Susana Balbo é conhecida por ter emplacado o vinho argentino no mundo com o Torrontés, produzido na vinícola que carrega o seu nome, Susana Balbo Wines, em Luján de Cuyo, em Mendoza. Esse trunfo, no entanto, começa em 1999, e faz parte da história de Susana como mulher, mãe, enóloga, empreendedora e empresária do ramo.
Em entrevista à Forbes, a primeira mulher enóloga da Argentina, título que conquistou após se formar em 1981, falou sobre seus desafios. Desde então, ela vem derrubando barreiras para conquistar seu espaço como mulher na indústria do vinho e emplacar a bebida argentina entre as melhores do mundo. A uva branca Torrontés, nativa do país, que antigamente era considerada de baixa qualidade, hoje é o carro-chefe da Susana Balbo Wines.
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Em outubro, Susana foi premiada com o “Decanter Hall of Fame 2024″, prêmio internacional mais significativo da indústria do vinho, selecionado pela revista inglesa especializada, a Decanter.
Agora, Susana Balbo pretende gerenciar a comercialização dos vinhos para os Estados Unidos, o principal mercado da marca. Saiba mais sobre sua trajetória e as perspectivas da enóloga sobre o consumo de vinho no mundo. Confira:
Se a sra. pudesse voltar a 1981 e se encontrar com aquela jovem Susana, que acabava de se formar em enologia com medalha de ouro, o que teria gostado de lhe dizer?
Que ela acreditasse mais em si mesma. Embora fosse muito segura ao fazer os vinhos, eu era uma péssima negociadora do meu próprio salário porque tinha medo de perder meu emprego. E o medo paralisa.
Qual foi o momento mais difícil da sua carreira e como o transformou em uma oportunidade?
Tive dois momentos muito difíceis. O primeiro foi quando passei um ano inteiro sem receber meu salário e estava com muitas necessidades. Financeiramente, estava insatisfeita e enfrentava dificuldades para sustentar minha família e meus filhos. Então, decidi que nunca mais seria empregada de alguém. O segundo momento mais crítico foi quando fui trapaceada na Argentina e quase perdi tudo. Foi aí que percebi que não queria trabalhar para esse mercado porque era muito instável. Isso mostrou que deveria escolher mercados com muito mais cuidado. Com a vinícola, fomos 100% exportadores por muitos anos.
Após a fraude, Susana Balbo jurou que não teria outra vinícola. Em 1999, com US$ 400 mil (R$ 2,3 milhões na cotação atual) que conseguiu economizar com o salário de consultora em várias empresas, Susana fundou a vinícola que hoje leva seu nome. “Se não acreditar no meu próprio projeto, não vou conseguir convencer os outros a acreditarem em mim”.
A crise de 2001 e o congelamento das contas bancárias se tornaram, estranhamente, uma oportunidade para a dona da vinícola Susana Balbo. “O banco assumiu e me pagaram. Quando se fez a pesificação assimétrica, ou seja, a medida de conversão de ativos e passivos financeiros dolarizados em pesos, os US$ 400 mil se transformaram em US$ 600 mil (R$ 3,5 milhões), que eu precisava para montar a vinícola.”
Além disso, Susana Balbo tinha todo o vinho engarrafado a preço de dólar. “Em 2002, o dólar chegou a valer 4 pesos. Então, meu capital de giro triplicou e foi o ponto de partida da empresa”. Quando procurava sócios para sua vinícola atual e alguns pediam a maioria acionária, Susana respondia: “Não vou ser funcionária de luxo de nenhum de vocês”.
O que é mais valioso nessa indústria: o conhecimento técnico ou a intuição?
Ambos, sem dúvida. O conhecimento técnico te ajuda a fazer bons vinhos e te habilita a fazer pesquisas e experiências. Mas a intuição é o mais importante para saber como vender esses vinhos. Essa indústria tem uma particularidade que poucas têm, que é o fato de que, geralmente, não existem contratos de longo prazo. A palavra entre o importador e o viticultor é muito importante.
Falam que a mulher é muito emocional e o homem é mais prático. Isso se vê nos negócios?
Absolutamente. E sabe de uma coisa? As decisões emocionais frequentemente vêm acompanhadas de intuição e, às vezes, são muito mais assertivas do que o pragmático que tenta fazer tudo no Excel.
Como a sra. trabalhou para posicionar a Argentina como uma categoria própria quando, nos anos 1990, os vinhos argentinos estavam na categoria de “outros países”?
Determinamos que a categoria argentina não existia. Em vez de ver isso como uma desvantagem, vimos como uma vantagem, porque nós não nos identificavamos com o “velho mundo”, já que não temos o estilo nem as denominações de origem tão fortes como as da França, Alemanha, Espanha ou Itália. Mas também não éramos do “Novo Mundo”… Éramos como um animal raro.
