
A mexicana Melly Barajas era estudante e aspirante a estilista quando seu pai plantou pela primeira vez a ideia de ter uma marca de tequila. Ela então embarcou em uma jornada para aprender tudo o que pudesse sobre a produção da bebida, reunindo-se com negócios familiares, proprietários de fábricas e mestres destiladores – muitas vezes sendo a única mulher na sala.
Hoje, aos 60 anos, é fundadora e mestre destiladora da Leyenda de Mexico, uma das primeiras empresas de tequila comandadas por uma mulher e que opera com uma equipe exclusivamente feminina.
“Acredito realmente que essa indústria precisava do toque feminino”, disse Barajas à Forbes EUA. “Eu me sentia péssima ao chegar às reuniões e perceber que eram só homens, enquanto eu ficava ali parada como uma criança. E agora é muito bom ver duas, três, quatro, cinco mulheres [à mesa].”
Recentemente nomeada para a lista Forbes 50 Over 50: Global, Barajas expandiu a operação da Leyenda, que hoje produz 20 mil litros de tequila por dia para seis marcas – quatro delas de sua propriedade –, ao longo dos 25 anos desde a fundação da empresa. “Os sonhos não têm idade”, afirma. “Não é questão de ser velho, isso não nos limita”, disse. Confira a entrevista na completa abaixo:
O que é a Legend of Mexico e como a empresa começou?
Eu era designer de moda e educadora, porque amo crianças e moda. Então, de manhã eu dava aula para crianças e à tarde eu ia para minha pequena oficina. Mas, um dia, enquanto eu estava em uma pequena cabana aqui nas montanhas de Jalisco, no México, com meu pai, ele trouxe uma revista que dizia que a Europa estava nos dando uma denominação de origem. Em seguida, disse uma frase que mudaria minha vida: eu gostaria de ter uma tequila com o meu nome para levá-la a milhões de pessoas.
Naquele momento eu comecei a investigar, fui em muitas fábricas de tequila aprender como se produz a bebida, e eu achava que conseguiria fazer tudo, dar aulas, ter a fábrica, fazer as roupas e também fazer tequila para meu pai, claro, por que não, né? A verdade é que foi assim que tudo começou. Este é um mercado muito absorvente, então de repente eu comecei a sair muito da oficina de roupas, parei de dar aulas para as crianças e comecei a tentar fazer a tequila do meu pai.
Eu bati em muitas portas, obviamente para os melhores tequileiros que conhecia ou que eram renomados, e foi um processo difícil. Apenas uma fábrica abriu as portas para eu fazer uma pequena produção de tequila. Aproveitei, mas quis crescer, e vi que eles não conseguiam suprir o que eu precisava. Foi nesse momento que decidi construir uma fábrica.
De repente, consegui comprar um pedacinho de terra, fiz a vinícola e fui começando aos poucos. Quando o meu pai faleceu, eu ainda não tinha encontrado o tesouro que eu disse que ia dar a ele com a tequila dele. Isso me desmotivou muito, junto ao fato de que ninguém me abria as portas, era um mundo só de homens, eu era sempre a única mulher em reuniões e comecei a sentir que não valia a pena continuar.
Mas eu segui, e de repente, os anos se passaram, eu adorei fazer tequila, porque é como levar um pedacinho do México para todas as pessoas que experimentam. Então, comecei a procurar pessoas em uma cidadezinha nas terras altas de Jalisco, e todas as mulheres se interessavam. Mães, avós, meninas, e nenhum homem. Me dei conta de que se todo mundo consegue, eu e aquelas mulheres, juntas, conseguiríamos também. Deu tudo tão certo que estou na empresa há 25 anos.
Conte mais sobre a época em que você decidiu produzir tequila, sem depender de outras pessoas e ter um processo único na sua empresa.
Para mim era muito cômodo ir numa loja de tequila, pedir uma quantidade de caixas, vender e pronto. O problema é que quando eu me comprometia a entregar uma produção para um cliente, eles não a entregavam no prazo e da maneira correta. Ou seja, por causa da responsabilidade com clientes, eu comecei a querer fazer as coisas por conta própria, porque depender de terceiros me deixava muito ansiosa. Então, decidi fazer uma pequena produção na minha fábrica de tequila. Eu já tinha um dinheirinho, porque eu tinha vendido as máquinas da oficina e comecei.
Isso foi há quanto tempo?
