Para Marko Cilic, um dos fundadores da Burwood Distillery, que fabrica bebidas alcoólicas feitas a partir do mel, a apicultura é mais do que uma atividade — é uma maneira de viver que pode ser rastreada até as raízes de sua família na Europa.
“Se você não tivesse abelhas, não teria doçura”, diz Cilic, enquanto conta sobre sua infância na Croácia, onde as pessoas trocavam mel e outros produtos caseiros com seus vizinhos. Em 1995, no fim da guerra civil da Croácia, a família de Cilic se mudou para o Canadá, levando consigo essa doçura, que agora está no coração de sua carreira. Junto com seu irmão e um amigo próximo, eles fundaram a Burwood Distillery, baseada em Calgary, em Alberta, que vende uma variedade de bebidas feitas com mel de 4.500 colmeias.
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Mas as 250 toneladas de mel que a Burwood produz a cada ano são uma fração da produção de Alberta, uma província que abriga cerca de 1.950 apicultores e 200 tipos de abelhas. Na verdade, a província é a principal produtora de mel do Canadá, responsável por 40% do fornecimento do país, e a terceira maior produtora da América do Norte.
Isso pode surpreender alguns, dado que as temperaturas no inverno na parte norte da província podem ficar abaixo de 30 graus celsius, negativos. Mas também há até 18 horas de luz solar por dia no verão — vantagem para as abelhas, que também adoram o trevo abundante e outras forragens encontradas nas pradarias. Vale registrar que a região é a principal produtora de carne bovina do Canadá.
Alberta também lidera a produção de canola (para óleo de canola), uma cultura que depende da polinização das abelhas para aumentar a produção. Fato é que Cilic também aluga suas abelhas, que fazem seu trabalho mágico para os agricultores da região e é parte de seu negócio.
A maior área metropolitana da província de Calgary é chamada de “cidade das abelhas” pela Pollinator Partnership Canada, organização sem fins lucrativos dedicada à proteção e promoção da saúde dos polinizadores. É comum e permitido que os moradores da região tenham até duas colmeias em casa. Mas é preciso visitar os telhados ou jardins das casas da cidade para ver o impacto que essas abelhas tiveram na cena gastronômica de Calgary.
Fundada em 2016, a Burwood é uma das primeiras destilarias artesanais dedicadas de Alberta. O lançamento foi possível graças a uma mudança nas regulamentações da província em 2014. O volume mínimo que os destiladores são obrigados a produzir foi drasticamente reduzido. “A quantidade anterior dificultava para indivíduos e empreendedores começarem”, diz Cilic. “Isso matou a indústria artesanal.” Hoje, há cerca de 70 destiladores artesanais em Alberta.
Embora a Burwood produza gin e outras bebidas, além de refrigerantes e xaropes com sabor de mel, a destilaria se destacou graças ao licor à base de mel com raízes croatas envelhecido em barris; a cachaça de mel com especiarias; e o Bee Whisperer, um whisky suave à base de mel, cuja etiqueta traz um desenho de Cilic vestido com roupa de apicultor.
Calgary ficou conhecida como a “cidade das abelhas”
A Burwood está instalada no edifício Stables, no Currie Barracks, o antigo quartel de um regimento de cavalaria. Dentro da grande estrutura, Cilic e seus parceiros também administram um centro educacional — que oferece aulas sobre destilação de gin e absinto, mistura de whisky, apicultura urbana e outros temas — e um restaurante chamado Veranda, uma parceria com a cervejaria artesanal Vaycay Brew Co, que aluga seu espaço de cervejaria da destilaria.
Embora o cardápio do Veranda mude a cada trimestre, ele sempre inclui a Queen Bee, uma pizza coberta com tomates, mozzarella, manjericão e um generoso fio de mel da Burwood.
As Abelhas Melíferas Protegem a Cultura Alimentar Local
O Veranda é apenas um dos restaurantes que serve os frutos do trabalho das abelhas. No Rouge, um restaurante “da fazenda para mesa” perto do Rio Bow, em Calgary, o cardápio apresenta produtos originários diretamente das colmeias do jardim.
