A relação com a China começou há pouco mais de cinco anos e desde então se fortaleceu cada vez mais. Em Xangai, Felipe Menéndez, um argentino que, após anos explorando a Patagônia em busca do melhor terroir, decidiu-se por Valle Azul e fundou a vinícola Ribera del Cuarzo, na região do Vale do Rio Negro, na Patagônia, Argentina. Neste local ele conheceu um poderoso empresário interessado em produzir alimentos com matéria-prima argentina, processá-los com tecnologia japonesa e vendê-los no mercado chinês.
Em sua primeira visita à Patagônia, o asiático se apaixonou pelo Vale do Rio Negro, por suas maçãs, peras, frutas secas e vinhos. Ficou encantado com Valle Azul, com a vinícola situada em meio à estepe patagônica, com seus vinhedos ao pé da barda, aqueles enormes penhascos que, em vez do mar como pano de fundo, reluzem com a aridez de um leito seco há milhares de anos.
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O empresário chinês, segundo a área comercial da Bodega del Cuarzo, quis voltar, mas dessa vez trouxe colegas. Eles ficaram igualmente fascinados com as maravilhas da Patagônia e seus vinhos. Hospedaram-se na casa da vinícola, onde Menéndez e sua família ficam quando viajam ao sul. A construção, de um andar e uma generosa varanda, foi feita por uma condessa italiana. Embora a propriedade não funcione como hospedagem, nem restaurante, e não esteja aberta ao turismo, os empresários chineses insistiram. E, quando algo não tem preço fixado, muitas vezes quem deseja, e pode, está disposto a pagar o que for necessário. Assim aconteceu: a Ribera del Cuarzo aceitou os hóspedes, que estenderam sua estadia por vários dias.
No primeiro ano, chegaram quatro hóspedes; no segundo, mais se juntaram, e as visitas anuais continuaram por um tempo. Neste mês outubro, o grupo retornou a Valle Azul, onde se estende esse mítico terroir. Antes de Menéndez comprar as terras, havia sido construído um aqueduto com uma série de bombas para que a água — um bem escasso na região — percorresse três quilômetros e subisse uma inclinação de 50 metros entre o canal e o vinhedo de cinco hectares. Esse vinhedo foi o primeiro a ser plantado ali, ao pé da barda.
Mais de 150 anos na Patagônia
A família Menéndez não é recém-chegada a essas terras. Muito antes de qualquer vinícola local ter interesse na Patagônia, o tataravô de Felipe, José Menéndez, um empreendedor nascido em 1846, tornou-se um dos grandes empresários que impulsionou o desenvolvimento da região mais austral do continente. Visionário, ele não apenas formou uma das maiores companhias de produção e exportação de lã da Patagônia, mas também fundou a empresa de navegação Interoceânica, além de companhias elétricas, telefônicas e uma das principais frotas baleeiras.
“Enquanto meu tataravô José estava na Patagônia, meu trisavô (seis gerações atrás), Melchor Concha y Toro, começou sua vinícola no Chile em 1883. Sempre soube que meu lugar no mundo era a Patagônia, e que dedicaria minha vida ao vinho”, diz Menéndez.
Hoje, após encontrar um rio subterrâneo no deserto, contrariando todas as previsões de engenheiros, com a ajuda de um guia descendente de araucanos que atuou como radiestesista, a Ribera del Cuarzo se expandiu graças a essa fonte de água. Isso permitiu a Menéndez multiplicar por quatro os vinhedos, passando dos primeiros cinco para 27 hectares plantados, principalmente com a variedade malbec, mas também com merlot, pinot noir e petit verdot. Essa descoberta também possibilitou a expansão dos negócios com a compra, há três anos, de mais 360 hectares adjacentes à fazenda, em uma área com céus claros, muitas horas de sol — um fator chave para a videira — e solos ricos em minerais, como cálcio e quartzo, que conferem suculência e frescor aos vinhos.
