Lá atrás, quando tinha 18 anos, Dadi Marinucci viu pela primeira vez o fruto do cacau em uma plantação que seu pai havia comprado na Costa Rica. No meio da selva, ela viu como a fruta, com sua polpa branca, era partida ao meio e de dentro saía o cheiro de chocolate. Milhares de quilômetros ao sul, no bairro de Belgrano R, em Buenos Aires, na Argentina, ao lado de sua casa, ficava a fábrica que seu pai, um imigrante russo chamado Abrascha Benski, havia fundado para produzir o doce que depois se transformaria em um clássico argentino: o popular bombom Cabsha.
Hoje, é impossível falar da Vasalissa, a chocolateria de luxo que Marinucci criou junto com sua filha Federica, sem mencionar o russo Benski e o bombom Cabsha. No shopping Paseo Alcorta, no bairro de Palermo, uma das referências da moda portenha e que conta com um público de alto poder aquisitivo, há uma foto do patriarca observando os bombons nas vitrines e nas mesas da chocolateria que ele inspiraria com suas receitas.
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Benski e sua esposa, Nicolitza Georgescu, chegaram à Argentina fugindo de guerras e conflitos, primeiro na Romênia e depois no Líbano. O casal desembarcou na América do Sul com desejo de seguir na indústria têxtil — que não deu certo — recomeçando a vida vendendo flores de açúcar na saída dos cinemas até se tornarem os donos de uma grande fábrica de chocolates. Mas não há um pé de cacau plantado em solo argentino, um fruto que requer ambientes tropicais com alta umidade e temperaturas elevadas.
Benski era um apaixonado por doce de leite e criou um bombom que hoje faz parte do portfólio do Grupo Arcor, multinacional de origem argentina especializada na produção de alimentos, guloseimas, chocolates, biscoitos, sorvetes, entre outros. O Cabsha foi vendido no mesmo dia da morte de Benski, em 1984.
Mas o chocolateiro tinha planos de transformar o negócio de massa em um produto premium. E foi o que acabou acontecendo. Anos depois, a filha e a neta de Benski realizaram seu sonho. “Estávamos em minha casa preparando trufas com um livro de receitas dele, no Natal, e Federica me sugeriu começar a produzir o bombom de chocolate para vender. Isso tocou meu coração e não pude dizer não”, conta a filha de Benski.
No início, o negócio começou como uma brincadeira. Investiram US$ 70 mil (cerca de R$ 420 mil na cotação atual) e adaptaram um espaço no quintal de casa para começar a produção. “Ninguém queria nos emprestar dinheiro, mas arrumamos emprestada uma temperadora de chocolate até que pudéssemos comprar uma”, lembra a dupla.
Começaram do zero e livro o de receitas foi o pontapé. Com o objetivo de fazer um produto premium, elas foram conhecer uma feira de chocolate na Alemanha para se atualizar sobre as tendências da época. A estética também desempenhou um papel fundamental na criação de uma experiência de venda. Ambas trabalhavam juntas como fotógrafas — Dadi estudou belas artes e Federica, cenografia —, e colocaram sua criatividade para trabalhar.
Receita para o sucesso
Em 2006, a primeira loja da Vasalissa foi inaugurada em Martínez, uma província de Buenos Aires, após um ano de pesquisa e desenvolvimento da marca. Lá, elas montaram um espaço inspirado nos chás que os pais de Marinucci preparavam aos domingos, com o samovar — uma chaleira russa — e música clássica ao fundo. O nome da marca também veio desse universo, porque se refere ao personagem de um conto de fadas russo, parecido com Cinderela, que fala sobre pais e filhos.
“Queríamos que as pessoas se sentissem transportadas para outra época quando entrassem na loja, mas que o produto fosse o melhor, com as melhores matérias-primas. A caixa de bombons tinha que ser como uma joia”, explica Federica sobre a ideia que hoje se concretiza em sete lojas próprias na Argentina — Recoleta, Martínez, Belgrano, Nordelta, Alcorta Shopping, Unicenter e Palmas del Pilar — e uma loja online.
