Você sabe de onde surgiu o termo e a prática de agricultura regenerativa? O conceito começou a ganhar forma em meados da década de 1980 no mundo, mas foi popularizado depois que a organização Rodale Institute, uma instituição norte-americana de fomento à agricultura orgânica, usou o termo para descrever sistemas agrícolas que vão além da sustentabilidade, colocando maior peso na regeneração do solo, na biodiversidade e nos ecossistemas.
Até os dias de hoje, ainda não há uma definição única da prática, mas sim princípios unificadores para o manejo de fazendas e pastagens como ecossistemas vivos, e um acordo de que sua resiliência depende da biodiversidade e da circularidade de nutrientes.
Leia também
Um objetivo central para a maioria dos sistemas regenerativos é melhorar a “saúde do solo” – a vitalidade dos sistemas biológicos complexos no solo (fungos, bactérias, minhocas, insetos benéficos e nematóides).
Essa prática geralmente envolve evitar distúrbios mecânicos (por exemplo, o arado) e alimentar a comunidade viva, mantendo plantas crescendo no campo durante o maior período possível do ano, por meio de técnicas de rotações de culturas, e culturas de cobertura e intercaladas.
Solos cuidados dessa maneira desenvolvem uma estrutura granular e agregada baseada em “matéria orgânica estável” (MOS), de modo que a terra possa “respirar”, capturar mais da água da chuva ou irrigação que recebe, armazenar mais dessa água e reter/recircular os nutrientes minerais necessários para o crescimento das plantas. Os detalhes da agricultura regenerativa variam conforme a cultura e a geografia.
Por Onde Começar a Regeneração
Embora a promoção explícita da “agricultura regenerativa” seja uma tendência relativamente recente, sua implementação normalmente envolve uma combinação de práticas agrícolas já comprovadas, que foram pioneiras, refinadas e validadas ao longo de décadas por inovadores e primeiros adotantes na comunidade agrícola.
Entre elas estão o plantio direto, tráfego de máquinas controlado, culturas de cobertura, rotações diversificadas, semeadura e fertilização de precisão, manejo integrado de pragas (MIP) que protege polinizadores e benéficos, integração de animais nas culturas e pastoreio rotacionado.
Em função da experiência individual e coletiva que os agricultores têm com esses métodos, a comunidade agrícola de cada região consegue avaliar as implicações de risco/benefício de se comprometer por vários anos com um programa regenerativo que combine várias práticas.
Possíveis Alegações
Dependendo da rotação de culturas e da geografia, os defensores de um sistema regenerativo fazem as seguintes alegações:
Mitigação das Mudanças Climáticas e Outros Benefícios Ambientais
Práticas como o plantio direto e as culturas de cobertura que aumentam a matéria orgânica do solo ao longo do tempo podem levar à captura líquida de carbono. O uso criterioso de fertilizantes requer uma menor pegada de carbono na produção e, em muitos casos, menor escorrimento ou lixiviação de nitrato e fósforo.
Isso traz benefícios para a qualidade da água e, em algumas circunstâncias, pode minimizar a pegada de gases de efeito estufa causada pelas emissões indiretas de óxido nitroso.
As melhorias na biodiversidade dos sistemas regenerativos são outro benefício documentado. O Programa Regenerativo da PepsiCo, chamado oficialmente de PepsiCo Positive (pep+), é um exemplo.
A iniciativa global foi lançada pela empresa em 2021 para integrar práticas de agricultura regenerativa na cadeia de suprimentos e reduzir os impactos ambientais de suas operações. O programa busca alinhar as operações da PepsiCo com princípios que ajudem a enfrentar desafios relacionados às mudanças climáticas, à saúde do solo e à conservação de recursos naturais.
Eficiência no Uso de Recursos
O movimento da agricultura sustentável, que precedeu e estabeleceu as bases para as práticas “regenerativas”, tem trabalhado em um sistema de métricas para registrar a eficiência no uso de recursos (terra, água, trabalho e pegadas de insumos).
Um exemplo é o Cotton Trust Protocol, uma iniciativa de sustentabilidade lançada pela indústria do algodão nos Estados Unidos em 2020, para garantir práticas agrícolas mais sustentáveis na produção da pluma e oferecer maior transparência e rastreabilidade na cadeia de suprimentos, desde as fazendas até os consumidores finais.
