
A IA generativa, um tipo de inteligência artificial que envolve a criação de novos conteúdos ou soluções com base na geração de novos dados, cenários e modelos, está emergindo como um divisor de águas na promoção da inovação, com significativo potencial social e ambiental na interseção entre alimentação, saúde e clima.
Percepções inovadoras, impulsionadas pela análise de grandes volumes de dados e pelo envolvimento amplo de diferentes partes interessadas, podem transformar a maneira como as empresas de alimentos inovam. Essas percepções têm o poder de otimizar a produtividade, acelerar a sustentabilidade e melhorar a saúde humana, garantindo que a produção de alimentos atenda às necessidades dos consumidores e dos produtores, sem comprometer a saúde do planeta.
De acordo com uma pesquisa recente do Capgemini Research Institute, cerca de 40% das empresas de alimentos e bebidas estão atualmente utilizando IA, e muitas também estão explorando a IA generativa. Para melhorar a segurança alimentar global e a sustentabilidade, a inovação é essencial, e a IA generativa tem a capacidade de aumentar a inclusão dentro do processo de inovação.
As dinâmicas de poder no setor alimentício colocam um controle significativo nas mãos de poucos agentes-chave, que influenciam decisões sobre quais alimentos são cultivados, onde e quando são produzidos, e como são processados, distribuídos e consumidos. O desenvolvimento sustentável exige a inclusão de perspectivas mais diversas na tomada de decisões.
“Decisões tecnológicas críticas nos setores de saúde, clima e alimentação têm sido monopolizadas por um pequeno grupo de vozes privilegiadas por tempo demais”, afirma Yasmin Shmuel, CEO e cofundadora da Klever AI, uma plataforma de IA e aprendizado de máquina que apresenta “salas de decisão” que utilizam “inteligência coletiva de decisão” para desbloquear percepções valiosas, impulsionar a eficiência operacional e tomar decisões baseadas em dados com confiança.
A tecnologia de tomada de decisão da Klever AI tem aplicações em diversos setores, com potencial significativo para saúde e alimentos e bebidas. Considerando que os sistemas alimentares são responsáveis por um terço das emissões globais de gases de efeito estufa de origem antrópica e consomem 70% dos recursos hídricos do mundo, o aproveitamento da IA generativa nesse setor pode impulsionar mudanças globais substanciais.
A primeira Cúpula das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares (UNFSS), realizada em setembro de 2021, deixou claro que a transformação dos sistemas alimentares exige a participação ativa e a inclusão de todas as partes interessadas. Essa abordagem não apenas garante que diferentes perspectivas e conhecimentos sejam aproveitados, mas também promove equidade, inovação e resiliência.
“O longo prazo dos benefícios públicos dos sistemas alimentares deve desafiar os interesses individuais de curto prazo que atualmente distorcem nossos sistemas alimentares”, diz Joost Guijt, diretor da African Food Fellowship, em apoio aos objetivos da cúpula.
Shmuel acredita que a abordagem da Klever AI para a IA generativa é um catalisador de mudança em setores historicamente dominados pelo que ela chama de “pensamento homogêneo”. Ela destaca a taxa de falha alarmante de 70% na adoção de tecnologia como evidência de um sistema que não está funcionando.
“Vidas estão em jogo, e ainda assim continuamos permitindo que o mesmo grupo isolado de tomadores de decisão dite nosso futuro”, diz ela. “A diversidade de pensamento libera um potencial ilimitado.”
Sistemas alimentares orientados por dados podem revolucionar a produção, distribuição e consumo. Ao aproveitar a IA generativa em toda a cadeia de suprimentos, as empresas podem melhorar a sustentabilidade, otimizar operações, aprimorar o abastecimento e adotar práticas da economia circular.
No campo da sustentabilidade alimentar e da agricultura de precisão, a IA generativa pode analisar conjuntos de dados complexos para recomendar práticas que reduzam o impacto ambiental e, ao mesmo tempo, aumentem a produtividade. Por exemplo, a IA pode otimizar rotações de culturas e o uso de recursos, garantindo práticas agrícolas sustentáveis alinhadas com metas ambientais.
“Para a agricultura, isso está chegando de maneiras que facilitam o trabalho dos produtores e os ajudam a fazê-lo melhor”, disse Nina Schick, fundadora da Tamang Ventures, em sua palestra no EvokeAG. 2024, realizado fevereiro no Perth Convention and Exhibition Centre, em Perth, na Austrália.