Acho que foi uns quatro anos, cinco atrás. Depois que comecei, vi que não podia depender de outras pessoas se quisesse me dar bem, então comecei a procurar um pedaço de terra. E eu era uma designer, nem sabia como a tequila era feita, então, foi muita pesquisa, muita batida de porta em porta, muitas excursões, mas eu queria realizar esse sonho para meu pai.
Lembro que naquela época eu só tinha um moinho, e eram necessários cinco para moer a agave corretamente. Eu só tinha um, e contratei apenas uma pessoa porque ela era a única que podia ficar comigo por mais de oito horas por dia. Eu moía, pegava o carrinho de mão, trazia de volta, moía de novo, trazia de volta, e levava cerca de uma semana para fazer alguns litros de tequila.
Quando vi que era possível, comecei a fazer a papelada para estar no Tequila Regulatory Council (CRT), organização que mantém os padrões da tequila e trabalha com toda a rede envolvida na produção de tequila – dos produtores de agave a engarrafadores e comerciantes.
Como foi o processo de buscar essas informações enquanto você estava tentando fazer a sua empresa crescer?
Isso tudo me custou muito trabalho. Para começar, era um setor totalmente dominado por homens. Quando viram uma garota de 20 anos querendo brincar com a tequila, eles estranharam. Muitas pessoas não acreditaram em mim, tiraram sarro de mim e me deixaram esperando. A verdade é que no mundo deles, uma mulher jovem iria perder tempo. Mas, em vez de encarar isso como algo ruim, me deu forças para continuar.
Fui pesquisando na internet e em associações. Depois de um tempo, quando bebedores e produtores de tequila viram que essa mulher, que estava batendo nas portas há dois, três anos e não tinha ido embora, começaram a me apoiar, me dando confiança. Isso foi bom porque eu estava me sentindo tão sobrecarregada. Todas as mulheres sabem como é isso. Temos, muitas vezes, que trabalhar o dobro ou o triplo para mostrar quem somos e o que podemos fazer.
Mas, ao longo do caminho, também conheci muitas mulheres que estavam passando pela mesma coisa. Eu disse: não, vou mostrar a eles que é possível.
Como foi o processo de contratação de pessoas, especialmente de mulheres? Como o seu empoderamento feminino influenciou isso?
Bom, eu definitivamente tinha que ser melhor, ou ter o melhor de tudo que eu queria fazer. Então, para começar, eu sabia que se eu fosse estar naquele ambiente, eu teria que fazer uma tequila excelente e de alta qualidade que superasse muitas coisas, porque eu estava no olho do furacão. Comecei a trabalhar, e apenas mulheres eram contratadas, e não somente porque eu queria, mas também porque a maioria dos homens vai para os Estados Unidos ou outros lugares para procurar emprego.
A cidade estava cheia de filhas, mães, avós, que queriam fazer alguma coisa. Então, o fato de eles terem acreditado em mim, ou seja, me deu motivação para fazer isso agora. Então, nos unimos porque as mulheres realmente têm um poder e energia incríveis, que me ajudaram a continuar. Quando eu quis jogar a toalha, isso me deu forças. Foi assim que crescemos.
Como surgiu a ideia de fazer uma tequila que teletransportasse os consumidores para o México no primeiro gole?
Eu queria muito fazer uma tequila do México, que falasse sobre esse país. E me ocorreu que eu amo as lendas do meu de lá, então, por que não seguir nesse caminho? Comecei a procurar lendas muito antigas, onde falavam sobre magia, amor e mulheres e o que elas podiam fazer.
Assim surgiu o Leyendas de México. Eu queria que quando uma garrafa chegasse em qualquer lugar do mundo, eles dissessem: “tequila Lendas do México, uau, vamos saber mais da lenda mágica e da cultura de lá”, como uma experiência mesmo e não somente uma bebida alcoólica.
A senhora sempre gostou de tequila ou foi algo que aconteceu depois da conversa com seu pai?
Eu realmente não gosto de beber, quase não bebo, então, no começo para mim, não era algo tão atrativo. Mas, no momento em que você está destilando, os cheiros, as experiências que você tem e tudo mais são transformadoras. Comecei a sentir o cheiro do agave, de maçã, de abacaxi, e se você deixar fermentar um pouco mais, você tem outros aromas, outras notas. Foi assim que comecei a me apaixonar pela minha tequila.
E quanto produzem por ano?
Bom, na contramão de outras empresas de tequila, que fecharam e faliram, nós sobrevivemos, e desde a pandemia, crescemos cinco vezes mais. Estamos produzindo cerca de 20 mil litros diariamente, e temos sempre todos os nossos tanques cheios. Em termos de exportação, temos apenas um contêiner no momento.