
A seca histórica de 2024 atingiu duramente os produtores de café brasileiros, deteriorando a condição das lavouras para a safra deste ano e fazendo com que os preços globais da bebida atingissem níveis recordes. Mas Rodrigo Brondani espera uma colheita abundante em 2025.
A enorme plantação gerenciada por Brondani no Cerrado da Bahia parece muito diferente das fazendas e propriedades nas encostas das montanhas típicas do cultivo de café em grande parte da América Latina.
Enquanto ele inspeciona fileiras de pés carregados de cerejas verdes de café, um longo “braço” de equipamento de irrigação marca um amplo círculo acima das árvores a partir de um pivô central, como um ponteiro em um relógio, em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia.
“Isso parece muito bom”, disse Brondani, o gerente principal da fazenda Joha, que tem 900 hectares de cafezais irrigados — uma área que é mais de 20 vezes maior do que uma fazenda média de café no Brasil.
Esse tipo de fazenda em escala industrial com acesso à irrigação está se tornando cada vez mais importante para atender à demanda global de café do Brasil — o maior produtor do mundo. A maioria das propriedades do oeste da Bahia — uma nova fronteira agrícola no Brasil — agora é irrigada.
Brondani espera produzir até 80 sacas de 60 kg de café por hectare naquele lote específico da fazenda, mais que o dobro da produção média no Brasil. A preços de mercado atuais, a colheita mais recente da fazenda, encerrada em outubro, valeria cerca de R$ 90 milhões.
A Reuters falou com mais de 20 agricultores, autoridades, agrônomos, especialistas em irrigação e executivos de empresas de café para examinar como as rápidas mudanças nos padrões de precipitação devido às mudanças climáticas estão transformando a cafeicultura.
Tradicionalmente, os cafeicultores brasileiros dependiam das abundantes chuvas de primavera e verão para o desenvolvimento das lavouras. Apenas cerca de 30% dos campos de café no país são irrigados, de acordo com avaliações do setor.
Depois da seca do ano passado, e de anos recentes com precipitações abaixo da média, isso está mudando. Mas a irrigação pode ser cara, dependendo da distância de uma fonte de água e da profundidade do lençol freático.
Em alguns lugares na tradicional e maior região de cultivo de café do Brasil, em Minas Gerais, o lençol freático caiu tanto que a oferta de água para fazendas irrigadas se tornou muito difícil.
As árvores em Joha são plantadas em nove círculos gigantes próximos uns dos outros. O layout circular facilita a irrigação. Há água suficiente lá para irrigar a colheita por até 20 horas por dia, se necessário.
As plantas brilhantes contrastam fortemente com as árvores ressecadas vistas em muitas fazendas de café atingidas pela seca no ano passado. Quando as chuvas chegaram no Sudeste, era tarde demais para salvar a safra de café de 2025.
Muitas das árvores que sobreviveram em Minas Gerais ficaram enfraquecidas, então produzirão menos grãos este ano. A oferta de café brasileiro, que responde por cerca de 35% do consumo global, deve cair novamente, de acordo analistas.
“As pessoas dizem que sem irrigação será muito difícil produzir café de forma lucrativa”, disse Osmar Junior, adicionando que sua produção em uma fazenda menor em Minas Gerais, que não tem irrigação, caiu para 700 sacas em 2024, de 2 mil sacas em 2020.
Espera-se que 2025 marque a quarta vez nos últimos seis anos que o consumo global de café excede a oferta. Só nos últimos três anos, o mundo consumiu 12,5 milhões de sacas, ou 750 mil toneladas, a mais de café do que produziu, de acordo com a Organização Internacional do Café. O déficit é equivalente a cerca de 7% do suprimento anual global.
Como resultado, fazendeiros e torrefadores de café tiveram que esgotar os estoques para atender à demanda.
O déficit elevou os preços de referência do café em quase 25% em 2025, após uma alta impressionante de 70% em 2024. O preço futuro do café arábica de alta qualidade atingiu um recorde de US$ 4,40 por libra em 13 de fevereiro.
Tudo isso significa um café da manhã mais caro. A Nespresso da Nestlé, a rede americana Starbucks e a JDE Peet, entre muitas outras, aumentaram os preços para os clientes. Dada a alta até agora neste ano, os consumidores em breve terão que pagar ainda mais, disseram analistas.
Irrigação, mas sem água
A empresa dona da fazenda Joha, onde Brondani trabalha, diz que as mudanças climáticas significam que o futuro do cultivo de café será em fazendas fortemente irrigadas como esta.
“Na nossa visão, a cafeicultura mudou para sempre”, disse Sergio Vieira, diretor da holding AFB&IOB, uma das maiores produtoras de café do mundo, que detém cerca de 20.000 hectares de plantações de café no Brasil.
A AFB&IOB comprou a fazenda Joha em 2009, em uma época em que o acesso à água para irrigação era menos urgente do que é agora para a indústria de café do Brasil. As coisas mudaram muito desde então.