E como aproveitaram essa particularidade?
Nos transformamos nesse ponto de união entre o velho e o novo mundo. Adotamos a variedade porque é mais fácil (…). Depois fizemos grupos focais em cinco países e vimos que o que mais se destacava da cultura argentina era o futebol, o polo e o tango. Descartamos o futebol porque a Inglaterra era o mercado mais importante e a “mão de Deus” nos jogaria contra. Também mandamos embora o polo por ser muito elitista. Mas percebemos que o tango era
Qual foi a coisa mais ousada que a Sra. já fez pelo vinho?
Fiquei muito magoada quando, aos 24 anos, não me convidaram para o jantar do Dia do Enólogo, comemorado em 22 de outubro, por ser mulher. Mas as pessoas da empresa pediram meus vinhos para resenhar e não sabiam que coloquei o mesmo vinho em todas as garrafas. Quando me disseram que um tinha muita madeira, que o outro faltava harmonia, e que o outro estava muito melhor, comecei a rir. Eu só queria saber quem eram as pessoas que estavam me criticando tanto.
Depois, na China, fiquei perdida no meio do nada porque briguei com um taxista que queria cobrar mais. Ele jogou as minhas malas no meio da rua. Minha filha me disse: “Mãe, isso te acontece por brigar com todo mundo”.
Qual foi o melhor conselho que te deram em toda a sua carreira?
Tive duas oportunidades de trabalho ao mesmo tempo. Uma era ir para vinícola Giol, na Cidade de Maipú, no Chile, como responsável pelo laboratório e a outra, para uma vinícola muito pequena, antiga, destruída, a Sucessão Michel Torino, em Cafayate, um município da província de Salta, na Argentina. Então fui falar com o padre Oreglia, decano diretor da Escola de Enologia “Don Bosco” de Mendoza, também na Argentina, e ele me disse: “Olha, se estivesse no seu lugar, iria para a Michel Torino, porque em vinícolas grandes o talento se dilui. Tudo o que fizer de bom será apropriado por outro profissional que está acima de você.” Em uma vinícola pequena, “o talento brilha e você pode chegar aonde desejar.” Isso ficou comigo para toda a vida. E é verdade.
E a sra. aplicou isso?
Sim, claro. A mesma coisa vale para empreendedores. Eles começam com algo mais simples e aplicam todo o seu talento para provar do que é capaz.
O presente e o futuro do vinho
Para Susana Balbo, o mercado de vinho está mais cauteloso porque a geopolítica tem influenciado os hábitos de consumo. “Os consumidores europeus, preocupados com os conflitos bélicos próximos, estão sendo mais conservadores em suas decisões. No entanto, há uma mudança geracional interessante: A geração Z, ou centennial, consome em menos ocasiões, mas apreciam vinhos de mais qualidade”, afirma Susana. “Os millennials, nascidos entre 1980 e 1990, gastam entre US$ 20 (R$ 114) e US$ 30 (R$ 171) por garrafa, enquanto os centennials preferem beber uma garrafa mais cara, mas também muito boa”.
A enóloga lembra que essa mudança nos padrões de consumo representa uma oportunidade única para a Argentina. “A relação preço-qualidade dos nossos vinhos é imbatível neste momento. Um vinho argentino de US$ 30 (R$ 171) tem a mesma qualidade de um de outro país que custa US$ 60 (R$ 343) ou US$ 70 (R$ 400)”.
No entanto, nos últimos quatro anos, o dólar congelado fez com que o país perdesse competitividade. “Desaparecemos de muitos segmentos do vinho”, lamenta Susana.
Como o câmbio de governo impactou o mercado?
No ano passado, estávamos recebendo 300 pesos por um dólar e precisávamos comprar o dólar blue — tipo de cotação paralela mais usada no país — no mercado negro para poder pagar os barris, as rolhas, porque os fornecedores queriam um dólar “verdadeiro”, como digo, com a cara de Washington.
Com o novo dólar “blended”, que o governo criou para permitir que exportadores usem os dois tipos de dólar e fazer um preço médio de exportação, conseguimos recuperar parte da competitividade. Mas reconquistar os mercados vai ser muito difícil, porque quando você é substituído, precisa dar muitos motivos para que o produto volte a ser lembrado, porque a confiança é perdida.
O que a sra. gostaria de ser lembrada por sua contribuição à viticultura Argentina?