Assim como a fábrica do Cabsha ficava ao lado da casa de seu fundador, hoje as Marinucci vivem apenas a 10 quadras de sua unidade de produção dos chocolates. “No início, quando éramos poucos, todos os funcionários vinham almoçar em casa. Muitos cresceram conosco”, diz Dadi. Atualmente, a empresa conta com cerca de 80 funcionários e, para o próximo ano, elas planejam investir US$ 1 milhão (R$ 5,8 milhões) em uma fábrica maior, visando aumentar a produção.
Hoje, as Marinucci não vendem apenas chocolates, mas também sorvetes, macarons e outros produtos de confeitaria. Mas foi com a criação de espaços de cafeterias nas lojas que o negócio virou. “Sentíamos que as pessoas queriam ficar, e o café foi uma ótima desculpa. Começamos oferecendo-o de graça até que ele foi crescendo cada vez mais”, diz Federica, lembrando que no início compravam xícaras em lojas de antiguidades para equipar as lojas.
A resiliência de um grande chocolate
Fazer um produto premium também implica um preço de venda elevado, o que pode ser um desafio para atrair clientes em um país como a Argentina. Hoje, uma caixa com 16 trufas e bombons sortidos custa 52 mil pesos (R$ 306), enquanto as figuras, que são chocolate moldados em formatos específicos, como animais, personagens, objetos ou temas festivos, variam de 9 mil pesos (R$ 53) a 46 mil (R$ 271).
A aposta deu tão certo que hoje elas produzem entre 2 e 3 toneladas de chocolate por mês. “Muitos duvidavam que as pessoas estivessem dispostas a pagar o que esse chocolate vale, mas nós não queríamos baixar a qualidade sem pelo menos tentar primeiro. Queríamos fazer um bom chocolate”, afirma Federica.
Segundo as criadoras da marca, a ideia inicial era mirar em um público adulto, disposto a valorizar e pagar por um chocolate de luxo. Mas elas se surpreenderam. “Foi uma descoberta ver como os adolescentes adoram esse chocolate. E as crianças também. Eles vêm comprar para o Dia dos Namorados ou escolher um bombom favorito, como se fosse uma loja de conveniência”, diz Dadi.
Este ano, apesar da queda no consumo, a empresa conseguiu manter suas vendas. A saída, para as sócias, foi diversificar as ocasiões de consumo. Por exemplo, suas caixas são muito procuradas para presentes pessoais e corporativos e representam uma parte significativa das vendas. O mesmo ocorre em ocasiões especiais, como a Páscoa ou o Natal.
Esse é um mérito duplo, considerando que, no mundo, o cacau está em crise. “Houve uma grande seca na África, muitas plantas morreram, e o preço do cacau aumentou quase 50%, o que fez com que as pessoas comprassem menos chocolate de qualidade. Estamos muito envolvidas com causas que apoiam os produtores de cacau — especificamente trabalhamos com o Cacao Trace, para ajudar os agricultores, porque cada vez fica mais difícil para eles produzir”, afirma Dadi. A iniciativa apoiada pelas sócias é um programa da Puratos que busca construir um futuro sustentável e equitativo para o chocolate e produtos à base de cacau. A Puratos tem subsidiárias em 63 países, incluindo o Brasil, e suas operações são gerenciadas a partir da sede em Groot-Bijgaarden, perto de Bruxelas, na Bélgica.
Para 2025, Dadi e Federica estão considerando uma expansão internacional e a Espanha é uma das opções. A marca já teve uma primeira experiência nos Estados Unidos, com um franqueado, mas o projeto não sobreviveu à pandemia. A sócias aprenderam que, se voltarem a tentar os EUA, farão com uma loja própria para cuidar ao máximo do produto e da marca.
Na Argentina, ainda não há previsão para uma nova abertura, mas a dupla não descarta novas oportunidades que possam surgir. “Geralmente, primeiro chega a localização e depois avaliamos”, dizem. A prudência foi o outro legado de Benski. Por isso, elas preferem dar passos firmes e não apressar o crescimento. “As três palavras dele eram ‘paciência’, ‘respeito’ e ‘amor’. Não crescemos rápido, foi devagar. Conforme o que podíamos administrar. E procuramos pessoas que entendessem esses valores”, diz Federica.
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