A Comissão Europeia afirmou nesta quarta-feira (2) que deverá propor um adiamento de um ano na implementação de sua principal política de combate ao desmatamento, atendendo a pedidos de indústrias e países.
A lei antidesmatamento exigiria, a partir de 30 de dezembro, que as empresas que vendem soja, carne bovina, café, óleo de palma e outros produtos no bloco de 27 nações provassem que suas cadeias de suprimento não contribuem para a destruição das florestas.
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No início de setembro, o governo brasileiro enviou nesta uma carta à cúpula da UE pedindo que a legislação não fosse aplicada, sob risco de impactar diretamente as exportações para os países da região.
O documento assinado pelo Ministro Carlos Fávaro pedia cautela na lei, visto que o Brasil é um dos principais fornecedores para a UE da maioria dos produtos objetos da legislação. Além disso, o chefe da pasta manifestou preocupação com relação ao impacto da lei antidesmatamento nas nossas relações comerciais.
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A legislação europeia, aprovada em 2022, prevê a proibição da importação de produtos originários de áreas que foram desmatadas a partir de 2022, mesmo em áreas em que o desmatamento é legalizado.
A norma inclui sete setores, sendo a maioria da pauta de exportação brasileira para os europeus: carne, café, cacau, produtos florestais (que inclui papel, celulose, e madeira), soja, e borracha. O óleo de palma, couro, móveis e chocolate também foram incluídos.
As empresas terão que mapear digitalmente suas cadeias de suprimentos até o local onde suas matérias-primas foram cultivadas, mesmo em pequenas fazendas em regiões rurais remotas.
Os críticos dizem que isso é extremamente complexo em cadeias de suprimentos que se estendem por todo o mundo e envolvem não apenas milhões de fazendas, mas também vários intermediários cujos dados não são facilmente verificáveis.
A lei foi saudada como um marco na luta contra a mudança climática, mas governos e indústrias do Brasil à Malásia afirmam que ela é protecionista e pode acabar excluindo milhões de agricultores pobres e de pequena escala do mercado da UE.
Também houve alertas generalizados do setor de que a lei interromperia as cadeias de suprimentos da União Europeia e aumentaria os preços.
Cerca de 20 dos 27 estados-membros da UE pediram a Bruxelas, em março, que limitasse e possivelmente suspendesse a lei, dizendo que ela prejudicaria os próprios agricultores do bloco, que seriam proibidos de exportar produtos cultivados em terras desmatadas.
A proposta precisará da aprovação do Parlamento Europeu e dos estados-membros, informou a Comissão. Ela acrescentou que também estava publicando documentos de orientação adicionais.
A orientação e o adiamento de 12 meses proposto têm como objetivo “garantir o sucesso da EUDR, que é fundamental para abordar a contribuição da UE para a questão global premente do desmatamento”, disse a Comissão, acrescentando que não estava questionando os objetivos ou a substância da lei.
Os líderes da UE enfraqueceram várias medidas ambientais este ano para tentar reprimir meses de protestos de agricultores sobre questões que incluem as políticas verdes do bloco e as importações baratas.
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Tempo para se adequar
Um adiamento de um ano na entrada em vigor da lei antidesmatamento da União Europeia deverá ajudar os exportadores do Brasil a se adequar a regras, enquanto alguns setores questionam o regulamento e tentam tirar dúvidas sobre pontos da legislação que ainda não foram esclarecidos, segundo avaliação da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), que reúne produtores e exportadores de carne bovina do país.
“O pedido de adiamento foi correto, pois tem uma série de dúvidas tanto dos exportadores quanto dos importadores sobre como a legislação seria aplicada, o que seria pedido em termos de documentação”, disse o diretor de Sustentabilidade da ABIEC, Fernando Sampaio. Ele lembrou que o adiamento da legislação sempre foi um pedido do setor no Brasil, o maior exportador global de carne bovina.
“A gente precisa de um tempo para adaptar o que tem hoje”, afirmou Sampaio, lembrando, por exemplo, que o requisito atual da Europa em termos de rastreabilidade é que os animais estejam no sistema oficial de identificação individual de bovinos e búfalos (Sisbov) pelo menos 90 dias antes do abate, por motivos sanitários.
“Isso demanda um tempo, esse prazo pode ajudar o setor a se organizar melhor, estamos conversando com certificadoras, e produtores para definir como será o processo da rastreabilidade”, disse. Embora diga que a indústria está se preparando para atender a legislação “sem ter algum problema no futuro”, o segmento questiona a lei.
“A gente acha que a legislação é ruim no geral, ela cria uma série de burocracias, aumenta custos, cria exclusão na cadeia, fere princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, afirmou.
Sampaio disse que a lei fala sobre a localização das fazendas, de que não podem ter desmatamento após 2020, mas não especifica o sistema que dará garantia para o monitoramento.
“Preciso ter a garantia de que quem vai fiscalizar lá não vai estar exigindo coisas a mais. Por exemplo, se eu olho o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento) e digo que não tem desmatamento, aí o europeu pode olhar outros dados, precisamos saber sobre a validade do reconhecimento das bases de dados nacionais.”
O diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos, lembrou que o pedido da Comissão é uma indicação que precisa ser votada no Parlamento. Mas destacou que “é uma conquista”.
“Para nós é uma sinalização muito importante, dentro daquilo que estamos trabalhando, dentro do que tratamos ontem com a Organização Mundial do Comércio”, afirmou ele, que esteve em Genebra na véspera em reunião da OMC e empresários e lideranças da cadeia produtiva do café para discutir a legislação europeia.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) disse que os novos prazos propostos – 30/12/2025 para as grandes empresas e em 30/06/2026 para as micro e pequenas empresas – podem servir de período de introdução gradual, “contribuindo para que haja uma execução mais eficaz da lei”.
“Independentemente desta (possível) postergação, o setor continua trabalhando para atender as exigências da EUDR. Vale destacar que o mercado europeu representa cerca de 14% das exportações do complexo brasileiro da soja e movimenta algo em torno de 11 bilhões de dólares ao ano”, afirmou a Abiove.