
Uma operação fundamental para o agro já mobilizou R$ 23,6 milhões, dos quais R$10,3 milhões foram captados por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e cerca de R$ 13,3 milhões de fontes diversas. Os recursos foram alavancados de investidores de mercado, filantrópicos, concessionais e de impacto de diferentes instituições, entre elas o Instituto Arapyaú, Instituto humanize, Fundação Solidaridad, Rabo Foundation (ligada ao banco holandês Rabobank) e Instituto Itaúsa, além do próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com aporte não reembolsável de R$ 4 milhões.
Esse volume de recursos tem como destino um setor com grande potencial de cadeia produtiva, o cacau, produto com demanda alta no mercado nacional e internacional, mas que tem enfrentado enormes desafios na produção. Como os de Jailton de Oliveira, 44 anos, produtor rural em Anapu, no Pará, que tem o cacau como sustento de seu negócio. Entre os anos de 2022 e 2023, por causa de uma severa estiagem que assolou a Amazônia, ele era um dos pequenos agricultores da região profundamente impactado. Oliveira viu sua lavoura de cacau ser devastadas pela falta de chuvas e enfrentou um período crítico, sem perspectivas imediatas de recuperação.
O apoio veio por meio de Joaquim Júnior, analista agropecuário da Fundação Solidaridad, que sugeriu ao agricultor a adesão ao Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) Sustentável, um programa de financiamento inédito voltado à produção rural sustentável. Com os recursos obtidos, Jailton conseguiu revitalizar seus três hectares de lavoura, que combinam o cultivo de cacau com banana, macaxeira e espécies nativas como andiroba.
O investimento permitiu a implementação de técnicas como poda e adubação, além da instalação de um sistema de irrigação que promete minimizar os impactos de secas futuras. “Aluguei 20 horas de retroescavadeira para ampliar meu reservatório de água e garantir a irrigação do cacau. Agora, estou prestes a adquirir uma bomba e aguardo as chuvas de verão para encher o tanque”, conta Jailton, demonstrando esperança.
Jailton faz parte de um grupo de 462 produtores que receberam apoio na segunda fase do CRA Sustentável, uma iniciativa que tem por objetivo fomentar a agricultura familiar e estimular boas práticas ambientais. Criado por meio de uma parceria entre o Instituto Arapyaú, Grupo Gaia e Tabôa Fortalecimento Comunitário, o projeto também conta com o suporte filantrópico do Instituto Humanize e assessoramento jurídico do escritório TozziniFreire Advogados.
Desde 2017, a Tabôa implementa um modelo que alia financiamento rural acessível a suporte técnico especializado. “Essa linha de crédito foi desenvolvida para atender agricultores familiares, proporcionando condições flexíveis e um planejamento financeiro elaborado em conjunto com os produtores”, afirma Roberto Vilela, diretor executivo da Tabôa.
A primeira fase do projeto, lançada em 2020, beneficiou cerca de 270 famílias em 11 municípios do sul da Bahia. Agora, sua segunda etapa amplia o alcance para 25 municípios, abrangendo áreas da Mata Atlântica e da Amazônia nos próximos cinco anos. A iniciativa visa fortalecer o cultivo sustentável de cacau em 2 mil hectares, enquanto conserva e protege outros 3 mil hectares de vegetação nativa, reforçando o compromisso ambiental. Os R$ 10,48 milhões em crédito foram destinados a 385 produtores na Bahia e 77 no Pará, com valores individuais variando entre R$ 5 mil e R$ 40 mil.
O CRA Sustentável foi estruturado sob o conceito de blended finance, um modelo que combina diferentes fontes de investimento, incluindo capital filantrópico e de mercado, ampliando o acesso ao crédito para agricultores familiares assentados da reforma agrária. Esse modelo foi um dos fatores que levaram à aprovação da segunda fase do projeto na categoria de bioeconomia florestal em um edital do BNDES de 2022. O objetivo da iniciativa é fomentar a adoção de mecanismos financeiros inovadores no Brasil.
