
Os abacates da espécie Persea americana têm sido uma parte importante da alimentação dos habitantes das Américas há milhares de anos. Uma grande quantidade de fósseis encontrados em um antigo abrigo rochoso em Honduras, na América Central, mostra que os humanos já consumiam essa fruta há 11 mil anos e há 7.500 anos começaram o cultivo da fruta.
A descoberta sugere que essa prática preparou os povos indígenas das Américas Central e do Sul a, mais tarde, plantarem outros produtos agrícolas domesticados, entre eles o milho.
“Essas pessoas literalmente domesticaram suas florestas”, disse Amber VanDerwarker, a antropóloga, autora do estudo e professora no Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Amber é especialista em plantas e agricultura antigas.
A descoberta muda a compreensão humana sobre os primórdios da agricultura. Inicialmente, a maioria dos especialistas acreditava que os antigos indígenas americanos eram caçadores-coletores — caçavam animais selvagens e coletavam plantas, frutos, raízes — até descobrirem o milho, e então se tornaram agricultores.
Aparentemente, o abacate precedeu o cultivo do cereal. Por exemplo, quando o milho chegou a essas populações, “eles já compreendiam toda a noção de plantar sementes e gerenciar o crescimento”, diz Amber.
Ela e seus colaboradores fizeram essa descoberta em um depósito arqueológico de um abrigo rochoso, uma abertura rasa parecida com uma caverna na base de um penhasco ou falésia, chamada El Gigante, localizado no sudoeste de Honduras. Ao contrário das cavernas, que podem se estender por quilômetros, na comparação os abrigos rochosos são quase sempre modestos em tamanho e extensão.
O El Gigante fica em um planalto vulcânico ao longo do rio Estanzuela, a uma altitude de 1.300 metros. O local foi escavado pela primeira vez em 1995, e em 2018 os cientistas começaram a coletar, analisar e datar por radiocarbono os fósseis encontrados. Os pesquisadores consideram muito esse sítio arqueológico, especialmente pela longa continuidade de ocupação e pela grande quantidade de resíduos de cozinha antigos encontrados lá.
O El Gigante tem 36 metros de largura e 17 metros de abrigo rochoso em profundidade, e contém montes de resíduos e descartes deixados por seus antigos moradores ao longo dos últimos 11 mil anos. Esses dejetos são ricos em fósseis paleobotânicos, incluindo fragmentos de mais de 20 mil plantas, como abacates, cabaças, agave, feijões e abóboras.
Graças a eles, os cientistas agora têm uma visão fascinante das mudanças nos padrões de utilização de recursos e econômicos dos ocupantes ao longo dos últimos 10 mil anos. Além disso, oferecem uma oportunidade rara de examinar a história evolutiva da domesticação de plantas.
Para entender melhor o processo de domesticação do abacate, Amber e sua equipe reuniram 1.725 fósseis da fruta, incluindo cascas e sementes, para estudar as mudanças na forma e no tamanho dos frutos ao longo do tempo. De todos os fósseis datados por radiocarbono, eles conseguiram registrar 56 deles em pontos específicos no tempo, abrangendo o período de cerca de 11 mil anos.

Amber VanDerwarker, professora no Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia
Também se encontrou evidências sugerindo que a domesticação começou com o manejo das árvores selvagens e, eventualmente, passou para o plantio de sementes de frutos com as características mais desejáveis.
A história evolutiva do abacate
Os abacates têm uma história evolutiva interessante, já que surgiram no centro do México há cerca de 400 mil anos. A megafauna mamífera do Pleistoceno — época geológica que durou entre 2,6 milhões de anos e 11.700 anos atrás —, formada por preguiças gigantes, gompoteres (animal semelhante ao elefante moderno) e toxodontes, engolia os frutos inteiros, funcionando como um serviço de táxi para transportar sementes de abacate pelo campo.
A dependência da fruta pela dispersão realizada pela megafauna quase levou à sua extinção, quando todos esses grandes mamíferos desapareceram repentinamente, há cerca de 12.500 anos, em função da caça humana, possivelmente combinada com efeitos ambientais ou climáticos. Fato é que, neste momento, os seres humanos já haviam descoberto as vantagens de comer abacates e ao fazerem isso provavelmente os salvaram da extinção, cultivando e domesticando a fruta como uma fonte de alimento.
Em entrevista à Forbes EUA, a professora Amber VanDerwarker conta mais sobre a descoberta. Confira:
Como o processo de domesticação difere entre animais e plantas?
O processo de domesticação para plantas e animais é semelhante, porque as pessoas precisam controlar o espaço, a reprodução e a alimentação.
Nem todas as plantas e animais são domesticados. Então, quais características fazem uma planta ou animal ser um bom candidato à domesticação?
Bons candidatos são geneticamente maleáveis à manipulação humana e adaptáveis aos ambientes perturbados pelos homens. Para mim, a diferença notável neste caso específico não é entre plantas e animais, mas entre plantas anuais e perenes.
Plantas anuais, como o milho, precisam ser cultivadas regularmente. Então, na seleção de sementes, significa que a domesticação pode ocorrer rapidamente. Árvores, como os abacates, têm um ciclo reprodutivo muito mais longo, desde o plantio até a produção de frutos
Assim, os modos como os humanos desenvolveram a agricultura de campo versus a agricultura de floresta devem ter sido muito diferentes. De fato, nossos dados mostram que as pessoas já comiam abacates pelo menos 5.500 anos antes da evidência de domesticação, e 3 mil anos antes já manejavam as árvores por tamanho dos frutos (provavelmente por meio de desbaste e poda). Há evidência, também, de que essas comunidades domesticaram abacates em Honduras antes do milho chegar (completamente domesticado) ao local.
O que mais surpreendeu a sra. nos resultados do estudo?
O fato de os abacates terem sido completamente domesticados antes do milho domesticado chegar ao local. O milho foi domesticado no México ocidental semiárido e os abacates, nas regiões tropicais da América Central.
Consequentemente, entender as complexidades da agricultura mesoamericana é muito mais complicado do que os cientistas inicialmente pensavam. São dois ambientes muito diferentes. Desenvolvimentos paralelos de grupos indígenas que lentamente foram ganhando familiaridade com as plantas locais, manejando seu crescimento e experimentando dois sistemas de cultivo muito diferentes.
É claro que na Mesoamérica os abacates são tão fundamentais para entender o desenvolvimento da agricultura quanto o milho. Além disso, nessa região não haviam animais domesticados para alimentação, então os povos indígenas dependiam de insetos, pesca e caça de animais selvagens para obter proteína e gordura em suas dietas.
Mas os animais selvagens são muito mais magros do que os animais domesticados e os abacates compensam essa deficiência de gordura como uma incrível fonte de gorduras poli-insaturadas. É um alimento perfeito para forrageiros e agricultores de subsistência. É um alimento perfeito para todos nós.
* “GrrlScientist” é o pseudônimo de uma ecologista e colaboradora da Forbes EUA, onde escreve sobre ciência.