Por isso, os proprietários podem agradecer a Karen Anderson, fundadora e responsável pela Alberta Food Tours, empresa especializada em experiências gastronômicas na província, com foco em conectar os participantes aos sabores locais, produtos artesanais. Ela também é autora do livro de receitas Eat Alberta First, que destaca os ingredientes característicos da região.
Antes de administrar a Alberta Food Tours, Karen era enfermeira e via paciente após paciente sofrendo de diabetes, pressão alta, doenças cardíacas e obesidade — condições que ela atribui à perda da conexão com os alimentos locais. Depois de deixar a enfermagem para formar sua família, começou a escrever sobre comida e culinária, o que levou à criação de passeios gastronômicos pela cidade, uma atividade que cresceu para cobrir toda a província. “Sempre quis promover esse sistema alimentar e apoiar os agricultores”, diz ela, “para criar mais uma cultura alimentar e valor para os alimentos em Alberta”.
A apicultura é uma parte tão importante da cultura alimentar de Calgary, que as autoridades proibiram a aplicação de pesticidas e herbicidas. “Eles também reintroduziram flores selvagens e gramíneas amigáveis aos polinizadores em muitas de nossas avenidas”, diz Karen, que até se tornou apicultora.
O Rouge era uma parada regular em um dos seus passeios gastronômicos, e dado que havia uma área de menos de um hectare nos fundos do restaurante, Karen pediu autorização dos proprietários para manter duas colmeias ali para educar as pessoas sobre as contribuições das abelhas melíferas.
O mel das abelhas de Calgary integra bebidas destiladas e incrementa pratos sofisticados
Após serem convencidos, eles aceitaram e passaram a amar as abelhas, vendo seu valor indo além do mel que produziam. A produção das árvores frutíferas e vegetais do Rouge aumentou em 50% após a chegada das abelhas.
Karen ainda fala maravilhas de um coquetel que foi feito com mel em um jantar organizado pelo Rouge. “O bartender fez um old fashioned com mel de favo defumado”, diz ela. Após a pandemia de Covid-19, Karen decidiu se dedicar somente ao seu crescente negócio de passeios turísticos, mas os proprietários do restaurante concordaram em manter as colmeias, que agora são gerenciadas pelo antigo instrutor de apicultura da guia.
Mel e Outros Produtos das Abelhas na Gastronomia
Bem no coração do centro de Calgary, as abelhas também estão fazendo a festa no The Dorian, um dos hotéis mais exclusivos da cidade, inaugurado em 2022. Antes da abertura, o chef executivo Joshua Dyer foi contratado para lançar e gerenciar todas as operações de alimentação do hotel.
Influenciado pelo seu tempo no hotel Fairmont Royal, em Toronto, onde havia uma apiário no telhado, ele viu as abelhas como uma prioridade. “Foi a minha primeira exposição ao impacto que elas têm no nosso abastecimento de alimentos. É importante garantir que elas estejam saudáveis e produtivas”.
Produtivas elas são. O pátio externo do terceiro andar do Dorian inclui seis colmeias e um jardim repleto de ervas, tomates, pimentões e flores comestíveis. Em 2024, Dyer e sua equipe colheram cerca de 45 kg de mel por colmeia, que é vendido na loja de presentes e incorporado aos pratos — como a tábua de charcutaria, molhos, temperos e sobremesas — oferecidos nos três restaurantes e no serviço de quarto.
A sobremesa “Laburnum” é inspirada por uma planta de flores amarelas que as abelhas adoram
No restaurante Wilde on 27, também em Calgary, a sobremesa “Laburnum” é inspirada por uma planta de flores amarelas que as abelhas adoram. O prato consiste em um bolo francês de manteiga dourada com um creme de chocolate branco e caramelo e uma telha de mel, finalizada com um fio de mel levemente floral do The Dorian.
Dyer conta que o impacto das abelhas vai além do que é colocado à mesa. Durante a temporada de florescimento, sua equipe visita o jardim no telhado todos os dias para regar as plantas, cuidar das colmeias e colher flores e ervas para a cozinha. “Quando você trabalha nesta indústria, a comida que pede geralmente vem em uma caixa. Você abre a caixa, cozinha a comida e esquece”, diz ele. “O jardim e as colmeias reestabelecem essa conexão com os nossos ingredientes.”
