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Nas primeiras horas da manhã de um dia de janeiro, as 1.691 fazendas do Condado de Kern, na Califórnia, deveriam estar em plena atividade. Mas, nesse dia, os campos estavam estranhamente silenciosos. A notícia da “Operação Retorno ao Remetente” — agentes federais implementando as ordens de imigração do presidente Donald Trump, em SUVs sem identificação, detendo trabalhadores rurais desavisados no dia anterior — se espalhou rapidamente, deixando para trás uma colheita abandonada e uma comunidade em alerta.
À medida que o governo Trump intensifica a aplicação das leis de imigração, os trabalhadores rurais sem documentos, que sustentam a indústria agrícola dos EUA avaliada em US$ 1,53 trilhão (R$ 8,81 trilhões na cotação atual) — representando entre 42% e 50% da força de trabalho — vivem com um medo crescente da deportação.
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“Estamos atingindo todas as cidades-santuários agora”, disse Tom Homan, o “czar da fronteira” de Trump, em 23 de janeiro, referindo-se a cidades como Los Angeles, São Francisco, Portland, Houston e Chicago, que limitam a cooperação com o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE).
Risco de escassez de mão de obra e aumento dos preços dos alimentos
Fazendeiros e especialistas do setor temem que políticas mais rígidas de deportação levem a uma grave escassez de mão de obra, interrompendo a produção de alimentos e elevando os preços para os consumidores.
Uma nota de pesquisa do Goldman Sachs, de 10 de fevereiro, alertou que a agricultura seria um dos setores mais vulneráveis à repressão imigratória de Trump, que pretende aumentar as deportações para aproximadamente 500 mil por ano. O American Immigration Council estima que uma deportação em massa poderia deslocar cerca de 224.700 trabalhadores rurais.
“O risco principal não é necessariamente um cenário em que as deportações anuais atinjam milhões, mas sim uma situação em que a repressão à imigração cria um clima em que os empregadores têm medo de contratar imigrantes não autorizados, ou esses trabalhadores têm medo de ir trabalhar, levando muitos a permanecer fora da força de trabalho ou até mesmo a deixar os EUA por conta própria”, disse Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs.
As consequências dessa onda de fiscalizações vão muito além das fazendas. A Califórnia fornece um quarto dos alimentos do país, produzindo um terço dos vegetais e três quartos das frutas e nozes consumidas nos EUA. Se a força de trabalho do estado colapsar, os consumidores sentirão o impacto — não apenas em prateleiras vazias nos supermercados, mas também no aumento dos preços dos alimentos. Um estudo do Instituto Peterson para a Economia Internacional prevê que a deportação em larga escala da mão de obra agrícola poderia elevar os custos dos alimentos em até 10%.
Impacto imediato: pânico e paralisação
Os efeitos da agenda de Trump já são sentidos. No Condado de Kern, os trabalhadores rurais se viram diante de uma escolha impossível após a operação do mês anterior: ficar em casa e perder o pagamento ou ir trabalhar e correr o risco de ser deportado.
De acordo com um relatório de fevereiro da rádio pública Kern Valley, as batidas teriam como alvo trabalhadores “a caminho do trabalho e no retorno, em estacionamentos e centros comerciais”, resultando na deportação de vários agricultores mexicanos.
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Czar da fronteira, Tom Homan, fala no gramado norte da Casa Branca em 6 de fevereiro, sobre deportações
“Apesar da alegação comprovadamente falsa da Patrulha de Fronteira de que essa operação mirava criminosos, acreditamos que essa ação foi muito além disso”, disse Areli Arteaga, diretora política da United Farm Workers Foundation, o maior sindicato de trabalhadores rurais dos EUA. “Esta é a dura realidade das ameaças de deportação em massa, que já incentivaram indivíduos a semear devastação em nossas comunidades, atingindo justamente os imigrantes trabalhadores que colhem toda a nossa comida.”
A repressão aos trabalhadores rurais migrantes sem documentos tem sido comparada a “arrancar os alicerces de uma casa”. Casos anteriores já demonstraram os riscos que essas políticas representam para a cadeia de suprimentos. Quando a Geórgia implementou a Lei Estadual 87, em 2011, o estado enfrentou uma escassez de mais de 5.000 trabalhadores rurais, levando a perdas de US$ 140 milhões (R$ 806,2 milhões) em colheitas que ficaram nos campos.