Escolhas do editor
Apesar de não levar o título de regenerativo, vale lembrar que 82% do algodão brasileiro possuem certificação socioambiental ABR (Algodão Brasileiro Responsável) e licenciamento Better Cotton, e com 100% da produção rastreada, além de ser uma fibra biodegradável e orgânica.
Densidade de Nutrientes
A agricultura regenerativa de culturas e o pastoreio regenerativo podem provocar diferenças expressivas na densidade de nutrientes dos alimentos em termos de minerais essenciais e/ou gorduras saudáveis.
Benefícios Socioeconômicos da Agricultura Regenerativa
Resiliência
À medida que a saúde do solo de um campo cultivado de maneira regenerativa melhora, seu potencial de rendimento se torna mais estável sob condições de estresse climático e, no final, mais elevado de forma geral.
Isso é bom para a economia do agricultor e local, mas, ao final, será algo cada vez mais importante para a sociedade como um todo.
Aprendizados até o Momento
Diversos aprendizados significativos foram compartilhados durante reunião anual da Sustainable Brands, uma Corporação com Benefício Público de marcas que estão remodelando o futuro do comércio mundial, fundada em 2006 por KoAnn Vikoren Skrzyniarz, em San Diego, em outubro de 2024.
Na ocasião, equipes de sustentabilidade, estrategistas de marca, especialistas em marketing e profissionais de inovação se reuniram para impulsionar o crescimento sustentável dos negócios.
Pelo segundo ano consecutivo, o evento incluiu um “Summit de Agricultura Regenerativa”, em que companhias apresentaram suas iniciativas de agricultura regenerativa.
Empresas como a US Soy e a DTN destacaram o uso de práticas regenerativas em rotações de milho, soja, trigo e feno, enquanto o Walmart e a PepsiCo falaram sobre rotações que incluíam aveia, canola, milho e trigo. Também ressaltaram seus feitos a Mars, a cooperativa Delta Harvest, a Maker’s Mark, a Motts e a Mondelez International.
A Importância de Olhar para o Produtor
Um tema que apareceu repetidamente no Summit foi a importância de criar um sistema que realmente funcione para o produtor rural, já que são eles que devem investir em equipamentos e suprimentos, assumir riscos e fazer compromissos de longo prazo.
Como disse o porta-voz da Mondelez, “o produtor tem que estar no centro” e que as regras não podem ser excessivamente prescritivas, pois “cada fazenda é diferente.”
A Motts concorda e descreve seu projeto de maçãs como sendo “centrado no produtor”. Nos EUA, as organizações estaduais e nacionais que representam os produtores também estão se envolvendo, como a United Soybean Board, Practical Farmers of Iowa, The Soil and Water Outcomes Fund, Illinois Corn Growers Association, entre outras.
Segundo Margaret Henry, diretora de sustentabilidade agrícola da PepsiCo, é necessário trabalhar com os agricultores para fornecer o “apoio tripé” – econômico, agronômico e social – enquanto fazem a transição para práticas regenerativas.
Confiança no Processo da Agricultura Regenerativa
Outro tema importante é a confiança. As práticas agrícolas individuais que compõem um programa regenerativo já estão sendo empregadas por agricultores e pecuaristas em graus variados, mas é um grande passo adotar um conjunto completo de práticas como um compromisso de longo prazo.
Para tomar uma decisão tão importante, os produtores tendem a procurar “conselheiros de confiança” em sua própria comunidade, como um consultor, um profissional especializado em agricultura ou pecuária, com credenciais concedidas por organizações ou conselhos especializados que garantem seu conhecimento técnico e experiência no manejo de cultivos.
O programa PepsiCo/Walmart recruta esse tipo de expertise e também emprega ensaios de demonstração locais em 82 fazendas globalmente, para que os produtores possam ver os resultados em seu próprio ambiente. O próximo passo costuma ser dado pelos agropecuaristas que tendem a ser os “primeiros adotantes” e podem fornecer mais evidências para seus vizinhos.
Suporte à Transição
Independentemente da controvérsia política sobre as mudanças climáticas e suas causas, os produtores já estão sentindo os efeitos de eventos mais extremos e estão motivados a avaliar a agropecuária regenerativa como uma maneira de proteger sua renda e sua capacidade de passar um negócio viável para a próxima geração.
Além do aconselhamento confiável e das evidências locais mencionadas acima, a mudança para um programa regenerativo geralmente envolve algum investimento, como equipamentos ou sementes para culturas de cobertura.