Gostaria de ser lembrada por ter quebrado os estereótipos de que as mulheres servem apenas para o laboratório. De ter contribuído para o desenvolvimento dos novos estilos de vinho na Argentina, com inovação e criatividade. De ter posicionado o Torrontés como um vinho de alta qualidade que o mundo agradece.
Então, como você define o Torrontés?
A variedade nativa mais linda que existe.
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E sobre quebrar estereótipos?
O preconceito que existe contra as mulheres é enorme, porque quando uma mulher vai pedir trabalho em uma vinícola, a primeira coisa que pensam é: “Ela é solteira? Tem namorado? Vai casar? Vai ter filhos?”. Por isso, a mulher sempre negocia em desvantagem.
Isso foi estudado quando fui presidente do W20, um dos grupos de engajamento do G20, composto por mulheres de setores da academia, do empreendedorismo e da sociedade civil, em 2018. Quando a mulher vai negociar seu salário e sua situação de trabalho, tudo isso passa pela sua cabeça. Porque quando houver um problema na escola, vão chamá-la, e o mesmo vai acontecer se ela for responsável por cuidar de idosos, por exemplo.
Hoje, vejo que isso é muito mais flexível. Os homens colaboram mais, dividem mais com as mulheres a responsabilidade da paternidade e maternidade. Mas na minha época não existia isso. Chegava da vinícola e tinha que limpar minha casa, cozinhar e lavar a roupa.
O que é ser uma Mulher Power?
Ser uma Mulher Power é reconhecer que temos habilidades e talentos. Não ter medo do famoso “teto de vidro”, expressão que se refere a uma barreira invisível que impede que um determinado grupo demográfico, geralmente, mulheres, que só existe na nossa cabeça. Também é aprender a negociar suas posições, seu valor, o que você é como profissional e, claro, ser mentora de outras mulheres, ajudá-las a conquistar o que você conquistou, porque senão, você não é uma Mulher Power.
Compartilhei conhecimento por muitos anos, e isso me trouxe muita, mas muita gratidão e reconhecimento por parte dos colegas, porque sempre fui generosa nos testes e experimentos, e os ofereci gratuitamente. Nunca cobrei por isso.
Certa vez me disseram: “Não diga aos outros.” Mas o que acontece é que, se você acha que vai conseguir criar a categoria argentina sozinha, primeiro, é um pecado de arrogância brutal. Porque uma andorinha só não faz verão.
Essa filosofia pode ser aplicada ao país?
Absolutamente. Se o país não diluir essa famosa divisão, vamos continuar vendo a divisão de famílias, amigos, etc. Sempre dividir, dividir, dividir. Em uma operação matemática de dividir, o resultado é sempre menor. Deveríamos multiplicar, não dividir.
Tentei fazer isso, mas não é a mesma coisa. Não é o mesmo quando, em uma organização, todos têm o mesmo objetivo. Gostaria que as instituições públicas copiassem o que as privadas, ou ao menos o que fez a Wines of Argentina, instituição que desde 1993 promove a marca e a imagem país do vinho argentino no mundo, onde todos estão no mesmo barco, remando para o mesmo objetivo. Isso permitiu que a viticultura da Argentina fosse colocada no mapa mundial.
Dada sua experiência como deputada nacional pelo Cambiemos de 2015 a 2018, o que acha que é necessário para que haja uma verdadeira mudança?
Transparência. Porque se há algo que pude comprovar como deputada nacional é que os políticos são uma corporação que só pensa em si e não realmente no cidadão. No final, os partidos se tornam marcas usadas pela direita, pelo centro e pela esquerda. Acho que, se não houver transparência, honestidade, valores compartilhados, éticos e morais, será muito difícil avançar.
Crescimento e expansão da vinícola
Apesar dos desafios do contexto, a vinícola Susana Balbo não para de crescer e expandir. Com um faturamento anual de US$ 12 milhões (R$ 68,8 milhões), produção de 2,5 milhões de litros por ano, 120 empregados e presença em quase 40 mercados globais, a empresa segue inovando.
Entre vinhedos próprios e novos projetos, somam-se quase 100 hectares distribuídos entre Gualtallary, Agrelo e San Pablo, todas províncias argentinas. Na última região, a vinícola Susana Balbo desenvolve seu projeto mais ambicioso: um hotel boutique de montanha junto a um vinhedo sustentável.
Seus filhos também seguiram o legado familiar: Ana Balbo fundou o restaurante Osadía de Crear, em Mendoza, recomendado pelo guia Michelin, e José é enólogo e fundador da Vaglio Wines, um projeto focado em vinhos que expressam o terroir diversificado de Mendoza.
“Se o plano de estabilização do país continuar e for bem-sucedido, não tenho dúvidas de que a Argentina terá um papel muito proeminente na viticultura mundial”, afirma Susana.