e se tornarem regenerativas.
Regenerar é dar vida, trazer vida de volta. Regenerando o solo, regenerando uma comunidade. Não depreciar, não degenerar e afastar-nos de um sistema de agricultura que temos há 75 anos e que é incrivelmente explorador e extrativo. É uma entrada alta, uma saída alta, com alto risco à saúde das pessoas, dos rios, do solo e do ar.
Não se pode apenas encher os bolsos de grandes corporações que promovem esse sistema. Portanto, queremos olhar para a agricultura por meio das lentes de como os povos originários fizeram durante milhares de anos, antes de entrarmos nessa agricultura de base química dos últimos 100 anos. No final das contas, a principal força-motriz do extremo interesse de todos na regeneração são as mudanças climáticas.
Do que fala a ROC quando diz “saúde do solo”?
Estamos muito alinhados com os esforços regenerativos. Você vai manter o solo coberto, basicamente como uma armadura sobre o solo, manter raízes vivas sempre que possível, minimizar a perturbação do solo, afastando-se de lavouras e equipamentos pesados, trazendo biodiversidade sempre que possível ou aumentando a diversidade por meio do cultivo de forrageiras.
Temos exigências de rotação de culturas que vão além da lei federal para orgânicos (isso nos EUA), nos níveis bronze, prata e ouro, em um programa que promove a melhoria contínua. Também tentamos realmente encorajar a rotação de pastagem com os animais e trazê-los de volta para uma vida natural nas fazendas. Portanto, esses são alguns princípios fundamentais.(No Brasil, 95% do rebanho é totalmente criado a pasto, ao contrário dos EUA que utiliza confinamento de forma intensiva).
Quais são os padrões ideais de bem-estar animal?
Reconhecemos 14 diferentes programas de certificações globais, programas de bem-estar animal com padrões realmente elevados. Aprendemos muito com muitos agentes nesse setor. Analisamos os sistemas de pastagem que são certificados e aprovados para o bem-estar animal. Também elevamos os princípios básicos do bem-estar animal: livre de desconforto, medo, fome e dor. Eu diria que o mais importante é a liberdade de expressar o comportamento natural das espécies.
Se forem aves, elas gostam de forragear. Precisam de árvores para se proteger. Não querem ficar em campos abertos com predadores voando por cima. Ou seja, realmente entender as espécies e quais são suas tendências naturais. Também olhar para abrigos adequados e tempos de transporte limitados. Isso é realmente desafiador porque temos uma indústria de carne altamente consolidada e não uma infraestrutura realmente forte para processamento de animais.
A ROC também tem uma componente de trabalho humano e de responsabilidade social. O que isso significa e quais são algumas das oportunidades que ela oferece?
Esse pilar de justiça social é um dos aspectos mais desafiadores do programa. Existem muitas certificações diferentes disponíveis que verificam práticas trabalhistas justas. Fair Trade International, Fair Trade USA, Fair For Life, Small Producer Symbol e Natur. Tivemos algumas dificuldades reais na aplicação do pilar da justiça social, nos EUA em particular, porque alguns dos programas não eram tão difundidos ou não eram tão aplicáveis.
Por exemplo, na análise da segurança alimentar, as práticas ambientais e laborais. E é para compradores realmente grandes. Portanto, não é aplicável a uma fazenda mais diversificada que não esteja realmente vendendo para Costco ou TargetTGT, que são grandes redes de varejo.
Quando falamos de trabalhadores vulneráveis, obtemos cerca de 10% do envolvimento nos nossos canais sociais (como quando falamos sobre a saúde do solo). Precisamos realmente fazer um trabalho melhor, ajudando todos a compreender a situação dos trabalhadores.
Às vezes, eles estão em um ambiente de trabalho classificado como escravidão e outros exemplos realmente flagrantes de exploração laboral. Então, essas são questões realmente terríveis. Estamos trabalhando numa diretriz para agricultores e trabalhadores agrícolas, para que possamos ajudá-los a compreender quais são os seus direitos.
Se você conversar com qualquer uma das fazendas do Norte Global que tenha passado pelo nosso programa de certificação, o que eles verão é como uma força de trabalho capacitada é realmente mais produtiva, o moral é melhor, eles se dão melhor, os equipamentos quebrados são reparados mais cedo. Nossos padrões sociais são bastante fortes. Um dos critérios é conseguir um salário digno. É uma tarefa difícil para os agricultores pagarem um salário digno, mas todos deveriam ganhar um salário digno.
No final das contas, somos uma certificação. Somos um logotipo que é colocado na embalagem para o consumidor comprar alguma coisa. Não podemos ter relações contratuais. Não é o nosso mecanismo. Por isso, ainda acho que há um longo caminho a percorrer para melhorar, mas estamos no bom caminho e o principal é que não queremos ter todo esse foco na saúde do solo sem considerar a saúde das pessoas que trabalham o solo.
Quais os planos futuros do ROC?
A ideia é investir forte no marketing e ajudar os varejistas a explicar aos consumidores por que é importante ter uma certificação de terceiros, confiável e significativa, e por que o orgânico é importante.
Precisamos levar os decisores políticos a compreender todos os belos benefícios que os produtos biológicos trazem. Para ver o que acontece em cada comunidade onde há mais agricultura biológica, mais negócios biológicos, pessoas mais saudáveis, melhores retornos econômicos e mais resiliência. Mas não vou perder meu tempo conversando com pessoas que não acreditam ou acham que é muito difícil. Não, não é muito difícil. Podemos fazer produtos mais regenerativos. E acredito que é apenas uma questão de continuarmos a falar sobre o que podemos fazer em vez do que não podemos fazer.
*Errol Schweizer é colaborador da Forbes EUA. Trabalhou no varejo por 25 anos, dos quais sete como VP de varejo da Whole Foods. Hoje, é membro do conselho, conselheiro e mentor de 20 empresas nos setores de produtos naturais, CPG, cannabis, comércio eletrônico e organizações sem fins lucrativos. Também apresenta o podcast The Checkout.