
Autossuficiência alimentar é importante para qualquer país e pode levar a desenvolvimentos inusitados, como campos de cultivo em formatos de círculos ou semicírculos perfeitos, resultado do design dos sistemas de irrigação, cercados pelos desertos áridos da Arábia Saudita.
Por causa do calor extremo, da escassez de chuvas e das condições desérticas, é extremamente difícil cultivar alimentos nos países do Golfo Pérsico, como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Barém, Kuwait, Iraque, e Irã.
É por isso que, em sua maioria, essas nações importam a maior parte do que consomem, seja por via aérea – o que é muito caro – ou por navio, o que frequentemente significa que os alimentos chegam em más condições.
Mas a Pure Harvest, uma startup com sede nos Emirados Árabes Unidos, que produz localmente uma variedade de culturas para os mercados dos países do Golfo, está tentando mudar esse cenário.
A empresa encontrou uma forma de aproveitar as condições adversas da Península Arábica e cultivar alimentos frescos durante todo o ano, incluindo frutas vermelhas, tomates, folhas verdes e pimentões – produtos que de outra forma precisariam ser transportados por via aérea.
“Usamos a agricultura em ambiente controlado, que abrange da irrigação por gotejamento às redes de proteção e fazendas com controle total do clima, impulsionadas por inteligência artificial, dependendo das condições e dos cultivos”, diz Sky Kurtz, CEO da startup.
Segundo Kurtz, o projeto se adapta aos recursos que sejam viáveis e não depende de uma única tecnologia. “Nossas instalações são estufas de alta performance e com controle climático, que aproveitam a luz natural do deserto, mas podem ser fechadas para regular o clima.”
Mercados em expansão
A empresa já possui operações nos Emirados Árabes Unidos e na Arábia Saudita e está planejando novos projetos no Kuwait, em Singapura e no Marrocos. “Singapura depende fortemente da importação de alimentos e tenta fortalecer a resiliência do seu sistema alimentar aumentando a produção local”, afirma Kurtz.
Sobre o Marrocos, a empresa pretende atender via esse país do norte da África, também o mercado europeu. “Buscamos mercados carentes de produtos sazonais. Em qualquer lugar que transporte grandes volumes de alimentos por via aérea, cultivos que exigem muita água e perecem em até 14 dias, há um argumento sólido para a produção próxima ao mercado consumidor. Com as mudanças climáticas, as oportunidades futuras são imensas”, diz Kurtz.
Segundo o executivo, as operações da Pure Harvest são muito mais eficientes em termos de recursos do que as alternativas disponíveis. A empresa usa apenas um sétimo da água consumida por uma estufa típica no Oriente Médio e um trigésimo da água utilizada na agricultura tradicional (embora esta última geralmente ocorra em áreas com muito mais recursos hídricos). No entanto, com o agravamento das mudanças climáticas, “a água é a maior limitação da agricultura tradicional”, diz ele.
“Também usamos pouquíssimos fertilizantes, reciclamos nossa água e, em vez de pesticidas, utilizamos predadores naturais para controlar pragas.” Em Singapura, a empresa precisará de ainda menos água por causa do alto índice de chuvas. Além disso, ao produzir alimentos localmente, reduz as emissões associadas ao transporte aéreo de mercadorias.
O desafio da energia
O grande desafio da agricultura em ambiente controlado é que ela pode ser muito intensiva em energia, embora as estufas tenham custos significativamente mais baixos com iluminação do que, por exemplo, uma fazenda vertical que não utiliza luz natural. “Nós escolhemos locais onde há sol, porque a luz é fundamental para nós”, explica Kurtz.
“Mas a energia é um grande desafio.” Onde há sol, também há potencial para energia solar, e a empresa está investindo cada vez mais em fontes renováveis sempre que possível. “Nossa instalação na Arábia Saudita, por exemplo, obtém 80% de sua energia de uma fazenda solar. E, se a água que usamos vem de usinas de dessalinização, que consomem enormes quantidades de energia, conseguir reduzir o consumo de água significa também uma grande economia de energia.”
Outro desafio do setor é que ele exige um alto investimento inicial. Até o momento, a empresa já levantou US$ 287 milhões (R$ 1,6 bilhão na cotação atual), e está em busca de mais financiamento.
A oportunidade de crescimento é enorme, argumenta Kurtz. Abu Dhabi foi o ponto de partida ideal, oferecendo um ambiente físico desafiador que permitiu à empresa aprimorar suas operações, além de um ambiente de negócios favorável que proporcionou uma base estável para o crescimento.
“Nós desvinculamos a produção de alimentos das condições climáticas e a associamos à tecnologia. É totalmente possível produzir alimentos em qualquer lugar do mundo, até mesmo nos ambientes mais hostis. A questão é apenas ter capital e disponibilidade de energia.”
* Mike Scott é colaborador da Forbes EUA, onde escreve sobre a interseção entre negócios e sustentabilidade.