Também há alguns riscos de rendimento nas primeiras temporadas, antes que os benefícios completos da saúde do solo apareçam. Em vários programas regenerativos bem-sucedidos, os patrocinadores oferecem financiamento para a transição. Por exemplo, no seu projeto de 2023, a PepsiCo apoiou 5.500 agricultores que estavam fazendo essas mudanças, o que permitiu impulsionar a adoção da agricultura regenerativa em 728,4 mil hectares.
O Caminho da Verificação
Por causa de exemplos problemáticos de “greenwashing”, especialmente em mercados de carbono, há uma maior sensibilidade quanto à necessidade de verificação independente, ou seja, de terceira parte, dos benefícios.
Para protocolos que envolvem práticas agrícolas como plantio direto e culturas de cobertura, imagens de satélite e aéreas podem ser usadas para documentar o fato de que essas práticas estão sendo utilizadas em um determinado campo e os benefícios quantitativos podem ser calculados com base em modelos.
Dados de fornecedores de insumos e de tecnologia de monitoramento de rendimento podem ser usados para documentar melhorias reais na eficiência do uso de recursos – algo que tem funcionado bem em vários protocolos de sustentabilidade desenvolvidos por grupos multissetoriais como o Field-To-Market, nos EUA.
Existem sistemas independentes e comerciais de certificação regenerativa e eles já estão sendo aplicados em áreas significativas. Também existem certificações específicas de projetos, nas quais uma terceira parte é chamada para validar um protocolo específico entre o produtor e o comprador final.
Houve um grande avanço em direção a um padrão global em setembro de 2023, quando a Sustainable Agriculture Initiative Platform (SAI) anunciou uma nova “estrutura global para práticas de agricultura regenerativa” intitulada “Regenerando Juntos”.
A SAI Platform é uma organização global voltada para a promoção de práticas sustentáveis em toda a cadeia de valor agroalimentar. Fundada em 2002 por grandes empresas do setor de alimentos e bebidas, como Nestlé, Unilever e Danone, a plataforma tem como objetivo incentivar a sustentabilidade no campo por meio de colaboração, inovação e compartilhamento de melhores práticas.
Eles são capazes de integrar protocolos de medição estabelecidos e experiência nesta nova plataforma. O programa “Regenerando Juntos” foi testado por 20 empresas líderes de bens de consumo do setor de alimentos (FMCG) em todo o mundo e isso levou a compromissos com a estrutura por grandes players como Nestlé, Danone, Unilever e PepsiCo.
Qual é a Trajetória Provável da Agricultura Regenerativa?
Uma pesquisa conduzida pelo grupo de certificação Regenefied, iniciativa e certificação dedicada a promover e validar práticas de agricultura regenerativa em sistemas agrícolas e na cadeia de fornecimento de alimentos, documentou uma crescente conscientização sobre o termo “regenerativo”, particularmente entre consumidores baseados em valores, que já costumam fazer compras por motivos além de preço, sabor e marca.
Após uma explicação sobre agricultura regenerativa, esses consumidores se mostraram atraídos por benefícios como regeneração do solo, melhoria da biodiversidade e restauração dos ecossistemas. Além disso, eles estariam dispostos a pagar um preço mais alto ou a favorecer marcas regenerativas certificadas, e parte disso poderia retornar ao nível do produtor rural.
No entanto, esse cenário é viável apenas para produtos baseados em culturas que já exigem “preservação de identidade” da colheita, e é muito menos provável para ingredientes e alimentos provenientes das culturas commodities que compõem a maioria das terras agrícolas.
Ainda assim, se feito corretamente, o marketing de versões regenerativas dos alimentos no nível do consumidor pode desempenhar um papel importante na explicação do conceito para pessoas leigas no tema.
Para alcançar seu potencial ideal de resiliência ambiental e segurança alimentar, a trajetória da agricultura regenerativa precisa avançar muito além de um segmento premium.
Muitas empresas da indústria alimentícia mainstream estão escolhendo investir na expansão da agricultura regenerativa como uma forma de responsabilidade corporativa e para “proteger o futuro” de suas cadeias de suprimento, aumentando a quantidade de terras agrícolas resilientes ao clima nas quais seus produtos dependem.
* Steven Savage é colaborador da Forbes EUA e escreve sobre tecnologias relacionadas à alimentação e agropecuária. É biólogo formado na Stanford, mestre e Ph. D em fitopatologia.