Para a diretora socioambiental do banco, Tereza Campello, o projeto gera impacto positivo no desenvolvimento socioeconômico e na preservação ambiental. “Essa iniciativa promove técnicas agrícolas sustentáveis e viáveis economicamente, permitindo que populações vulneráveis possam se estabelecer em atividades lucrativas e produtivas”, afirma. “Além disso, o modelo pode ser replicado para outras culturas e regiões do país.”
O acesso ao financiamento do CRA Sustentável exige o cumprimento de requisitos que garantam a sustentabilidade ambiental e social da produção, incluindo a proibição do trabalho infantil e a manutenção de áreas de proteção permanente, como matas ciliares e nascentes.
A abordagem inovadora do projeto também atraiu investimentos de instituições como a Rabo Foundation, ligada ao banco holandês Rabobank, que reconheceu o potencial dos sistemas agroflorestais para adaptação climática e desenvolvimento sustentável. “O sucesso da primeira edição do CRA foi fundamental para que apostássemos novamente no modelo”, destaca Lygia de Salles Freire Cesar, gerente de programa para a América Latina da fundação.
Desde o início, a Gaia Impacto Securitizadora, do Grupo Gaia, é responsável pela emissão dos títulos. “Fazer parte de uma iniciativa que alia impacto social e ambiental é motivo de orgulho para nós. Esperamos que, com a participação do BNDES, esse modelo de financiamento ganhe escala e se torne cada vez mais comum no mercado de capitais”, afirma Jéssica Arruda, especialista em estruturação do Grupo Gaia.
Na implementação do CRA Sustentável, a Tabôa desempenha um papel essencial, desde a mobilização dos produtores até o acompanhamento técnico e a regularização fundiária. Na Bahia, a organização trabalha com a Rede de Agroecologia Povos da Mata para auxiliar na transição agroecológica. No Pará, a assistência é prestada pela Fundação Solidaridad, que busca promover cadeias produtivas mais inclusivas.
Cacau de resultados concretos
No sul da Bahia, a fase experimental do CRA Sustentável, entre 2020 e 2023, demonstrou resultados concretos e expressivos. Nesse período, a renda dos agricultores participantes cresceu, em média, 60%, enquanto a taxa de inadimplência permaneceu extremamente baixa, alcançando apenas 0,28%. A produtividade do cacau também registrou avanço significativo, com um incremento de 52%.
Um dos beneficiados pela iniciativa foi Gean Carlos Menezes, produtor agroecológico de 39 anos, residente no Assentamento São João, em Ibirapitanga. Ele aderiu ao financiamento em 2020, investindo na melhoria da qualidade do cacau cultivado em sua propriedade de quatro hectares. No ano seguinte, obteve novo crédito, direcionado ao custeio da produção e à adubação, o que resultou em um aumento de 24% na produtividade e um crescimento expressivo de 146% na renda proveniente do cacau.
Em 2023, Menezes acessou mais uma rodada de financiamento, dessa vez com o objetivo de implementar um sistema de irrigação, adquirir mudas de cacau e banana e aprimorar a gestão do seu sistema agroflorestal. Ele também expandiu sua produção diversificada, cultivando frutas como acerola, cupuaçu, laranja, tangerina, abacate e coco.
“Minha meta é consolidar um sistema agroflorestal bem estruturado, seguindo as diretrizes da produção orgânica, dentro de dois anos”, projeta Gean. Ele comercializa seus produtos tanto em feiras locais quanto por meio de programas públicos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
O financiamento acessado por Menezes foi viabilizado pela modalidade de garantia solidária, um mecanismo que permite que pequenos grupos de três a dez agricultores atuem como avalistas uns dos outros. Esse modelo, incentivado pela Tabôa, tem se mostrado um meio eficaz para facilitar o acesso de agricultores familiares ao crédito, fortalecendo suas cadeias produtivas de forma cooperativa e sustentável. (Com Ascom)