A agricultura regenerativa está crescendo ao redor do mundo. Globalmente, cerca de 7,2 milhões de hectares estão sendo cultivados utilizando práticas agrícolas de recuperação de solos. É o que indicam os dados da Regenerative Organic Alliance, entidade fundada em 2018, nos Estados Unidos, com o objetivo de promover a regeneração dos ecossistemas e a melhoria contínua dos solos, bem-estar dos agricultores e justiça social. Nesse país, as áreas regenerativas são uma fração disso — cerca de 52 mil hectares.
Nos EUA, Tim Cornie é um dos poucos produtores pioneiros na agricultura orgânica e regenerativa. Localizada perto de Buhl, em Idaho, no noroeste dos Estados Unidos, sua fazenda de 324 hectares cultiva uma variedade de trigo, grãos antigos (como a cevada roxa tibetana), feijões e milho para pipoca.
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Grande parte da produção é enviada para seu galpão de 23,2 mil metros quadrados, situada a 13 km de distância da fazenda. Ele comprou uma antiga planta da Pillsbury, uma companhia alimentícia com sede em Minneapolis, e a converteu em um espaço que abriga não apenas suas próprias colheitas, mas também as de outros produtores da região.
Parte de sua produção — especialmente o trigo — viaja cerca de 320 km para a Distilled Resources, a primeira destilaria certificada como orgânica no país, localizada a poucas horas da fazenda de Cornie, ao leste de Idaho. Administrada pelo engenheiro mecânico Gray Ottley, é lá que o cereal dele é transformado em álcool.
Isso levou a empresa familiar de destilados Chatham Imports, especializada na importação, produção e distribuição de bebidas alcoólicas premium, incluindo whiskies, vinhos e licores, a desenvolver um gin totalmente estadunidense, o Farmer’s Gin, que é o primeiro de seu tipo, utilizando principalmente ingredientes certificados como orgânicos regenerativos.
Cornie, que cultiva há mais de 30 anos, diz que a agricultura regenerativa é o caminho a seguir. “Muito disso é senso comum. Se você cuidar do solo, ele cuidará de você.” Mas foram anos de aprendizado (e, às vezes, fracasso) até chegar a essa conclusão.
Como muitos produtores, ele também se apoiou na experiência de outros que vieram antes, para descobrir como fazer isso de maneira bem-sucedida para a terra — mas também para os negócios. Esse mentor e amigo tem sido Nate Jones, um pioneiro da agricultura orgânica em Idaho.
Jones defende a agricultura orgânica na região desde os anos 1980 e, curiosamente, entrou na agricultura orgânica por razões financeiras. “Eu estava indo à falência como agricultor de pequena escala. O modelo não estava funcionando. Era muito caro de sustentar”, afirma ele. “Então, precisava de um nicho, e outro agricultor que estava cultivando alho organicamente me ajudou a fazer a transição.”
Hoje, Jones cultiva cerca de 280 hectares, assim como Cornie. A dupla se encontra para conversar sobre controle de pragas, culturas de cobertura, combate a ervas daninhas, solo e áreas experimentais em seus campos que podem ou não ter dado certo. “É muito de tentativa e erro, mesmo sabendo o que se está fazendo”, diz Cornie.
Mas Jones não apenas defendia a agricultura orgânica. Ele também incorporou algumas práticas regenerativas, como o uso de culturas de cobertura e ciclos de rotação. Hoje, diz que a indústria orgânica está se tornando “commoditizada” e isso está pressionando os preços para baixo.
Também há muita “agricultura substituta”, diz ele, onde os agricultores estão simplesmente usando fertilizantes e pesticidas aprovados para orgânicos, comprados no mercado, para substituir os convencionais. Mas não estão experimentando com culturas, manejo de ervas daninhas e ciclos de rotação para melhorar o potencial do solo.