“Sem esses trabalhadores, as colheitas não seriam feitas, os negócios rurais sofreriam e os preços dos alimentos poderiam subir para famílias em todo o país”, diz Bryan Little, diretor sênior de políticas da Federação Agrícola da Califórnia. “Isso não é apenas um problema para as fazendas — é uma questão de segurança alimentar, economia e comunidade.”
O grupo bipartidário FWD.us alerta que a perda de trabalhadores nascidos no exterior poderia reduzir a produção agrícola de US$ 30 bilhões a US$ 60 bilhões (cerca de R$ 170 bi a R$ 345 bi).
Quem substituirá imigrantes?
À medida que Trump avança com o que pode ser a iniciativa de deportação mais agressiva da história dos EUA, uma pergunta persiste: quem substituirá os trabalhadores rurais sem documentos? No setor agrícola, os imigrantes sem documentos assumem trabalhos exaustivos que outros trabalhadores evitam, compensando a escassez de mão de obra.
“A economia não é um jogo de soma zero”, diz Chloe East, economista de políticas de imigração da Universidade do Colorado Denver. “Quando uma pessoa tem um emprego, isso não significa que há uma vaga a menos para outra pessoa.”
Fazendeiros em todo o país há muito lutam para atrair e reter trabalhadores, e os motivos são claros. O trabalho agrícola está entre os mais árduos e fisicamente exigentes do país, exigindo longas horas em condições climáticas extremas. Ainda assim, apesar de seu papel essencial na produção de alimentos, muitos trabalhadores rurais enfrentam baixos salários, proteção trabalhista mínima e condições de trabalho difíceis.
Mesmo com a escassez persistente de mão de obra, os salários dos trabalhadores rurais frequentemente giram em torno do salário mínimo ou abaixo dele, forçando-os a jornadas exaustivas — às vezes ultrapassando 70 horas semanais — apenas para sobreviver. Para piorar, eles frequentemente não têm o direito de se organizar, deixando-os sem poder para reivindicar melhores salários e condições.
A grande maioria dos trabalhadores rurais — três em cada quatro — são imigrantes, principalmente do México e da América Central, e muitos vivem em comunidades desassistidas, tornando-os particularmente vulneráveis à exploração. Além disso, eles estão entre os mais expostos aos impactos das mudanças climáticas, enfrentando calor extremo, tempestades e outros riscos climáticos que ameaçam sua saúde e meios de subsistência. O trabalhador agrícola médio enfrenta pelo menos 21 dias de calor inseguro a cada verão, mas pouco mais da metade tem seguro de saúde.
Por anos, a escassez de mão de obra tem sido o maior desafio do setor agrícola, segundo a Federação Americana de Escritórios Agrícolas, com um déficit estimado de 41% entre 2014 e 2022. Esse déficit de trabalhadores levou a uma perda anual de US$ 3,1 bilhões (R$ 17,8 bilhões) na produção de frutas e vegetais frescos durante esse período, de acordo com a New American Economy.
O futuro incerto da agricultura nos EUA
“Se não tivermos pessoas dispostas a fazer esse trabalho, não teremos colheitas”, diz Jose Ramirez, proprietário do Pomar El Paraíso, no Oregon. “As pessoas não entendem o quanto nosso sistema alimentar depende desses trabalhadores.”
O futuro da agricultura dos EUA depende de uma reforma política há muito adiada. Sem um caminho para a legalização dos trabalhadores rurais sem documentos e sem reformas nos programas de trabalhadores sazonais, a crise de mão de obra só se aprofundará.
“Não é fácil viver com medo, quando somos nós que colocamos comida na sua mesa”, disse a trabalhadora rural da Califórnia, Xochilt Nuñez, em entrevista à ABC News em espanhol. “Desde o começo, eu disse: não morda a mão que te alimenta.”
Por enquanto, o medo continua a se espalhar pelas terras agrícolas dos EUA. Em lugares como o Condado de Ventura — onde até 80% dos trabalhadores rurais são indocumentados ou têm familiares nessa condição — a incerteza sobre a força de trabalho pesa sobre trabalhadores e líderes do setor.
“A realidade é clara: os trabalhadores rurais são indispensáveis. Mas, à medida que as políticas de imigração de Trump se endurecem e a ansiedade se espalha, o futuro da agricultura americana permanece incerto.”
*Daphne Ewing-Chow é colaboradora da Forbes EUA. Jornalista especializada em sistemas alimentares e meio ambiente, já passou pelo The New York Times, The Sunday Times (Londres) e Entrepreneur Magazine, além do Programa Mundial de Alimentos, das Nações Unidas.