Uma tecnologia emergente promete impulsionar a agricultura digital e impactar profundamente áreas de pesquisa agropecuária: a computação quântica. Com potencial para resolver problemas complexos de forma mais rápida e precisa, essa inovação pode ser aplicada em áreas como agricultura inteligente, modelagem climática, sensoriamento remoto e bioinformática, segundo estudo da Embrapa Agricultura Digital, unidade de Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária localizada em Campinas (SP), com apoio do Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Pesquisas na fronteira do conhecimento, como em computação quântica, podem apoiar a tomada de decisões em diferentes elos das cadeias produtivas do setor de forma mais eficiente, pois envolvem processos com elevado grau de incerteza, desde o plantio até a comercialização da produção agrícola”, diz Édson Bolfe, pesquisador da Embrapa e coautor do estudo.
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Entenda a computação quântica?
O coordenador do trabalho, o pesquisador Kleber Souza, explica que, diferentemente do que hoje se vê em funcionamento em automóveis, aparelhos celulares e computadores domésticos, os novos equipamentos utilizam propriedades da física quântica para realizar operações de armazenamento e processamento de informações e resolver problemas complexos. Tais máquinas têm potencial superior em termos de qualidade e velocidade de respostas ao testarem múltiplas possibilidades e variáveis ao mesmo tempo. Desse modo, vão além da alternativa binária (entre dois caminhos por vez) oferecida pelos computadores clássicos, incluindo os supercomputadores.
Diferentemente dos computadores convencionais, que operam com bits binários (“0” ou “1”), os computadores quânticos utilizam qubits, que podem representar “0” e “1” simultaneamente. Essa característica, conhecida como superposição, permite que esses dispositivos processem múltiplas variáveis ao mesmo tempo, trazendo respostas mais rápidas e detalhadas para problemas complexos.
Quais a aplicações na agricultura?
Na prática, a computação quântica já se mostra promissora em diversas frentes. Em modelagem climática, ela será capaz de melhorar a precisão do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), sistema desenvolvido pela Embrapa e utilizado por gestores para elaborar políticas públicas e por instituições financeiras para embasar a concessão de créditos e cálculos de seguro agrícola.
Na área de fitossanidade, as simulações feitas pela arquitetura quântica ajudarão a identificar precocemente doenças em culturas como soja e milho. O emprego de aprendizado de máquina já resultou em uma tecnologia de identificação precoce de doenças. A computação quântica pode potencializar essas operações.
Na bioinformática, análises de dados genômicos podem ser altamente aceleradas com a computação quântica, beneficiando estudos de melhoramento genético. O estudo também aponta que, no futuro, a tecnologia poderá integrar sensores avançados e algoritmos de aprendizado de máquina, ampliando ainda mais sua aplicação no campo.
Desafios e investimentos necessários
Apesar do potencial promissor, o desenvolvimento de aplicações quânticas para o agro ainda enfrenta desafios. Um dos principais é o custo. Um computador quântico pode custar até US$ 20 milhões, além de exigir infraestrutura avançada, como temperaturas de operação próximas do zero absoluto e ambientes altamente isolados.
Mesmo assim, segundo Souza, o domínio da tecnologia quântica será estratégico para o Brasil. “A pesquisa e a educação [voltadas ao tema] são áreas em que o Brasil também terá de investir para garantir a soberania tecnológica e manter a competitividade do setor agropecuário brasileiro”, defende.
No mundo, um exemplo de investimento massivo é a parceria firmada em 2022 entre a Cleveland Clinic e a IBM para a instalação do sistema de computação quântica One. A parceria envolve recursos da ordem de US$ 500 milhões nos próximos dez anos.
Computação quântica no Brasil
No Brasil, os desafios para a implantação da computação quântica estão sendo mapeados e importantes iniciativas já estão em curso, ressalta Souza. Em 2022, foi organizado, pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Softex o evento “Desafio Brasil Computação Quântica” para discutir a questão.
No mesmo ano, teve também o lançamento da Rede MCTI-Softex de Tecnologias Quânticas, coordenada pelo Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia do Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai). O objetivo é fomentar o ecossistema brasileiro de computação quântica, integrando as ações do governo aos centros de pesquisas, startups e preparar o País para a tecnologia.
Em 2023, a Embrapa e o Senai Cimatec lançaram uma Unidade Mista de Pesquisa e Inovação Digital em Agricultura Tropical (Umipi DITAg). A parceria viabiliza o compartilhamento das infraestruturas computacionais e equipes das instituições para, a partir do uso de novos sensores, tecnologias quânticas, automação e robótica, alavancar o desenvolvimento de soluções digitais voltadas ao setor agropecuário em áreas como inteligência artificial, agricultura de precisão, internet das coisas, fotônica e rastreabilidade.
Em 2024, a Fapesp lançou um programa de pesquisa para promover o progresso das tecnologias quânticas, impulsionar o desenvolvimento de startups, atrair investimentos globais e trazer talentos para o estado de São Paulo.
No mundo, algumas universidades já iniciaram o oferecimento de cursos em Engenharia Quântica. A Universidade Saarland, na Alemanha, iniciou seu curso de graduação em 2019; a Universidade de New South Wales, na Austrália, inaugurou um mestrado em 2021, e a Virginia Tech, nos EUA, em 2022, como um curso de especialização. (Com Embrapa)