A verdadeira agricultura orgânica, na opinião dele, é algo que agora está sendo mais associado à agricultura orgânica regenerativa. Embora Cornie e Jones admitam que seus métodos podem ser mais caros e, às vezes, exigir mais trabalho com menores rendimentos, pode valer a pena.
Eles dizem que percebem isso em seus solos. “Eu não gosto de me gabar”, brinca Jones, “mas tenho um vizinho que pode ver minha fazenda da dele, e ele me disse: ‘Esse solo é inacreditável’.” Cornie entra na conversa: “Sim, eu sempre brinco que os patos preferem vir para o meu campo de milho, em vez de ir para o do vizinho. Eles sabem qual é mais saudável.”
Mas há um conselho chave que Jones deu a Cornie (e recomenda a outros agricultores que querem entrar na agricultura orgânica regenerativa): “Tenha um comprador. Tenha um mercado pronto para sua colheita, sempre. Caso contrário, fica muito mais difícil.”
É aí que entra a Chatham Imports. A companhia concordou em comprar o trigo de Cornie com antecedência. Com isso em mente, Cornie pode cultivar a colheita sem preocupações. Diferente de alguns dos outros feijões e grãos que ele tem no campo destinados à sua própria marca, o trigo já tem um destino garantido.
O cereal é transportado para a destilaria de Ottley, que, de muitas maneiras, é uma extensão da filosofia ecológica de Cornie: a instalação utiliza energia eólica há quase duas décadas, é certificada como orgânica desde 2000 e está ajudando a apoiar a ecologia local.
Ottley e Cornie se conheceram há uma década. “Em 2015, conhecemos Tim Cornie e ele estava começando a construir seu novo negócio, o 1000 Springs Mill, em Buhl. Foi a combinação perfeita para nós. Porque não só ele cultivava o trigo, mas também moía, o que teríamos que fazer fora do local.”
Ottley estava empolgado com a perspectiva de que cada etapa do processo pudesse ser rastreada. “A cadeia de custódia”, diz ele, “agora pode rastrear desde o solo onde foi cultivado pelos agricultores, até onde foi moído e depois até a instalação onde foi fervido, fermentado e destilado. Isso é o que o orgânico significa. Trata-se da rastreabilidade do produto agrícola até o produto final para os seres humanos.” Cada garrafa de gin usa cerca de 1,13 kg de trigo. “É bom saber que estamos ajudando a apoiar um futuro mais sustentável também com o nosso ingrediente herói.”
Esse ingrediente então passa por um processo detalhado que, segundo Ottley, pode incluir até 100 variáveis antes de resultar em um álcool que tem “um sabor doce na frente da língua, é suave na garganta e não, como dizemos, ‘queima a garganta’ ao descer. O Farmer’s Gin tem essa qualidade suave e fácil de beber.”
Com preço em torno de US$ 30 (R$ 180 na cotação atual) a garrafa, não é o gin mais barato. Mas há uma razão para isso. “Como vamos apoiar essas fazendas, essas comunidades com preços baixos de commodities? Precisamos de um modelo melhor”, diz Cornie, enquanto dirige pelas estradas secundárias de Buhl.
Para ele, o gin é apenas o começo e um dos muitos tentáculos de sua operação. Mas espera que mais empresas apoiem os agricultores orgânicos regenerativos da América, que buscam um modelo mais saudável para os agricultores e o solo. “Precisamos começar a comer melhor e cuidar de nós mesmos melhor. Na raiz de tudo isso está a agricultura.”
Cornie espera que, além de ser o agricultor do Farmer’s Gin, sua própria marca, 1000 Springs Mill, possa ajudar os estadunidenses a descobrir uma despensa de produtos básicos orgânicos regenerativos cultivados no país, que ele vende para mercearias e diretamente online.
* Esha Chhabra é jornalista colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre meio ambiente e negócios e já trabalhou para o New York Times, Time, Economist, Guardian, Forbes, The Washington Post, Fast Company, Wired, entre outros.