A gaúcha Grano Alimentos, uma importante produtora de vegetais congelados do país, realizou um feito inédito em sua história de 22 anos de mercado. Nesta quarta-feira (26), ela anunciou a captação de R$ 70 milhões para investimentos por meio do chamado rótulo Social do Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Isso significa que o valor lastreado em recebíveis terá um destino certo, no caso da Grano a agricultura familiar, da qual a empresa depende para tocar seus negócios. A emissão foi coordenada pelo Itaú BBA.
Localizada no município de Serafina, a 220 km de Porto Alegre, nos últimos anos a Grano Alimentos tem trabalhado em parceria com 120 a 130 famílias que produzem legumes e hortaliças. A previsão de faturamento para este ano é R$ 350 milhões, ante R$ 250 milhões em 2023, o que a coloca no mercado como uma empresa de porte médio.
Desde 2019, a Grano cresce na ordem de 30% ao ano e, segundo seus diretores, a captação de recursos vai nessa direção. Mas as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, que devastaram boa parte da produção de alimentos no estado, ressignificam a captação dos investimentos que já estavam em processo antes das intempéries.
“Não foi o gatilho, mas esse recurso vem em um bom momento, por conta das enchentes, onde vários dos nossos agricultores foram impactados. É uma forma da gente manter a sustentabilidade da cadeia pela caracterização social do CRA”, diz Fernando Giansante, CEO da Grano. “O recurso ajuda a manter essa carteira de agricultores familiares por mais dois ou três anos, de forma comprovada que ele foi investido na agricultura familiar, com o vínculo que temos com esses parceiros agrícolas.”
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Wilrobson Bassiano, CFO da Grano, conta que a companhia vem conversando com o Itaú BBA desde o final do ano passado. “Em fevereiro, quando a resolução do Conselho Monetário Nacional restringiu as regras de que só poderia emitir CRA quem ligado ao agronegócio, para nós juntou a fome com a vontade de comer”, afirma. “Estamos muito orgulhosos por essa emissão ser a primeira e de uma empresa média”. Até agora, as captações de crédito no mercado vieram por meio de outras fontes, entre elas programas como o Inova Crédito e Finep. “A gente captou R$ 11 milhões no começo deste ano, mas além dessas fontes o que nos mantém mesmo são as operações de tesouraria”, afirma Bassiano.
Segundo Giansante, nos últimos anos foram realizados investimentos que, do ponto de vista tecnológico, as instalações industriais da Grano estão prontas para operar até 2028, ou mais. O mais recente passo foi o recebimento da certificação do padrão Global de segurança de alimentos da BRCGS, que é uma referência do cumprimento de boas práticas em padrões da indústria alimentícia reconhecida pelo GFSI (Global Food Safety Initiative). A Grano recebeu a certificação com a pontuação máxima.
Giansante conta que o propósito da captação do CRA tem vários matizes, entre eles a gestação de uma nova tecnologia de produto que vem sendo pesquisada e desenvolvida há um ano e meio, mas que, por ora, ele não revela minúcias. “Acreditamos que pode ser uma grande inovação para o mercado, de um produto que já existe. Não é um segredo em si, mas antes precisamos comprovar que realmente conseguimos ter sucesso nesse produto mantendo suas características nutritivas”, e mais do que isso ele não fala. O fato é que parte dos testes nas lavouras foi perdido com a enchentes e precisam ser retomados. Mas também houve perdas fora das lavouras de testes.
Michele Lopes do Nascimento, diretora de sustentabilidade da Grano, conta que além dos lotes perdidos e da lixiviação pontual em algumas lavouras, o que pesou no fim das contas foi o excesso de umidade que perdurou durante o mês de maio inteiro. “Esse excesso de umidade fez com que os agricultores, mesmo naquelas lavouras onde eles não perderam em decorrência da chuva, perderam em decorrência da umidade”, diz ela. “Foi um efeito cascata. Então isso fez com que, por exemplo, no mês de maio, os agricultores e consequentemente as indústrias perdessem 70% do que estava programado”.
Neste momento, o retorno à normalidade está em 90% do usual. De acordo com Giansante, com o apoio técnico aos agricultores, a estratégia da Grano é “puxar para o último trimestre do ano o ue se perdeu no segundo trimestre”. “Vamos plantar mais no último trimestre para compensar a perda de estoque, porque o nosso ciclo é longo”, afirma ele.
