Engenheiro agrônomo pela Universidade de Buenos Aires, na Argentina, o caminho de Juan Lariguet apresentou inúmeros desafios que o levaram a aproveitar oportunidades e se reconstruir. Quando ele saiu de sua minúscula cidade natal de cerca de 7 mil habitantes, Intendente Alvear, na província de La Pampa, para estudar em Buenos Aires, uma questão burocrática fez com que não conseguisse iniciar o curso como havia planejado. Mas, em 2008, surgiu a oportunidade de ingressar na Corteva Agriscience, a multinacional norte-americana de produtos químicos e biológicos para a agricultura, mais sementes.
O destino sabia o que estava fazendo. Ele começou na empresa como estagiário de serviços ao cliente. Daí para a frente, Lariguet ocupou diferentes funções, incluindo uma temporada nos Estados Unidos. Mas sua carreira ganhou tração ao se tornar líder da categoria sementes e de marketing para a América Latina. Em 2021, se tornou diretor de marketing para a Região Mesoandina, no México, e desde 2022 é o presidente da Corteva para a região do Cone Sul, formada por Argentina – país em que reside ainda hoje –, mais Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
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“Quando olho para a minha carreira, um dos aspectos que mais valorizo são as relações. O fato de ter criado relações, de trabalhar em equipe, fazer as coisas acontecerem e de sermos um grupo de pessoas envolvidas. Não importa o papel que me coube cumprir dentro da organização, isso é e continuará sendo a ferramenta fundamental como profissional. Porque, se alguém pretende fazer tudo sozinho, fica difícil. Em vez disso, se você soma vontades, esforço e olhares, pode gerar algo muito significativo”, diz Lariguet sobre os 17 anos de carreira que serão comemorados em maio de 2025.
“Tive a oportunidade de viver fora do meu país e foi uma experiência incrível do ponto de vista profissional e familiar. Conheci mais pessoas, mais realidades, mais culturas. No final do dia, esse é o capital que você leva para si”, afirma. Em entrevista à Forbes, Lariguet também compartilha sua visão sobre a economia de seu país e do mundo, os desafios domésticos e globais e como a empresa age agora e se prepara para o futuro:
Quais são os desafios globais aos quais a Corteva busca responder?
Primeiro, a segurança alimentar. Se somos um jogador presente na geração de sementes e biotecnologia, e na proteção de cultivos, para que esses cultivos rendam mais, a segurança alimentar é um desafio global e um motor para nossos investimentos da ordem de US$ 4 milhões (R$ 15 milhões na cotação atual) por dia em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Estamos em um mundo que enfrenta mudanças: somos uma fábrica a céu aberto e o clima é vital para expressar ao máximo o potencial de rendimento de um cultivo. Assim, estamos adaptamos os cultivos às condições extremas, porque queremos estar preparados para produzir mais e melhor em qualquer ambiente.
E, terceiro, a transição energética. Estamos convencidos do papel que o agro pode desempenhar na mobilidade do futuro, por meio da inovação no tipo de cultivos que produzimos. A Corteva hoje está na vanguarda, pesquisando várias espécies nas quais acreditamos que podemos contribuir, gerando cultivos duplos em superfícies onde hoje há apenas um, e criando um negócio para os agricultores, vinculando os produtores de combustíveis com os produtores de terra. Somos uma empresa que quer oferecer soluções inovadoras para os produtores rurais em mais de 100 países onde atuamos.
Como fazem isso?
A Corteva tem seis linhas de negócio nas quais busca gerar seu crescimento futuro, baseado em três desafios. Por exemplo, somos líderes por meio de nossas marcas nos negócios e países em que participamos com sementes de milho, principalmente. Somos líderes na produção de sementes de milho nos EUA (o maior mercado mundial) e queremos ser líderes no Brasil e na Argentina.
Despontamos em alguns países onde atuamos com o negócio de girassol e queremos continuar expandindo esse segmento, além de sorgo e trigo. Sementes são um pilar principal e estão associadas à biotecnologia. A Corteva está determinada a montar pacotes biotecnológicos em que somos proprietários da genética, com a visão clara de abrir essa tecnologia para o mundo.
O que isso significa?
Que outros colaboradores e outras empresas semeadoras locais, em diferentes lugares, possam acessar nosso pacote de genética e tecnologia para que seus clientes adquiram nossa linha de trabalho, que acreditamos ser a melhor em cada um dos países onde atuamos.
E em produtos biológicos?
A partir de nossos investimentos nos últimos dois a três anos, adquirindo empresas e investindo internamente em pesquisa, nos tornamos a empresa líder mundial em produtos biológicos. Hoje, esse mercado é próximo de US$ 10 bilhões (R$ 62,6 bilhões) no mundo em cultivos extensivos e intensivos. É um mercado que tem uma taxa de crescimento composta de cerca de 14% ao ano, nos próximos 10 anos.