“Na minha casa, sempre se falava de barcos e da indústria naval, e meu pai trabalhava nos portos. Mas eu sempre gostei do campo e de tudo relacionado ao mundo do vinho. Por isso, comecei a trabalhar com Nicolás Catena quando era muito jovem”, relembra Menéndez, que não apenas desenvolveu sua carreira sob a orientação do homem que revolucionou a indústria do vinho na Argentina, mas também contou com o apoio de Catena e sua filha Adriana para iniciar sua própria vinícola. Atualmente, Catena e Menéndez mantêm um grande vínculo, e Adriana Catena é até sua sócia nessa vinícola.
De US$ 100 a US$ 2 mil em 20 anos
O mercado chinês, explica Rosario Langdon, diretora de exportações da Ribera del Cuarzo, está descobrindo que, além da França, existem outros lugares, muito mais exóticos, onde se produz vinho de alta qualidade, como a Patagônia. “Até o ano 2000, nenhuma garrafa de vinho francês custava mais de US$ 100 (R$ 570), e foi a demanda dos ricos, como aconteceu no Vale do Silício, que provocou a primeira grande alta nos preços da indústria, com garrafas que chegaram a custar US$ 400 (R$ 2.280)”, conta Langdon. “Depois, houve um segundo impulso nos vinhos franceses, promovido pela demanda asiática e russa. Assim, uma garrafa de vinho francês passou de US$ 100 para US$ 2 mil (R$ 11.380) em 20 anos.”
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O mercado asiático, especialmente o chinês — segundo a especialista — aprecia e valoriza novos vinhos do mundo, como os que hoje são produzidos na Austrália e na Argentina, por exemplo. “Mas a Patagônia lhes parece muito exótica e atraente, não apenas pela paisagem exuberante e extrema, mas também por seus costumes, carne e vinhos, que se encaixam perfeitamente nesse cenário”, afirma Rosario.
Ela menciona que, na última visita, os chineses experimentaram uma garrafa de Ribera del Cuarzo puro merlot, o vinho ícone da vinícola, um blend das safras de 2019, 2020, 2021 e 2022. “Separávamos a melhor barrica de cada ano, proveniente de meio hectare dessa variedade, e com isso fizemos uma primeira produção de 600 garrafas magnum para nossos clientes chineses”, afirma ela. “Ainda não estão à venda, mas levamos algumas quando fomos a Xangai.”
Uma garrafa de US$ 1 mil
O que aconteceu? A história se repete, e parece que, quando algo não tem preço de venda, quem deseja está disposto a pagar o que for preciso. “Tínhamos uma ideia de comercialização, mas ainda são garrafas que não estão prontas para o mercado”, informam do departamento comercial da Ribera del Cuarzo. Mas com os chineses “não tem jeito”, se não há preço, eles o estabelecem. E assim fizeram uma oferta de US$ 1 mil (R$ 5.690) por cada garrafa magnum desse Ribera del Cuarzo Puro.
Até o momento, a Araucana Azul era uma das garrafas mais valorizadas da vinícola, com um preço de US$ 100. Em seguida, há a edição Ribera del Cuarzo parcela única, um vinho de US$ 200 (R$ 1.140) no mercado. Agora, por capricho e impulso da demanda asiática, o Ribera del Cuarzo Puro faz sua entrada triunfal, embora os chineses ainda precisem esperar um ano para levarem o tesouro para casa.
“Não vamos liberar as garrafas agora porque queremos guardá-las por mais um ano. E eles aceitaram”, diz Menéndez. “Isso é o que aconteceu com os franceses. A demanda de consumidores dispostos a pagar qualquer preço levou à situação dos US$ 2 mil por garrafa, como mencionamos antes”, afirma Felipe. “E, de certa forma, é o que está acontecendo na Patagônia também. No final, são boas notícias para o mercado argentino. Que os olhos da Ásia se voltem para nós, para a Patagônia e seus produtos, é o melhor que pode nos acontecer para continuarmos crescendo.”