Os caminhos da agricultura familiar
Atualmente, a Grano Alimentos compra cerca de 10% da produção nacional de brócolis, estimada entre 250 mil e 280 mil toneladas anuais, o que significa que a empresa responde por 25 mil a 28 mil toneladas/ano. Na indústria de congelados, e não apenas no Brasil, o vegetal é considerado um carro-chefe desse segmento.
“Brócolis e ervilha são os dois principais produtos, por exemplo, na Europa. Mas, no Brasil, o brócolis sai na frente para a indústria de congelados”, diz Giansante. Na Grano, o brócolis representa 50% das vendas. Outro produto de destaque é a couve-flor, mais ervilha, cenoura, escarola, aspargo, milho, vagem, mandioca, entre outros. Além das marcas próprias, a Grano faz congelados para marcas como Seara, Bonduelle e de cooperativas, como a Copacol e a Aurora.
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As famílias produtoras que entregam brócolis e outros vegetais à Grano estão distribuídas em 32 municípios gaúchos, em um raio de até 350 km da fábrica de Serafina Corrêa. A empresa produz as mudas em um viveiro terceirizado e entrega ao agricultor. O viveiro, parceiro há 23 anos, trabalha com sementes de genética desenvolvidas por grandes corporações, como Syngenta e Sakata.
De acordo com Michele, junto com as mudas vai um pacote tecnológico gerenciado por técnicos que apoiam a agricultura familiar na gestão do negócio, como janela de plantio, técnicas de manejo, a variedade adequada de um cultivo para determinada região, manejo de pragas, planejamento de safra, entre outros. “Temos uma cadeia de fomento em que a gente acompanha desde o que é colocado no chão até a decisão do momento certo da colheita em função das melhores condições de clima”, diz ela.
O produtor recebe a visita de um técnico ou engenheiro agrônomo a cada 15 dias e foi esse pacote que levou a empresa a uma grande assertividade no atual período. “Nós entendemos que estávamos em um desafio climático desde setembro do ano passado. Então, usamos estratégias de tecnologia, conhecimento e posicionamos a variedade certa para o produtor. Um pacote tecnológico correto para garantir a rentabilidade e mitigar as perdas de produtividade”, diz Michele, que resume assim os acertos das parcerias: “nós precisamos do volume, o produtor precisa da rentabilidade. Hoje é esse pacote de tecnologia que a gente oferece”.
Os pequenos produtores da agricultura familiar integrados à Grano plantam em um área total que varia de 1.800 hectares a 2 mil hectares. “93% da nossa cadeia é caracterizada como agricultura familiar que, por lei, são pequenos produtores que conduzem o negócio com a família. São áreas, em média, de 5 hectares ou 6 hectares”, diz ela, embora a empresa também tenha parceiros considerados grandes produtores, com áreas de até 200 hectares de cultivo.
A Grano classifica sua carteira de produtores com dois tipos de crescimento, diz Giansante. “Há produtor que ainda está em um nível de produtividade intermediária e que pode chegar a um estágio avançado e tem produtor que ainda tem área que pode ser utilizada, ou ele pode fazer mais safras,” afirma.
“O importante é potencializar. Temos produtores que começaram com a gente 10 anos atrás com agricultura familiar e hoje já não são mais agricultura familiar. Já levam o negócio de forma bastante grande.” Outro detalhe dessa carteira é a relação comercial entre as partes. “Em geral, esses agricultores familiares não têm capital de giro. Então, praticamente pagamos à vista quando entregam o produto e por isso a importância da capital de giro.”
Mas, para o executivo, na indústria de congelados há uma tarefa que vai além da produção e suas particularidades. “No caso do brócolis, a Grano, junto com as outras indústrias vegetais, compram cerca de 20% a 25% de tudo que é produzido no país. Então, não é só uma questão de aumentar a produção, mas converter parte desses 70% a 80% que vai para o mercado in natura, para o mercado de congelados”, afirma. “Precisa trabalhar no hábito do consumidor para ele entender que no congelado não vai perder nutrientes, que não há química, que o produto é minimamente processado e que ele vai evitar desperdício de alimento.”
E mais, que esse consumidor não precisa deixar o in natura, mas ter sempre um congelado em seu freezer. “A gente não quer essa briga do in natura versus o congelado e entende que não é uma disputa de espaço. Mas que o consumidor tenha uma alternativa prática de substituição que ajuda o meio ambiente e o planeta”. Para Giansante, “o mercado vai em frente, porque nos produtos congelados o índice de recompra é altíssimo e significa mais produtos nesse segmento.”