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Mantenha a Calma e Faça Hidromel
Nenhuma história sobre apicultura e mel em Alberta estaria completa sem mencionar a pioneira da província, a Fallentimber Meadery, a hidromeleira de maior altitude do Canadá, a cerca de 1.280 metros a uma hora de estrada rumo ao norte de Calgary. Ela foi fundada em 2010.
Graças à sua localização nas colinas de Alberta e à proximidade das florestas de álamo, no local se produz um mel muito distinto. “Nossas abelhas não estão em tantas terras agrícolas quanto geralmente se veria na província. Por isso se consegue perceber a diferença no sabor”, explica Nathan Ryan, fundador da hidromeleira.
A Fallentimber teve origens humildes. O pai de Ryan era agricultor e apicultor, vendendo a maior parte de seu mel localmente, com cerca de um terço indo para o mercado de commodities. Dada a falta de oportunidades econômicas na região na época, Ryan saiu de casa após o ensino médio, trabalhou em uma estação de esqui e depois no setor de construção, antes de se matricular em um programa de turismo na universidade.
Embora estivesse prestes a concluir seu diploma, ele desistiu quando seus pais pediram para ele construir uma casa para eles. O amigo com quem estava trabalhando nesse projeto era fã de cervejas caseiras. “Encontramos um capítulo sobre hidromel em um livro de fabricação caseira, e como meu pai sempre tinha 4.500 kg de mel à disposição…” ele sorri. “Aconteceu que era mais barato roubar mel dele do que comprar grãos para fazer cerveja.”
Hoje em dia, não há mais “roubos” no negócio familiar. Agora que os pais de Ryan estão aposentados, seu irmão Dustin cuida das colmeias, enquanto Ryan — que é alérgico a abelhas — é o gerente de produção da hidromeleira. E mais, o cofundador da empresa conseguiu o diploma e ainda incluiu um estudo de campo sobre a criação de uma empresa de agroturismo: a Fallentimber.
As abelhas produzem cerca de 45 mil kg de mel por ano, o suficiente para fazer toda a linha de produtos da Fallentimber. Embora Ryan tenha começado com hidroméis tradicionais, ele também experimentou diferentes estilos, incluindo os de baixa graduação alcoólica e carbonatados (uma versão leve que representa a maior parte do estoque da Fallentimber), braggots (uma mistura de hidromel com cerveja) e refrigerantes. Mas os destaques da linha são os coquetéis enlatados à base de mel: Honey Colada, Honey Buck e o Meadjito, o best-seller da hidromeleira — uma bebida à base de mel misturada com suco de limão fresco, hortelã e xarope simples, com apenas 5% de teor alcoólico.
O mel produzidos pelas abelhas serve para fazer os produtos da Fallentimber, inclusive os diferentes tipos de hidroméis
Além de passeios e degustações, a Fallentimber serve pizza em seu pátio todos os fins de semana durante os meses mais quentes, e é comum que famílias fiquem por ali a tarde inteira — comendo, bebendo e caminhando pelas trilhas da propriedade exuberante. “Costumávamos ter gado, mas não temos mais, e a grama que leva para a floresta frequentemente chega até o pescoço”, diz Ryan. “Atrás das árvores, há um panorama das montanhas”. As abelhas melíferas são cruciais para os sistemas alimentares. “Existem pelo menos 10 a 15 ervas que não existiriam se as abelhas não as polinizassem”, diz Cilic, da Burwood.
Enquanto essas pequenas criaturas flutuam de planta em planta, elas também conectam as pessoas ao ambiente. “O som do universo é ah-oom,” diz Karen, prolongando a última palavra com um longo zumbido. “Quando se trabalha com abelhas, esse som é tudo o que você ouve. A vibração do universo”.
* Sofia Perez é jornalista colaboradora da Forbes EUA e escritora há mais de 35 anos. Escreve sobre alimentos e gastronomia, mostrando da produção ao prato.
