Já imaginou um chatbot que além de coletar, monitorar e mapear dados de uma plantação, consegue, ainda, interagir com o produtor? Essa é a proposta do Turing, uma espécie de “Chat GPT” do agro lançado nesta terça-feira (28) pelos empreendedores Gabriel Leal, 24 anos, e Victor Hespanha, 30 anos, fundadores da startup Psyche Aerospace.
“O Turing é um grande sonho meu de levar tecnologia e dados para produtores rurais, especialmente os pequenos, que terão acesso gratuito à plataforma”, disse Leal, na apresentação do projeto aos investidores. Ele é uma combinação de inteligência artificial (IA), monitoramento de drones autônomos, robôs de solo e um aplicativo central de análise agronômica.
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O Chat GPT do Agro
O Turing surgiu de uma inquietação: de que a tecnologia é um complexo. Anderson Rocha, consultor de inteligência artificial (IA) na Psyche e coordenador do laboratório de Inteligência Artificial do Instituto de Computação da Unicamp vai por esse caminho. “Não adianta ter um equipamento que faz coleta de dados, se eles não são processados, analisados e nem geram uma resposta sobre o que o produtor precisa fazer”, explica.
Planejado e testado nos últimos 90 dias, está entre as ferramentas do Turing a coleta e o monitoramento de dados do solo, clima e cultivos de uma propriedade, mas que podem ser unidos a dados públicos, como os da Embrapa, para que o produtor tenha uma visão macro de sua propriedade.
“O pequeno produtor terá acesso gratuito ao Turing. Médios e grandes, bem como empresas, stakeholders, cooperativas e fábricas do setor, terão de pagar uma taxa”, afirma Leal. A agtech pretende fazer um sistema de cobrança como o da Open IA, a dona do Chat GPT. No plano empresarial, os valores variam entre R$ 250 e R$ 2,5 mil por mês, a depender de quantos usuários da mesma empresa serão incluídos na plataforma.
Quanto ao acesso à internet, que em muitas áreas agrícolas ainda é restrito, Leal afirma que há saídas. “Já estamos pensando em parcerias com operadoras de telefonia para instalarmos antenas nas nossas bases. Tendo antenas na base, chega internet para o produtor”, explica.
As bases a quais Leal se refere são uma espécie de hangar para posicionar os drones e abrigar uma central de controle dos equipamentos. A estrutura não está incluída na meta de captação da empresa. Nesse caso, os interessados em instalar uma base na sua propriedade devem investir R$ 18 milhões.
Psyche e seu Sonho de Parque
Também está nos planos da empresa construir um parque industrial de 100 mil metros quadrados, em Cajamar, Itupeva ou Campinas, para dobrar a produção de drones e robôs em até três anos.
A Psyche, que já conhecida por ter feito o maior drone do mundo, o Harpia P-71 — capaz de pulverizar 40 hectares por hora e com autonomia de uma hora de voo — incluiu no seu portfólio outros cinco modelos, entre pulverizadores, robôs de mapeamento, monitoramento e coleta de amostra, todos autônomos e elétricos: Harpia Hexa, Sabiá, Carcará, Tatu e Golias.
Atualmente, a fábrica da startup em São José dos Campos constrói um drone a cada três dias. A meta na nova unidade, que terá um custo de R$ 40 milhões a R$ 60 milhões, é produzir, por dia, três de pulverização, três de mapeamento, um de monitoramento, cinco de coleta de amostras de solo e três de análise espectrais.
Para fabricar em escala, a Psyche, que conta apenas com recursos de capital privado, pretende captar entre US$ 50 milhões (R$ 292 milhões na cotação atual) e US$ 60 milhões (R$ 351,4 milhões) na rodada B de investimentos. Até aqui, a Agtech conseguiu captar R$ 17 milhões, sendo R$ 15 milhões em 2024 de um produtor e, no ano anterior, R$ 2 milhões do investidor Éder Medeiros.
Com os novos investimentos, a Psyche pretende ativar o Turing gratuito e empresarial em seis meses, bem como as operações da nova fábrica. Em um ano, a ideia é que a produção seja em escala.
Voltando no tempo
A ideia de criar uma inteligência gratuita que tenha respostas e soluções na ponta da língua para o pequeno produtor não veio à toa. Gabriel Leal cresceu ajudando o pai nos lotes de manga, em Livramento de Nossa Senhora, no norte da Bahia. Lá, sua família produzia a fruta em 2 hectares e em um processo totalmente manual.
“Eu assisti uma série que mostrava um braço de robótica e, depois, quando fui ajudar meu pai na lavoura, me perguntei porque não existia um equipamento desse para colher as mangas”, diz Leal. O pai, segundo ele, disse que o garoto “tinha finalmente encontrado um jeito de fazer algo no agro”.
Em 2022, com 20 anos, Leal se mudou sozinho para São Paulo em busca de investimento para o seu projeto inicial de drones aeroespaciais. A Psyche Aerospacial foi submetida aos projetos do Parque Tecnológico de São José dos Campos (PqTech), um hub de inovação e tecnologia que apoia empresas, startups, universidades e centros de pesquisa.
Na mesma época, o mineiro Hespanha tinha acabado de voltar de uma viagem para o espaço, em junho, sorteada pela Blue Origin, empresa do bilionário Jeff Bezos, no Texas. Aos 28 anos, ele foi o primeiro brasileiro civil a viajar para fora da Terra e possivelmente o único que, depois de voltar, pousou sua nave no campo.
“Um belo dia, o Gabriel me mandou um e-mail com todas as ideias que tinha em mente para a Psyche. Ali, pude ver que ele enxergava o mesmo potencial para a tecnologia aeroespacial no Brasil que eu enxerguei da janela da nave, olhando para a Terra”, diz Hespanha.
Juntos, em 2023, eles conseguiram um aporte inicial de R$ 4 milhões e começaram a construir os protótipos dos drones, que, agora, estão nas fases finais de testes e prontos para entrarem em um mercado global que pode chegar a US$ 77 bilhões (R$ 438,9 bilhões na cotação atual) até 2029.