Segundo dados da AI4D Africa, apesar de representar apenas 2,5% do mercado global de IA, as aplicações emergentes podem impulsionar o crescimento econômico da África em US$ 2,9 trilhões até 2030 (R$ 16,52 trilhões na cotação atual). Hoje, cerca de metade da IA no continente tem aplicações agrícolas.
Em 2023, a Viamo lançou o Ask Viamo Anything — um assistente de voz baseado em IA generativa — em suas plataformas na Zâmbia e na Nigéria, fornecendo informações essenciais gratuitamente por meio de telefones básicos sem acesso à internet. Esse serviço foi particularmente benéfico para pessoas com baixa alfabetização e grupos marginalizados, como mulheres e pessoas com deficiência. Os resultados dos testes indicaram que mulheres fizeram 50% mais perguntas do que os homens na Zâmbia e 30% mais na Nigéria. A plataforma conta com 1,35 milhão de usuários somente na Nigéria.
A IA generativa também tem um papel crucial na abordagem dos aspectos de saúde ligados à produção de alimentos. Considerando que nove dos quinze principais fatores globais de risco para morbidade, como índice de massa corporal (IMC) elevado, pressão alta, doenças cardíacas, diabetes e desnutrição, estão relacionados a uma alimentação inadequada, as implicações transformadoras são vastas.
Ao analisar dados nutricionais, comportamentos de consumo e resultados de saúde, a IA pode ajudar a projetar produtos alimentícios que promovam uma melhor saúde. Essa sinergia entre tecnologia alimentar e saúde pode levar ao desenvolvimento de alimentos funcionais que tratam problemas específicos, como diabetes ou doenças cardíacas, contribuindo para a saúde pública.
No IFT FIRST, evento anual do Institute of Food Technologists realizado em julho de 2024, Nora Khaldi, CEO da Nuritas, uma empresa de biotecnologia sediada em Dublin, na Irlanda, mostrou como a IA generativa está sendo usada para otimizar a produção de alimentos com foco na saúde dos consumidores. Khaldi explicou que a Nuritas usa IA generativa para determinar “os tipos de ingredientes que a indústria gosta e como podemos criar algo melhor, mas semelhante.”
Um exemplo é o desenvolvimento do PeptiStrong, um ingrediente para melhorar a saúde muscular. “É um ingrediente que levaria 30 milhões de anos para ser descoberto pelos métodos tradicionais”, disse ela. “Com a IA, conseguimos reduzir esse tempo para dois anos.”
Empresas como Notco e Nutrino utilizam IA para criar substitutos à base de plantas para produtos de origem animal e para fornecer recomendações dietéticas personalizadas. A IA generativa também tem sido usada pela fabricante de temperos e condimentos McCormick & Company para desenvolver novos produtos a partir de insights extraídos de dados de preferências dos consumidores e tendências de mercado.
Do ponto de vista da cadeia de suprimentos, a IA generativa pode melhorar a inovação, a lucratividade e a sustentabilidade, aprimorando previsões, rastreabilidade, segurança e redução de desperdícios.
Estudos da Bain indicam que 68% dos executivos acreditam que a rastreabilidade digital é essencial. Com um terço de toda a comida produzida no mundo indo para o lixo, a IA pode garantir uma produção e distribuição mais eficientes, minimizando desperdícios.
Empresas como o Walmart já utilizam IA generativa para prever demanda de produtos, gerenciar estoques e otimizar o rastreamento de remessas.
À medida que a IA continua a moldar o futuro da alimentação e da saúde, considerações éticas e esforços colaborativos são fundamentais. A inclusão de diversas vozes não é apenas uma necessidade ética, mas uma estratégia essencial para o desenvolvimento de soluções inovadoras, equitativas e sustentáveis.
“Os processos atuais de tomada de decisão não são bons o suficiente”, afirma Shmuel. “Eles custam vidas, sufocam a inovação e perpetuam um sistema que valoriza a conformidade em detrimento da competência.”
*Daphne Ewing-Chow é colaboradora da Forbes EUA. Jornalista especializada em sistemas alimentares e meio ambiente, já passou pelo The New York Times, The Sunday Times (Londres) e Entrepreneur Magazine, além do Programa Mundial de Alimentos, das Nações Unidas.