
O Brasil tem um rebanho de cerca de 230 milhões de bovinos, o maior rebanho comercial do mundo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e um desafio de igual tamanho: fazer das práticas de bem-estar animal um ativo na pecuária, gerando valor para toda a cadeia de produção, da criação ao consumo. É fato que há iniciativas aqui e ali, e não são de hoje, mas ainda faltam muitos avanços. Por isso, nesta quinta-feira (13), em sua sede em São Paulo, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em parceria com o Instituto Sócio-Cultural Brasil-Alemanha (ISCBA), lançou a Força Tarefa Brasileira de Bem-Estar Animal.
O projeto tem por objetivo a realização de eventos, publicações e treinamentos de equipe envolvidas nas tarefas de bem-estar em toda a cadeia produtiva, além de levar o tema até o consumidor final de proteínas. A Abag tem entre seus associados nomes como JBS, SLC Agrícola, Cargill, Rabobank, que são empresas diretamente ligadas à pecuária, e outras como Santander, Bayer, Basf, etc.
“O setor fala muito para o próprio umbigo. Precisamos ampliar mais essa conversa”, disse Francisco Matturro, diretor da Abag e atual presidente executivo da Rede Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF). Para Thomas Timm, presidente do ISCBA, levar a temática do bem-estar animal para além do setor é necessário e estratégico. “Brasil e Alemanha são unidos por valores morais e éticos parecidos. Esse é um momento oportuno para discutir bem-estar animal, e faltava unir esforços dos dois países para avançar nos debates sobre o tema“. Timm completa que o tema está diretamente ligado aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, que também pautam as atividades do instituto.

Nina Plöger, presidente do ForbesMulher Agro, Francisco Matturro, diretor da Abag e José Tejon, jornalista
Essa não é a primeira vez que Brasil e Alemanha se unem para promover o debate sobre o tema. Em 2018, a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo publicou o livro “O Bem-Estar Animal no Brasil e na Alemanha”, escrito por Jörg Hartung, professor da Universidade de medicina veterinária de Hannover, na Alemanha, em parceria com Carmen Perez, pecuarista e colunista no ForbesMulher Agro, uma ativista da causa animal, e com o professor Mateus Paranhos, do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (UNESP de Jaboticabal), um dos maiores cientistas do país nesta área.
“Agora, vivemos um momento de maior sensibilização ao tema, novas demandas, como o Acordo UE-Mercosul, e mais valor agregado em práticas que priorizam o bem-estar animal”, explica Timm. O objetivo da Força Tarefa Brasileira de Bem-Estar Animal é começar pelas práticas na pecuária, um setor sensível e onde já há um trabalho em andamento e, posteriormente, em todos os setores e outras espécies de animais. Além disso, a iniciativa quer unir os setores público e privado nas ações e atualizar as legislações vigentes.
“Quando eu comecei a falar de bem-estar animal, há 20 anos, só tinha uma pessoa que sabia do assunto. Agora, o tema tem sido crescente na sociedade e na cadeia produtiva, porque o campo não está mais distante como era há décadas atrás”, diz Carmen Perez, que também tem um relacionamento estreito com a autista norte-americana Temple Grandin, psicóloga e zootecnista que revolucionou as práticas para o tratamento racional de animais vivos em fazendas e abatedouros e já a trouxe ao Brasil algumas vezes.
A complexidade do bem-estar animal, que hoje está totalmente relacionada ao One Health, ou Saúde Única (humanos e animais), passa pela adoção de tecnologias, como monitoramento por sensores, modelos preditivos e inteligência artificial, mas também por uma série de adoções, conforme os sistemas produtivos. Por exemplo, as regulamentações e normas, em função da crescente exigência de certificações e normas internacionais, como as diretrizes da OIE (Organização Mundial da Saúde Animal) e protocolos como o GAP (Good Agricultural Practices), que exige adaptações muitas vezes custosas e complexas.
Passam, também, por manejo e transporte, infraestrutura e ambiência, sanidade e saúde animal, conscientização e capacitação de equipes, exigências do consumidor e do mercado e, principalmente, pelos desafios econômicos. Muitas práticas de bem-estar animal exigem investimentos em infraestrutura, genética e capacitação, o que pode ser um entrave para pequenos e médios produtores, justamente porque o retorno financeiro pode não ser imediato, desestimulando a adoção de novas práticas.
Para a discussão da plataforma, outras vozes estiveram presentes como Nina Plöger, presidente do Forbes Mulher Agro (FMA), um think tank que reúne cerca de 50 produtoras e lideranças; José Ciocca, diretor executivo da Produtor do Bem, uma certificadora de sustentabilidade e Animal Welfare Advisor da F&S Consulting; Stephan Timm, consultor em proteção e bem-estar animal, e Paulo César Maiorka, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP; Sheila Guebara, diretora de sustentabilidade da Seara, e Darren Vanstone, diretor na Chronos Sustainability, consultoria britânica do setor agroindustrial, também compareceram. “Convidamos os melhores especialistas no tema para conhecerem o projeto e para que, futuramente, se tornem membros”, diz Timm. Um representante do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) participou do evento de forma virtual.