Os Estados Unidos têm cerca de 3,4 milhões de produtores rurais, incluindo proprietários de terras e arrendatários, em 1,9 milhão de fazendas. O setor enfrenta tempos difíceis ao lidar com custos crescentes e preços de commodities em queda.
Não por acaso, em dezembro, o governo sob Joe Binden aprovou um pacote de ajuda financeira da ordem de US$ 31 bilhões: US$ 10 bilhões em socorro direto aos produtores de commodities no ano safra-safra de 2024 e US$ 21 bilhões destinados a cobrir perdas por desastres naturais em 2023 e 2024, incluindo secas, incêndios florestais, furacões, inundações e outros eventos climáticos extremos. Mas a medida, quando Donald Trump já havia sido eleito, não aplacou as críticas do setor e as demandas atuais já estão na ordem do dia para cobranças.
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Logo no dia 6 de novembro, quando seu nome foi anunciado como o novo presidente eleito, Zippy Duvall, presidente da American Farm Bureau Federation (AFBF), uma entidade que representa 2.800 bureaus agrícolas (os Farm Bureaus), e 6 milhões de famílias, entre produtores rurais e comunidades ao seu redor, disse que “entre as questões mais urgentes na América rural está a necessidade de uma nova lei agrícola modernizada. O atraso de dois anos é inaceitável”. Ele se refere à Farm Bill, lei agrícola plurianual que a cada quatro anos deve ser reformada, porém as regras atuais ainda são as de 2018.
O Que Querem os Produtores Americanos
Mas a AFBF não está sozinha. A National Farmers Union (NFU), uma entidade de 1901, com sede em Washington, e que representa cerca de 230 mil pequenos e médios agricultores, também colocou uma nova Farm Bill na lista de urgências. Em novembro, o presidente Rob Larew fazia um apelo para que a lei fosse aprovada antes de terminar 2024. “Nossa prioridade para agricultores familiares e pecuaristas continua firme: o Congresso deve aprovar um Farm Bill forte e abrangente de cinco anos antes do fim do ano”, dizia ele; o que não aconteceu.
Os produtores também pedem freio nos iminentes aumentos de impostos que, somados à inflação, aos altos custos, à instabilidade de mercado e a falta de mão de obra nas fazendas formam um cenário complicado. O Produto Interno Bruto (PIB) de agricultura, alimentos e setores relacionados foi de US$ 1,53 trilhão nos EUA,em 2023, dos quais as propriedades responderam por US$ 203,5 bilhões em 2023, para um PIB total de US$ 27,36 trilhões (em 2024, a projeção do PIB do país era de US$ 27,963 trilhões.
Uma das saídas é contar com a demanda de mercado. E nisso há um empurrão em curso. Nesta segunda-feira (20), logo após a cerimônia de posse, Trump emitiu um memorando com o objetivo de examinar as relações comerciais dos EUA com a China, Canadá e México, e propor maneiras de reduzir os déficits comerciais com esses três países. Han Zheng, vice-presidente chinês que compareceu à posse de Trump, se reuniu com os conselheiros do novo presidente antes do evento. Os EUA querem que a China cumpra o compromisso assumido em 2020 de comprar US$ 40 bilhões anuais em produtos agrícolas, como parte de um plano de trégua entre os dois países.
Como as mulheres se organizam
“Estou otimista que Trump irá corrigir os erros da administração do Biden”, diz Tammy Gray-Steele, mulher preta, agricultora e diretora da National Women in Agriculture Association (NWIAA). Formada em direito na Universidade de Oklahoma, Gray-Steele é a quarta geração de famílias de escravos libertos após a Guerra Civil americana, em 1865, e que se tornaram produtores, fruto de reforma agrária com distribuição de lotes de 16 hectares, área mantida até os dias atuais em posse da família. “Meus familiares são os únicos agricultores negros que ainda estão na comunidade rural de Oklahoma de onde viemos”, diz ela.
No agro dos EUA, 36,3% são mulheres e várias são as associações, como a American Agri-Women (AAW), a Women, Food and Agriculture Network (WFAN), a Annie’s Project e a National Farmers Union Women’s Conference, além da NWIAA. Essas entidades têm pautas específicas, mas quase uma agenda comum, que passa por liderança e representatividade, capacitação técnica e financeira, sustentabilidade e agricultura regenerativa e conexão com comunidades locais.
É justamente essa a história de Gray-Steele, que fundou a entidade em 2008, voltada para produtoras negras e de baixa renda do país. “Durante as conferências da Associação Nacional de Agricultores Negros que participei, percebi que havia mulheres nas conferências, mas elas nunca diziam nada. Mas elas existiam e também eram produtoras. Estavam ali”. Com sede em Oklahoma, a NWIAA tem cerca de 74 mil associadas e 64 bases no país e outras 24 em outros países, como Porto Rico e países da África.
“As coisas simplesmente não aconteceram na era Biden. Esse é o momento de devolver esperança para a indústria agrícola”. Ela se refere aos repasses do Plano de Resgate Americano (em inglês, American Rescue Plan), que desagradaram Tammy. O plano foi uma legislação de estímulo econômico sancionada por Biden em março de 2021, com US$ 1,9 trilhão (R$ 11,6 trilhões na cotação atual), dos quais US$ 4 bilhões deveriam chegar a agricultores negros, hispânicos, indígenas e outras minorias. “Fomos excluídas. Ele diz que mulheres negras o ajudaram a se eleger, mas tentamos marcar uma reunião de 30 minutos com e nunca conseguimos”.
A esperança da agricultora agora se chama Brooke Rollins, a escolhida por Trump para comandar o Departamento de Agricultura do país (USDA). “Há esperança em relação a ela porque temos uma presença forte no Texas. Como mulheres, esperamos que ela possa se relacionar conosco. Nós não somos prioridade, especialmente quando se trata de uma organização de minorias liderada por minorias”.
Lembrando que Rollins também é do Texas. “Trump vai investir e dar voz às mulheres e à agricultura. Esperamos que ele invista o dinheiro em grupos como o nosso e realmente acreditamos que fará isso. Ele é uma liderança apaixonada e que cumpre com sua palavra”. Gray-Steele diz que já está tentando agendar uma reunião com o presidente em fevereiro.