A Argentina também pode desempenhar um papel chave. É preciso romper a barreira entre o rendimento atual e o potencial, e a única maneira é ser eficiente no uso de insumos. Por exemplo, lançamos um biofertilizante que é uma bactéria que fixa nitrogênio do ambiente e o fornece para cultivos como milho ou batata, para reduzir essa diferença de rendimento.
Quais outras linhas há?
Adicionamos novos produtos de proteção de cultivos de forma tradicional, com uma química cada vez mais sustentável, onde demonstramos nos cinco anos de existência da Corteva que conseguimos lançar entre 150 e 200 novos produtos (a Corteva Agriscience foi criada oficialmente em 1º de junho de 2019, após a separação das divisões agrícolas da Dow Chemical e da DuPont, que haviam se fundido em 2017 para formar a DowDuPont Inc.)
Por exemplo, para nossa região, estaremos lançando um fungicida voltado para cultivos intensivos, inicialmente. Há muitos novos produtos de proteção de cultivos que se somam ao que já fizemos. Só para destacar o caso mais relevante na Argentina: vem com o sistema Enlist, de controle de ervas daninhas, com uma biotecnologia aplicada em cultivos de soja e milho, por meio da qual os produtores podem acessar uma tecnologia de formulação que permite um amplo espectro de controle das ervas daninhas no campo
Como o sr. vê o futuro?
A edição gênica é o nosso quarto pilar de crescimento. É uma inovação do ponto de vista do que podemos ou não fazer com um cultivo no campo. Por meio dela, podemos acelerar os processos, gerando resistência a doenças ou tolerâncias ao estresse, melhorar a qualidade nutricional dos cultivos ou sua qualidade sob o ponto de vista dos combustíveis.
A Corteva, com mais de 500 patentes, tem uma das maiores capacidades operacionais para edição gênica do mundo. Mas há muitas outras empresas especializadas, então estamos fazendo parcerias. Isso nos ajudará a acelerar os processos de inovação em cada um dos países onde atuamos.
E em biocombustíveis?
Com a crescente demanda por uma transição energética para biocombustíveis, sentimos a obrigação de gerar linhas de trabalho nesse aspecto. Em novembro, anunciamos uma parceria com a BP (British Petroleum), empresa multinacional sediada no Reino Unido que opera no setor de energia, na qual buscamos desenvolver novos cultivos voltados aos combustíveis, no caso para a aviação, mas que podem ser expandidos a vários outros usos no futuro.
Estamos focados inicialmente em dois cultivos: canola e Brassica Juncea (uma espécie de mostarda). Há ensaios na Argentina com essas espécies e estamos convencidos de que o país desempenhará um papel chave na geração de biocombustíveis a partir de cultivos alternativos e de milho.
A Argentina é um dos grandes produtores de trigo. Qual o papel da Corteva nesse contexto? (o Brasil é hoje o seu principal cliente na compra do grão)
O trigo é um dos grandes cultivos globais: 20% das calorias consumidas como alimento no mundo vêm do trigo. Anunciamos que temos uma tecnologia disponível para hibridação de trigo, que pode aumentar os rendimentos desse cultivo nas diferentes bases genéticas existentes no mundo entre 10% e 20%.
O mundo não tem mais tanta terra para plantar, por isso, é nossa obrigação gerar soluções que permitam produzir muito mais, buscando acompanhar o crescimento da população. As tecnologias que podem aumentar o rendimento em 10% a 20% é inovação.
Qual o papel da sustentabilidade no negócio?
Somos uma empresa totalmente comprometida com a sustentabilidade. Produzir mais na mesma área é um pilar fundamental para produzir de maneira sustentável, porque o mundo está crescendo. Além disso, temos o compromisso de reduzir em 30% nossas emissões até 2030. Ao mesmo tempo, nosso crescimento dará a oportunidade para os mais de 10 milhões de produtores com quem fazemos negócios no mundo, de produzir mais na mesma terra.
No caso da Argetina, qual o papel da tecnologia?
A tecnologia teve um impacto incrivelmente positivo na agricultura da Argentina. Estamos diante de uma oportunidade imbatível. Somos uma empresa dedicada a gerar soluções para que esse futuro e essa oportunidade se concretizem. Deve haver um vínculo entre todas as partes, onde o Estado também desempenha um papel fundamental no acesso a essas novas tecnologias. Articulamos permanentemente com o setor público para que a inovação chegue na forma de soluções para os produtores.
