Com inúmeras mudanças acontecendo em diversos lugares do mundo, será possível a sociedade moderna combater a emergência climática, enquanto alimenta o mundo? “Com absoluta certeza podemos fazer a transição de um sistema agrícola convencional para um mais sustentável, enquanto enfrentamos a crise alimentar. E o Brasil pode ser o palco dessa transformação”, disse a economista e socióloga Shalini Unnikrishnan, diretora do Boston Consulting Group (BCG), sediada em Nova York. Ela falou com a Forbes antes de ser uma das painelistas do Brazil Climate Summit, em Nova York.
Shalini, que é mestre em relações internacionais pela Universidade Johns Hopkins, tem uma longa experiência como líder global de impacto social nas práticas de consumo. Ela tem, principalmente, olhos para os mercados emergentes e já esteve em missão das Nações Unidas, na África, sendo hoje integrante do conselho de administração da Fundação Tony Blair, político britânico que já foi primeiro-ministro do Reino Unido.
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No BCG, ela responde por questões relacionadas a impacto social, proteínas alternativas e setor público. Para Shalini, não há como abordar segurança alimentar sem destacar a importância do Brasil para a agricultura global e a aplicação de práticas mais sustentáveis no setor. “O país tem sido progressista e líder em várias práticas sustentáveis, em comparação com outras partes do mundo. Por isso, sem que o Brasil impulsione a transformação agrícola e lidere o caminho, não vamos atingir as metas do Acordo de Paris”, diz ela. Vale lembrar que o principal objetivo do acordo é manter o aquecimento global do planeta bem abaixo de 2°C até o final do século e buscar esforços para limitar esse aumento até 1,5°C.
Das práticas que ela defende e vê o Brasil como liderança está a reorganização do uso da terra. Daí a importância da recuperação das áreas degradadas, que para ela “enverdece” o sistema agrícola. Segundo a especialista, para acabar com a fome não se trata apenas de aumentar a produção agrícola. A segurança alimentar só será atingida se for feito um proveito máximo da terra, de forma a evitar o desperdício e a perda de alimentos, além de cultivar produtos agrícolas com valores nutricionais.
Em 2023, de acordo com o mais recente relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI), divulgado por cinco agências especializadas das Nações Unidas, cerca de 2,33 bilhões de indivíduos no mundo enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave, um número que não mudou significativamente desde o aumento brusco em 2020, em meio à pandemia da Covid-19. E o mais grave: caso as tendências atuais permaneçam inalteradas, cerca de 582 milhões de pessoas estarão cronicamente subnutridas em 2030, metade delas na África.
Por isso, Shalini também faz um alerta: existem desafios nessa caminhada relacionados à uma possível perda de produtividade das lavouras e também na dificuldade de combate ao desmatamento . “Em tempos de transição, é natural que o rendimento da produção (agrícola) seja menor, mas há como administrar”, afirma. “Porque é preciso fazer transição para um sistema alimentar que seja melhor do que o atual no longo prazo, com maior lucratividade e resiliência a eventos extremos.” E está justamente aí o desafio em relação ao desmatamento das áreas nativas. “Com o desmatamento contínuo isso não será sustentável”, diz Shalini.
Um estudo da Global Forest Watch, publicado em abril deste ano pela organização de investigação World Resources Institute (WRI), mostra que a cada semana de 2023 o mundo perdeu uma área de floresta tropical do tamanho de Cingapura. As florestas cobrem hoje cerca de 31% da superfície terrestre.
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Para Shalini, o Brasil pode fazer a diferença à medida que os produtores aumentem o volume de aplicação de práticas agrícolas sustentáveis, porém, com um detalhe: é preciso mais incentivos financeiros, incluindo o governo. “Se o governo, os participantes do setor privado, as cooperativas e a comunidade agrícola escolherem a adoção de práticas mais sustentáveis, ela pode ser feita de uma forma que seja benéfica e vantajosa para todos”.
Para a fundadora da Converge Capital, Marina Cançado, gestora de investimentos, o país precisa de um ‘rebranding’ de sua imagem lá fora. Rebranding, no marketing, é o reposicionamento de uma marca por meio de ajustes que podem ser sensíveis a uma causa ou completos no seu arcabouço. Marina afirma que as estratégias atuais de somente evitar o desmatamento ou reduzir emissões não são mais suficientes para mudar alguns indicadores. Assim, é preciso investir no sequestro de carbono por meio de iniciativas como reflorestamento, instalações de biodigestores em fazendas, mais, justamente, a recuperação de áreas degradadas por meio de sistemas agroflorestais.
“Em 2018, o Brasil estava muito marcado pela questão do desmatamento. Hoje, é visto como um grande hub de soluções em energia limpa e agronegócio sustentável que pode contribuir para vários países e empresas na sua jornada de descarbonização, além de atrair investimentos”, diz ela. “Se conseguirmos fazer um agro mais sustentável, significa que vamos conseguir alimentar o mundo com um uso mais eficiente de recursos.”
Segundo o relatório de Análise das Emissões de Gases de Efeito Estufa e suas Implicações para as Metas Climáticas do Brasil, feito pelo Observatório do Clima, em 2022, o setor agropecuário respondeu por 27% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto o setor de energia bateu em 48% das emissões.