
Durante a conferência da World Cocoa Foundation (WCF) em São Paulo, a economista Pam Thornton, commodity trader da Nightingale Investments, de Nova York, trouxe um alerta direto ao setor: é preciso agir com base em ciência e planejamento para que o mercado do cacau possa sobreviver aos novos tempos. Segundo ela, a volatilidade dos preços e os problemas estruturais da produção global colocam em xeque a sustentabilidade da cadeia — econômica, climática e operacionalmente.
“Durante muito tempo fomos complacentes. Tínhamos uma mão de obra disponível nas regiões produtoras, parecia haver muita escolha. O aumento da oferta, mesmo com os preços baixos, vinha da falta de alternativas para esses trabalhadores”, disse Thornton. “E ainda vimos a expansão para novas áreas, como Uganda e República Dominicana. Achávamos garantido que a oferta de cacau sempre estaria lá. Até que veio a colheita de 2023/2024 e nós finalmente acordamos. Agora falta cacau.”
Thornton apontou que a resposta do mercado foi histórica. “O preço disparou de forma inédita desde os anos 1970. Olhando o gráfico dos últimos 50 anos, era possível ver uma commodity estável, até que tudo mudou. Nos últimos dois anos, a atividade se concentrou de forma intensa, com o preço atingindo picos de até US$ 12 mil por tonelada e depois recuando para US$ 8 mil.”
Apesar do cenário ainda ser considerado “de interesse”, a trader questiona: “Como vamos permanecer nesse patamar? O entusiasmo existe, claro, mas a verdadeira pergunta é: esse preço é sustentável?”
Conhecedora do setor brasileiro, Thornton relembrou o papel que o país já teve no mercado. “Eu viajo e trabalho com o cacau do Brasil há muito tempo. Conheço bem as regiões produtoras e os recursos do país. Mas onde esteve o Brasil nos últimos 20 ou 40 anos?”
Ela lembrou o pico de produção brasileira em 1981, quando o país era o segundo maior produtor mundial. “Hoje, o país produz cerca de metade do que naquela época. Faz sentido: o preço não era atrativo. Mas agora o interesse voltou — e só se justifica se for sustentável.”
Sem entender o básico, não há futuro
Para Thornton, um dos maiores desafios do setor está na ausência de previsibilidade e no conhecimento limitado sobre as causas dos colapsos produtivos. “Investimos muito em sustentabilidade, mas o conceito foi aplicado de forma limitada. Precisamos gerar e direcionar recursos para garantir a viabilidade econômica de produtores e empresas. E para isso, temos que entender melhor o que está acontecendo.”
Ela cita como exemplo o surto de doenças em árvores de cacau: “Quando vi os primeiros DSSV [doenças do sistema vascular], disseram que elas morreriam em dois ou três anos. Quinze anos depois, as árvores ainda estão vivas. Deterioradas, sim, mas vivas. Isso mostra que nem sequer compreendemos o básico.”
A economista dividiu os desafios em três frentes. A primeira é a capacidade de prever. “Precisamos identificar riscos com antecedência. Parece estranho, mas depois da safra 2023/24, metade do setor achava que foi um evento pontual, a outra metade achava que era uma crise duradoura. Passado o tempo, vimos que a situação se repetiu — ou seja, não entendemos ainda.”
O segundo ponto é o controle de pragas e doenças. “Focamos muito na África, mas também há problemas sérios na América Latina, como os altos níveis de cádmio no Peru e no Equador. Se o cacau dessas regiões não pode ser consumido por causa do cádmio, estamos lidando com um problema sério de inutilização de colheitas.”
O terceiro ponto é a produtividade. “Estamos muito distantes de uma modernização real. Algumas fazendas brasileiras já trabalham com polinização artificial e melhoramento genético. Mas a realidade africana ainda é, em muitos casos, medieval”, afirmou.
Thornton citou a adoção da variedade CCN 51, desenvolvida no Equador, como um exemplo de resposta rápida e eficaz da América Latina. “É uma variedade resistente, de alta produtividade e entrada precoce em produção. Não estou dizendo que essa é a solução para a África — as doenças são diferentes —, mas são iniciativas como essa que precisamos replicar.”
Ela também defendeu o desenvolvimento de árvores menores, mais fáceis de serem manejadas e colhidas, como parte da introdução da mecanização. “A produtividade precisa ser pensada junto com a capacidade de escalar o manejo.”
Uma proposta de sobrevivência do cacau
Para enfrentar esse cenário, a economista propôs a criação de uma Iniciativa de Sobrevivência do Cacau. “A WCF representa o setor privado e a Organização Internacional do Cacau (ICCO) representa os países produtores. Mas, unidos, poderiam formar uma voz global forte. Seria um esforço colaborativo com instituições como a Rainforest Alliance e outras organizações.”
Ela criticou o atual estado da pesquisa: “É fragmentado. Muito está nas universidades. Precisamos de um foco global para usar melhor os recursos — e mais recursos.”
O recado final foi dito sem rodeios: “Temos um grande trabalho pela frente. O cenário político e econômico é volátil. O dinheiro para o desenvolvimento está desaparecendo. Se não usarmos esse momento de atenção ao cacau para criar bases duradouras, corremos o risco de voltar ao esquecimento. E esse, talvez, seja o maior risco de todos.”