Por exemplo, este ano, diante de uma praga, o governo atual permitiu rapidamente gerar soluções. Isso é o que precisamos: um Estado que articule, que esteja disposto a apostar na inovação e na tecnologia. Isso é o que queremos com essa articulação entre o produtor, nós e o Estado: gerar um marco normativo adequado aos desafios que mencionei no início. Temos uma oportunidade tangível no campo. A questão é se estamos dispostos a enfrentar essa oportunidade de forma sustentável, porque não duvidamos da capacidade que a Argentina tem para expandir sua produção e exportação a partir da agroindústria.
O sr. tem planos de voltar ao campo?
Estando na Corteva, estou no campo. Mesmo sem viver in loco, tenho a possibilidade de interagir com toda a cadeia e viver realidades muito além do nosso campo familiar. A riqueza nessa diversidade de situações que eu passo a viver é um capital para mim. Mas, novamente, estando na Corteva, estou no campo.
Sobre caminhos, o sr. já precisou recalcular algum deles?
Temos de ter claro o rumo. E na vida, assim como nos negócios, o caminho não é reto, mas cheio de curvas sinuosas. Um dos principais atributos é aprender a ter capacidade de adaptação. Mas se tem algo que para mim é fundamental, é o poder de ver nas situações difíceis a oportunidade para fazer algo. Depois, veremos o quê. Mas sempre tentar entender os problemas como uma oportunidade. Isso se torna um motor, um combustível para seguir em frente e acelerar ou melhorar as coisas.
Quais são os desafios do seu papel atual?
Como alguém que viveu no campo desde pequeno, ter a possibilidade de liderar uma das grandes empresas voltada 100% a soluções para o agro me enche de orgulho. Ainda mais liderando a região a partir do meu país, sabendo que a Argentina está diante de uma oportunidade ímpar.
Como um dos 10 maiores países agroindustriais do planeta, temos muitas chances de crescimento para o futuro. A Argentina é um país que, nos próximos anos, pode, com a ajuda da tecnologia e a vontade de empreender dos produtores, produzir 200 milhões de toneladas de grãos e cereais, buscando abastecer o mundo com alimentos e combustíveis de maneira sustentável.
Somos o terceiro maior produtor de milho e exportamos 70% como grão, enquanto nossos concorrentes transformam 70% desse milho. Somos o terceiro maior produtor de soja no mundo, mas estamos estagnados em ganho genético, enquanto Brasil e EUA cresceram fortemente na última década. A Argentina ficou para trás por falta de marcos normativos que permitam o investimento.
O que é necessário para que esse potencial se concretize?
Sem dúvida, investimento. O reconhecimento da propriedade intelectual é o maior investimento para o futuro. E é nesse aspecto que coloco a palavra orgulho quando digo o que representa hoje minha função. Somos um ator que trabalha de maneira colaborativa nesta agroindústria. Desde o final de 2021, promovemos o lançamento de um sistema chamado Sembrá Evolução, que é baseado na legislação vigente, reconhecendo nas patentes da tecnologia um eixo central para gerar investimentos em um cultivo tão importante como a soja na Argentina, que parece até louco pensar que há décadas está estagnado em ganho genético para gerar maior produção e maior produtividade.
A partir desse sistema, em colaboração com os principais atores da indústria, o investimento voltou para o país e, depois de décadas, os três maiores bancos de genética do planeta estão investindo na Argentina. Isso está acontecendo hoje com um sistema montado 100% em acordos entre privados, baseado na legislação vigente e sem qualquer tipo de intervenção estatal.
É possível porque há vontade por parte do campo argentino de crescer, de assumir esse desafio de gerar 200 milhões de toneladas, e há vontade por parte das empresas de I&D de acelerar a adoção de novas tecnologias. O investimento e o descobrimento de novas ferramentas são mais rápidos do que o marco normativo. Então, é importante avançar nesse sentido para superar os desafios climáticos que enfrentamos nesta fábrica a céu aberto que é o campo.
Qual é o problema mais urgente da macroeconomia Argentina hoje?
Hoje, nosso maior desafio é passar de 130 milhões de toneladas métricas produzidas para 200 milhões. A Argentina tem ambientes produtivos com a capacidade de entregá-las. Sem dúvida, uma organização da macroeconomia vai gerar previsibilidade para o futuro, como em qualquer indústria, é necessário um planejamento estratégico.
Nossa função é apoiar os produtores para gerar produção de alimentos e biocombustíveis de maneira sustentável e rentável. Nosso maior interesse é alavancar a rentabilidade no setor. A inovação precisa andar de mãos dadas com um crescimento econômico para o setor agroindustrial e para o país. Na Argentina, 65% das exportações vêm da cadeia agroindustrial, se passarmos de 130 para 200 milhões de toneladas, é inevitável que o país cresça. O campo tem o desafio e a oportunidade de ser o motor de crescimento do país.
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