“Estamos sempre procurando fazendas para comprar, mas o aspecto número um que levamos em consideração hoje em dia é a disponibilidade de água”, disse Vieira. O oeste da Bahia fica em um dos maiores aquíferos do mundo, o Urucuia. Em alguns lugares, o aquífero está a apenas 20 metros abaixo da superfície.
Mas, em Minas Gerais, os lençóis freáticos caíram tanto que os agricultores em alguns lugares precisam perfurar poços de 300 metros de profundidade para encontrar água, o que é caro, arriscado, e pode resultar em fluxo de água fraco, disse o especialista em irrigação José do Espírito Santo.
Vários municípios em Minas Gerais limitaram a irrigação em 2024 por causa da seca. “Eu tenho um sistema de irrigação, mas não havia água”, disse Mario Alvarenga, que cultiva café em uma fazenda de 300 hectares em Perdões, na região do cerrado do estado.
O órgão de pesquisa de café Fundação Procafe monitora a umidade do solo em regiões de café em Minas Gerais. Os dados mostraram que os solos na principal região de café, no Sul do estado, tinham um déficit hídrico para o crescimento ideal da planta de 300 milímetros no final da estação seca em outubro de 2024.
Isso se compara a um déficit de 110 milímetros em 2023 na mesma época e uma média de longo prazo de um excedente de 20 mm. “Os recentes déficits (hídricos) que vimos são assustadores”, disse o pesquisador da Procafe Rodrigo Paiva, referindo-se aos dados de 2023 e 2024.
Alto Investimento
Além da disponibilidade de água, um fator-chave na cafeicultura é o capital. Os agricultores ao redor do mundo só agora estão colhendo os benefícios dos altos preços do café, depois de uma década de valores baixos que tirou muitos do mercado ou os deixou com dinheiro disponível mínimo.
Um sistema de irrigação por pivô central custa cerca de 1,5 milhão de reais cada. Um sistema diferente chamado gotejamento, onde pequenos canos de água são inseridos no solo com pequenos furos perto das plantas, pode custar até 40.000 reais por hectare.
“É um investimento muito alto para um agricultor”, disse Hugo Guimarães de Oliveira, agrônomo e agricultor de café na região de Guaxupé, em Minas Gerais, onde opera a maior cooperativa de café do mundo, a Cooxupé.
Carlos Augusto Rodrigues de Melo, presidente da entidade, disse que a irrigação fez a diferença nos últimos anos de seca para aqueles que possuem o sistema. No entanto, apenas cerca de 20% da área ao redor da cooperativa tem esses sistemas. Ele acredita que esse número dobre em um período de 3 a 5 anos.
A cooperativa fez uma parceria com a empresa israelense de irrigação Netafim, líder global em sistemas de irrigação, para fornecer uma opção para seus agricultores associados instalarem a tecnologia de gotejamento e pagarem com sacos de café ao longo do tempo.
Oliveira disse que os agricultores também poderiam melhorar os cuidados com as plantações, com técnicas de agricultura regenerativa para melhorar a capacidade do solo de reter umidade, juntamente com alguma renovação do campo — substituindo árvores velhas por novas variedades.
Com isso, juntamente com o sistema de gotejamento, ele acredita que os rendimentos podem saltar para até 70 sacas por hectare, em comparação com apenas 20 sacas por hectare em uma fazenda com árvores velhas e sem irrigação.
Crescimento rápido
O número de sistemas de irrigação por pivô central como o da fazenda gerenciada por Brondani aumentou 14% no Brasil de 2022 a 2024, de acordo com a empresa de pesquisa agrícola do país, Embrapa.
Os cafeicultores não são os únicos a cultivarem sob irrigação no oeste da Bahia. A região também possui cultivo de grãos, algodão, cacau e frutas.
A associação de agricultores da Bahia (AIBA), disse que, considerando os recursos hídricos disponíveis, há potencial para que a área total irrigada na região cresça para 1 milhão de hectares nos próximos anos, dos atuais 300 mil hectares.
Pesquisas recentes, no entanto, levantaram preocupações sobre o que chamam de “superexploração” dos recursos hídricos na Bahia.
Um estudo publicado no ano passado pela organização sem fins lucrativos Imaterra com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) diz que o governo local relaxou a regulamentação nos últimos anos relacionada às concessões para uso da água. Ele também diz que as ferramentas existentes para avaliar os recursos hídricos são ineficientes.
A quantidade de água permitida para ser usada pelo setor agrícola em expansão na Bahia — cerca de 17 bilhões de litros por dia — seria suficiente para abastecer nove vezes a população de São Paulo, a maior cidade do Brasil, disseram os pesquisadores.
O Serviço Geológico Brasileiro (SGB) descobriu que o Urucuia perdeu 31 km cúbicos de água de 2002 a 2021 devido principalmente ao uso de água para agricultura. Isso é cerca de 2,3% das reservas permanentes do aquífero, estimadas em 1.327 km cúbicos.
Cientistas que trabalham para o SGB acreditam que o governo deve aumentar as ferramentas de monitoramento, como poços no local.