
Ela comprou um laboratório de processamento de produtos de cannabis nos Estados Unidos. O feito foi anunciado nesta segunda-feira (24) pela empresária brasileira Ana Júlia Kiss, que usou parte de sua herança para turbinar uma ousadia profissional. Em 2022, aos 37 anos, ela fundou no Brasil a Humora, uma startup que fabrica e comercializa produtos de bem-estar à base de canabidiol na Califórnia, porque no país isso ainda é proibido. O investimento com o pé em duas canoas foi de quase US$ 1 milhão (R$ 5,7 milhões na cotação atual) para ter a Nu Bloom Botanicals, também na Califórnia, que até então era sua fornecedora de produtos para a Humora.
“Foi de repente. Estávamos pensando em abrir uma rodada de investimentos quando surgiu a proposta de compra. Fora, que nosso foco total era somente o mercado brasileiro. Mas trouxemos a Nu Bloom porque sem dúvida, essa é mais do que uma aquisição financeira, é uma oportunidade”, diz Ana Júlia, em entrevista exclusiva à Forbes.
Em 2024, apenas 1% das vendas da Humora foram nos EUA, uma receita de R$ 50 mil naquele país. Com a compra do laboratório, a meta é faturar lá U$S 500 mil (R$ 2,7 milhões) neste ano.
O cenário, no entanto, é desafiador. Segundo Ana Júlia, os EUA possuem mais de 10 mil marcas de produtos de cannabis, ou seja, a concorrência não é pequena. “Pelo fato de ser legal em alguns estados e não precisar de prescrição médica, vemos cannabis em todo lugar, nas prateleiras de mercados e farmácias”, diz ela.
Essa é a oportunidade. O mercado legal da planta no país deve alcançar US$ 45 bilhões (R$ 219,6 bilhões) em vendas até 2027, que inclui o uso medicinal (em 41 estados) e o recreativo (em 24 estados), segundo a consultoria Business and Defense Services Advisory.

A Humora utiliza cannabis plantadas em uma fazenda de 32 hectares, em Óregon
Florescendo juntas
A Nu Bloom foi fundada em 2020 pelo empresário Ryan Rocca como um laboratório fornecedor de produtos para várias marcas. O foco sempre foi produtos com ingredientes naturais e cânhamo orgânico de base aquosa e quebrado em nível molecular, a chamada nanotecnologia. “O conhecimento da Humora sobre as tendências de bem-estar e a minha experiência em desenvolvimento de marca e marketing nos EUA cria uma oportunidade única”, diz Rocca, que continua gerente de negócios para Ana Júlia.
“Procuramos muito uma parceria que fabricasse produtos ‘nano’, ou seja, por meio da nanotecnologia, e que não fosse só um óleo, e a Nu Bloom faz exatamente isso”, diz Ana Júlia. Produtos nanos e à base de água são absorvidos de forma mais rápida pelo corpo humano. Em geral, os produtos de cannabis são óleos, em sua maioria.
Além disso, a Nu Bloom trabalha com fornecedores da planta que têm compromisso com práticas que a Humora apoia. “A fazenda onde a planta é cultivada tem sistema de rotação de solo, de gotejamento de água filtrada, ciclo orgânico e não utiliza pesticidas, o que combina com o nosso pilar de sustentabilidade”, diz Ana Júlia. A propriedade familiar de 32 hectares fica no Óregon, primeiro estado a descriminalizar a posse de pequenas quantidades de cannabis e autorizar seu uso para fins médicos.
O princípio ativo da Humora
Ana Júlia diz que fundou a Humora para trabalhar com três conceitos de mercado: leveza, humor e saúde. A ideia da startup nasceu de uma experiência pessoal. “Um companheiro meu tinha uma doença autoimune que não resolvia com nada, mas com a cannabis apresentava muita melhora”, diz ela.
O histórico da mãe, Ana Hercilia, que é médica anestesista, também influenciou na decisão, além das muitas viagens a trabalho para os EUA onde via o aumento crescente no uso de cannabis.
Com ajuda da mãe, ela investiu R$ 3 milhões, parte da herança, para começar o negócio. Os recursos vieram da venda da Adecol em 2017, empresa que produzia adesivos para clientes também nos EUA. “Cannabis é muito mais do que fumar maconha. É uma indústria de bem-estar, saúde e beleza”, diz Ana Júlia.
Com a Humora criada, o plano era fabricar os produtos de cannabis no Brasil, mas ela esbarrou na questão regulatória. “Entendi que não ia conseguir produzir no Brasil, por mais que tentasse, ainda mais com pouco investimento. Mas a legislação permite a importação de produtos. Então, nos tornamos uma empresa americana”, diz ela. Vale registrar que um investimento de R$ 3 milhões, tomando por base o poder de negócio da indústria farmacêutica é de fato pequeno.
A Humora tem atualmente cerca de 200 clientes no Brasil, sendo grande parte deles mulheres acima de 40 anos acometidas de dores corporais frequentes, ansiedade, insônia, entre outros. Em 2024, o faturamento foi de R$ 815 mil e para este ano a meta é chegar aos R$ 3 milhões com uma cartela de 500 clientes.
A startup tem nove produtos no seu portfólio, entre eles gomas comestíveis e sprays, em frascos com 120 miligramas de princípio ativo. Ainda neste ano, a marca vai lançar mais dois produtos no mercado brasileiro.